6 perguntas e respostas sobre as investigações do Caso Marielle
O assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes completa meia década sem solução e com muitos desdobramentos
Quem matou Marielle? Esta é a pergunta para a qual há cinco anos esperamos resposta. E é também o título do livro do cientista político e jornalista Carlos Ramos, e de Giniton Lages, delegado que comandou a investigação.
No dia 14 de março de 2018, a vereadora do Psol Marielle Franco foi assassinada no centro do Rio de Janeiro, no bairro Estácio, ao sair de um evento de trabalho. O motorista Anderson Gomes, que estava dirigindo o carro que foi perseguido, também veio a óbito.
Mulher, cria da Maré, preta, bissexual, ativista dos movimentos negro e feminista, a morte de Marielle foi um feminicídio político. “A morte da Marielle foi uma violência política e também uma violência contra as suas múltiplas identidades e causas que defendia. O seu mandato como vereadora procurava dar voz a essas identidades, estruturava-se em temáticas como favela, negritude e gênero. Ela foi uma guerreira na defesa de todas essas temáticas num momento em que o Brasil, infelizmente, vivia uma onda crescente de intolerância, discriminação e menosprezo”, explica o jornalista Ramos, um dos autores do livro.
1. O que se sabe até agora?
Embora o assassinato de Marielle Franco tenha escancarado uma série de crimes ligado à milícia, muito pouco se sabe até agora. Isso porque ainda não foi descoberto quem mandou matar a vereadora nem o porquê – ou os porquês.
Até o momento, dois ex-policiais militares foram presos e aguardam julgamento popular: Élcio Queiroz, acusado de dirigir o carro que perseguiu o de Marielle e Anderson, e Ronnie Lessa, acusado de fazer os disparos.
Os dois estão presos preventivamente desde 2019. A demora para que o julgamento aconteça se deve à defesa dos acusados, que, segundo a Justiça, está entrando com inúmeros pedidos de recurso.
2. Há alguma suspeita sobre quem mandou matar Marielle?
Dois nomes estão na mira da polícia: Cristiano Girão, ex-vereador e ex-chefe de milícia, e Domingos Brazão, empresário, ex-deputado e conselheiro do Tribunal de Contas do Rio.
Girão foi preso em 2021 por duplo homicídio de um ex-PM e sua esposa. Segundo as investigações, ele agiu junto de Ronnie Lessa, que cometeu os assassinatos. Por isso, seu nome foi incluído no Caso Marielle.
O ex-vereador segue preso, nega que tenha sido chefe de milícia e qualquer ligação com a morte de Franco.
Brazão foi afastado do seu trabalho por suspeita de fraude e corrupção, mas foi autorizado a retornar para o Tribunal no último dia 7.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, ele “arquitetou o homocídio” de Marielle e sumiu com as provas. A denúncia foi feita em 2019 e corre em segredo de Justiça.
De acordo com o jornalista Carlos Ramos, nos primeiros anos de investigação, não foram encontradas evidências que esclarecessem quais seriam as motivações do crime – e pouca coisa mudou desde então. “Até agora, as informações divulgadas indicam que não se avançou muito em relação aos possíveis mandantes”, lamenta.
3. A família Bolsonaro tem algo a ver com a morte de Marielle?
Suspeitas já foram levantadas, mas não há nenhum tipo de comprovação. Acontece que, como falamos anteriormente, a morte de Marielle Franco escancarou todo um esquema de milícia no Rio de Janeiro, que culminou em duas operações:
- a Intocáveis investigou uma milícia da Zona Oeste carioca comandada por Adriano da Nóbrega. O ex-PM foi morto em 2019 e era suspeito de ter participado do homicídio de Marielle;
- já a Calígula investigou um esquema de jogos de azar (do bicho) organizado por Rogério Andrade e Ronnie Lessa.
O nome de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, estava envolvido na primeira delas. Além disso, Ronnie Lessa era vizinho e apoiador de Jair Bolsonaro (PL) – embora negue proximidade com o ex-presidente.
Há também quem acuse a família Bolsonaro de ter ligação com a milícia carioca e de negligenciar as investigações do Caso Marielle. Até o momento, é importante reforçar, a Justiça não bateu o martelo e, portanto, tudo não passa de suposição.
4. Onde estão as provas do crime?
Exames periciais apontam que a arma utilizada para matar Marielle e Anderson foi uma submetralhadora HKMP5, que nunca foi encontrada.
Segundo a Justiça, Ronnie Lessa teria descartado a arma no mar com a ajuda da esposa, do cunhado e de dois amigos. Eles foram condenados por destruição de provas em 2021.
Muito provavelmente, por se tratar de um ex-policial, a submetralhadora foi desviada da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Encontrar a arma do crime é muito importante para ajudar a solucionar qualquer crime e, para Jurema Werneck, da Anistia Internacional, o Estado pode ser responsabilizado, uma vez que não houve a fiscalização de armas e munições que deveriam ser controladas.
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5. Quais são as novidades do caso?
O ministro da Justiça Flávio Dino (PSB) incluiu a Polícia Federal nas investigações e, no último dia 7, o Gaeco (Grupo de Atuação Especializado no Combate ao Crime Organizado) iniciou uma força-tarefa para apurar evidências.
“O caso Marielle e Anderson é uma ferida aberta no Brasil. Precisamos de respostas”, afirma o jornalista Carlos. Para ele, o livro que escreveu ao lado do delegado do caso tem esse objetivo: não deixar o caso cair no esquecimento nem aceitar a impunidade. “Para mim, pessoalmente, encaro [o livro] como uma forma de resistir e continuar a defender os direitos humanos e a democracia”, afirma.
Pensando em preservar a memória de Marielle viva, o presidente da República Lula (PT) assinou um projeto de lei que prevê a criação do Dia Marielle Franco, em 14 de março. Luyara Franco, filha de Marielle e co-fundadora do Instituto Marielle Franco, recebeu a notícia com satisfação, como revelou para a CAPRICHO: “A criação do Dia Marielle Franco representará um passo importante não só em termos de preservação da memória, como também deve servir de oportunidade para outros avanços importantes para a garantia da vida e segurança de mulheres negras, cis e trans, que disputam a política todos os dias“.
6. Brasil, o país que mais mata ativistas no mundo
Segundo relatório da Global Witness, o Brasil é o pais mais perigoso para ativistas. “Essa é uma constatação perturbadora. O ativismo é o engajamento na defesa de mudanças e melhorias na sociedade”, lamenta o jornalista Carlos Ramos.
Para o autor de Quem matou Marielle?, “o ataque ao ativismo é uma reação violenta a essas mudanças, e essa reação violenta é maior quanto mais a sociedade for desigual, discriminatória, intolerante, e assim por diante”.
Luyara Franco pensa de forma semelhante. Para ela, o assassinato de Marielle Franco é um reflexo das estatísticas e do que é viver no Brasil – especialmente sendo mulher, negra, periférica e ativista. “Esse crime marcou a história política brasileira e mundial, demonstrando a fragilidade da democracia no nosso país, e levantou a importância do debate da violência política de gênero e raça, da violência letal LGBTfóbica e do ataque a defensores de direitos humanos no Brasil“, alerta.