Desde a Revolução Islâmica, em 1979, nunca antes o descontentamento com relação ao regime sociopolítico do Irã foi tão forte.
O clima tenso se intensificou no final do ano passado, quando a estudante Jina Mahsa Amini, de 22 anos, morreu dias após ter sido abordada pela Polícia da Moralidade em Teerã, onde estava de férias com a família.
De acordo com as autoridades, Amini foi detida por usar o véu – uma obrigatoriedade no país – de maneira indequada. A família afirma que a jovem foi agredida pelos policiais, o que resultou em sua hospitalização e, consequentemente, no seu óbito.
Em um primeiro momento, a polícia disse que a garota sofreu uma parada cardíaca, fato que foi desmentido pela perícia. “Ela morreu devido à falência múltipla de órgãos causada por hipóxia cerebral”, atestaram os médicos legistas, relacionando a fatalidade a um tumor cerebral que Amini operou ao 8 anos de idade – mas sem dar maiores detalhes.
O caso dos envenenamentos
A morte de Mahsa Amini foi o estopim para que uma onda de protestos contra a Polícia da Moralidade e os códigos de vestimenta impostos pela Lei Islâmica (que rege o Irã) explodisse no país e no mundo.
No início deste mês, em que é celebrado o Dia Internacional das Mulheres, surgiu a denúncia de que mais de mil estudantes precisaram ser socorridas nos últimos dias em cerca de 50 escolas iranianas.
As queixas eram sempre as mesmas: tontura, enjoo e palpitações. Curiosamente – ou não -, as vítimas eram todas meninas que tinham anteriormente se rebelado contra os códigos de vestimenta.
A suspeita é de que grupos extremistas estejam à frente dessas tentativas de silenciamento que, segundo as autoridades, foram feitas com gás tóxico.
O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, disse que o caso é “um crime imperdoável” e que os responsáveis devem ser identificados e condenados à morte.
A ONG Centro de Direitos Humanos do Irã monitora toda a questão para prestar suporte às vítimas e entender de que maneira os episódios de envenenamento estão relacionados ao governo iraniano.
“Esses crimes expõem a mentalidade fanática, sem lei e violenta que está ressurgindo sob este governo irresponsável e tentando forçar o país inteiro, especialmente as mulheres, a retroceder”, disse Hadi Ghaemi, diretor executivo da ONG.
Em contrapartida às investigações, que pretendem dar respaldo às estudantes, Gholamhossein Mohseni Ejei, chefe do Poder Judiciário, tornou a Lei Islâmica ainda mais severa para as mulheres e decretou, na última segunda-feira (06), novas medidas para aquelas que violarem os códigos – mesmo que como forma de protesto ou levianamente.
O que diz o Código de Vestimenta do Irã?
Lenços cobrindo todo o cabelo e calças compridas são itens obrigatórios para as mulheres. Uma mecha de cabelo à mostra em público pode ser o bastante para que a Polícia da Moralidade entre em ação – como aconteceu com Amini.
Curioso, contudo, notar que a estudante foi autuada em Teerã, onde, teoricamente, existe mais tolerância com relação ao uso do hijab.
O código vale para todas as mulheres, inclusive para as turistas – mesmo as ocidentais, embora seja feita vista grossa – que visitam o país. Os braços, as pernas e a cabeça devem ser cobertos. O ato é, acima de tudo, uma forma de respeito a Deus.
Entre 1936 e 1979, ano da Revolução Iraniana, o uso do hijab não era obrigatório. “Antes de 1979, havia discotecas e locais de entretenimento. Éramos livres para nos socializarmos como quiséssemos”, disse Rana Rahimpour, apresentadora iraniano-britânica do Serviço Persa da BBC, em entrevista para a repórter Margarita Rodríguez.
O que foi a Revolução Iraniana?
Resumidamente, foi a tomada de poder pelo aiatolá Rouhollah Khomeini, no dia 1º de fevereiro de 1979, que voltou do exílio e derrotou o xá Reza Pahlevi, ditador que era simpático aos EUA.
O principal intuito de Khomeini era acabar com o que chamava de “islamismo americanizado”, implementando um governo xiita e rompendo com os muçulmanos sunitas.
Foi nessa época de transição que costumes tidos como ocidentalizados foram proibidos, como o uso de algumas peças de roupa, como saia. O véu voltou a ser um item obrigatórios e um rígido código de vestimenta foi implementado, minando a liberdade das mulheres iranianas.
Não à toa, o slogan dos protestos contrários ao governo é “Mulher, vida, liberdade”.