Embora o procurador geral do Irã, Hojatolislam Mohammad Jafar Montazari, tenha anunciado no início de dezembro o fim da “Polícia da Moralidade”, responsável por fiscalizar o código de vestimenta no país e punir aqueles que a ele não respeitam – especialmente as mulheres -, a população segue sem dar trégua.
Para muitos ativistas, a declaração de Jafar Montazari foi estrategicamente política, para tentar abaixar a poeira e dar um basta nos protestos que acontecem no país e no mundo desde a morte de Mahsa Amini, de 22 anos, poucos dias após a estudante ter sido detida pela patrulha dos bons costumes, por andar com uma mecha de cabela à mostra na rua.
As manifestações populares continuam, e a maneira como as mulheres estão sendo repreendidas provam que, mais uma vez, não é só uma questão de conter os protestos; é uma questão de gênero.
Segundo reportagem do jornal britânico The Guardian, médicos iranianos estão percebendo um padrão nas vítimas que chegam aos hospitais: enquanto os homens surgem com ferimentos de projéteis nas cosas e nas pernas, as mulheres vêm com ferimentos nos seios e na região íntima.
Um doutor que trabalha em um hospital na província de Isfahan, no centro do Irã, foi entrevistado de modo anônimo por jornalistas e disse que, há poucos dias, atendeu uma mulher de cerca de 20 anos que havia sido baleada na vulva. Dez esferas de birdshot (principal projétil que está sendo usado pelas Forças Iranianas) estavam alojadas na região interna da coxa e outras duas ficaram presas entre a uretra e a abertura do canal vaginal. “Havia um sério risco de infecção vaginal, então pedi para ela ir a um ginecologista de confiança. Ela disse que estava protestando quando um grupo de cerca de dez agentes de segurança circulou e atirou nos seus órgãos genitais e nas coxas”, disse a fonte.
Para o profissional da saúde, as Forças do Irã não querem simplesmente conter a pressão popular; elas querem ferir as mulheres física e psicologicamente, numa clara demonstração de misoginia. Afinal, a ordem é evidente: atirar nas mulheres em partes do corpo simbolicamente femininas – por ora, biologicamente falando. “As forças de segurança querem destruir a beleza das mulheres, então atiraram nas mulheres de uma maneira diferente da que atiram nos homens”, pontuou o médico.
Muitas ativistas estão sendo também baleadas no rosto, um tipo de ataque brutal que os homens não estão sofrendo com tanta frequência. O ordem vem de Sayyid Ali Hosseini Khamenei, Líder Supremo do Irã desde 1989, que segue a seita Xiita do Islamismo (a menor parcela e a mais radical entre os muçulmanos, com maior força no Irã, o que explica movimentos ultraconservadores como a “Polícia da Moralidade”).
O caso mostra que a questão de gênero se faz presente até mesmo nas situações mais absurdas, em que ser homem ou mulher não deveria importar, uma vez que as pessoas estão protestando por algo comum. Ainda mais simbólico é pensar que, durante manifestações que pedem justamente a liberdade das mulheres, protestantes do sexo feminino continuam sendo as principais vítimas de um regime patriarcal, machista, segregador e assassino.