ídeos de denúncia contra a exploração sexual de crianças na Ilha de Marajó tomaram conta do TikTok nos últimos dias. A situação na região não era desconhecida, mas voltou a ser mais discutida após a cantora gospel Aymeê Rocha cantar a música “Evangelho dos Fariseus” em um programa de televisão e a apresentação viralizar nas redes sociais.
Após cantar a canção com referências ao tema de exploração sexual infantil na Ilha do Marajó, Aymeê disse aos jurados da competição de música gospel que onde ela mora o tráfico de órgãos é normalizado e existe “pedofilia em nível hard”. “As criancinhas de 6,7 anos saem numa canoa e se prostituem no barco por R$ 5”, afirmou.
O debate político em torno da Ilha de Marajó
Para além dos vídeos de comoção de muitos artistas e influenciadores, a discussão sobre a Ilha de Marajó nas redes ganhou um cunho político muito forte. Bolsonaristas usaram a repercussão atual para relembrar e defender que, em 2022, a então ministra Damares Alves já havia denunciado a situação. Durante um culto naquela época, ela disse que ouviu relatos de tráfico de crianças que eram submetidas a torturas, como ter os dentes arrancados para exploração sexual.
No entanto, Damares nunca mostrou provas de suas acusações ao Ministério Público Federal (MPF), justificando que as suas denúncias se baseavam apenas em relatos. Diante da falta de informações, o MPF alegou propagação de fake news e exigiu que a então ministra bolsonarista fizesse uma retratação pública e uma indenização de R$ 5 milhões por danos sociais e morais à população do arquipélago.
Exaltando que Damares estava certa no passado, muitos apoiadores compartilharam nos últimos dias o vídeo de um homem adulto beijando uma criança na boca, que supostamente teria acontecido na Ilha de Marajó, no Pará. Mas, na verdade, a gravação tinha sido feita durante um passeio de barco no rio Paraná, em Mato Grosso do Sul, em novembro de 2021. Outro vídeo falso sobre a Ilha de Marajó que circulou pela internet mostrava dezenas de crianças em um carro – esse havia sido gravado em Uzbequistão, não aqui no Brasil ou no Pará.
Na última sexta-feira (23), o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania publicou uma nota alertando sobre a divulgação e compartilhamento de fake news sobre cancelamento de ações e projetos do governo federal na Ilha do Marajó. O esclarecimento aconteceu após muitos bolsonaristas exaltarem que Lula revogou o programa “Abrace o Marajó”, criado em 2019 pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, de Damares – e assim a região estaria sem apoio.
No entanto, o governo atual esclareceu que, em maio de 2023, foi criado o Programa Cidadania Marajó, com recursos para o combate à violência de crianças e adolescentes e promoção de direitos humanos e acesso a políticas públicas.
Como se informar e promover um debate mais justo sobre Marajó
Entidades e ONGs da Ilha do Marajó se posicionaram contra a narrativa, cheia de mentiras e distorções, acerca da região. Em nota publicada nas redes sociais com o título “Não acredita em tudo o que vês na internet”, o Observatório do Marajó destaca que “a população marajoara não normaliza violências contra crianças e adolescentes” e que as redes de tráfico internacional operam em todas as regiões do país – não só em Marajó.
A Cooperação da Juventude Amazônida também usou as redes para alertar sobre a desinformação que está sendo propagada sobre a região. Em post, a entidade diz que o Marajó tem problemas, sim. “Os baixíssimo IDH dos municípios realmente precisa ganhar a atenção do poder público”, escreveu. Mas esclarece: “o Marajó não é o inferno na terra. Ao contrário, para muitos, é um lugar sagrado, de resistência e de vida! O povo marajoara não é miserável e pedófilo. É um povo cheio de cultura e beleza, que convive com a exploração sistemática de muitos “salvadores da Pátria” há centenas de anos”.
Por isso, eles aconselham que para saber mais sobre a Ilha de Marajó, todos ouçam as vozes do território, sigam e fortaleçam as organizações da região e lutem contra um olhar estigmatizado e cheio de preconceito.