Em 1959, Ruth Handler descobriu um buraco no mercado de brinquedos: enquanto observava sua filha brincando com bonecas de papel, ela percebeu que não existiam bonecas adultas para meninas – a maioria dos brinquedos dessa categoria eram na forma de bebês, uma maneira de estimular o estereótipo de mãe tão atribuído às mulheres.
Foi aí que, também inspirada por uma viagem à Alemanha, ela decidiu criar um novo brinquedo focado em meninas: uma boneca adulta, com seios, que serviria como um gancho para essas jovens mulheres sonharem com um futuro diferente. Essa boneca também ganhou um nome: Barbie.
E, sim, a gente sabe que só se fala nela. Com a estreia do filme dirigido por Greta Gerwig na última sexta-feira (20), as expectativas sobre a história da icônica boneca são gigantescas – afinal, são 75 anos de legado transformados em um filme com um elenco super hypado. Como não ficar animada, né?
Mas vamos falar sobre feminismo?
Existem muitas críticas e polêmicas quando o assunto é a boneca Barbie. Para começar, ela é muito criticada por estimular um padrão irreal de beleza – alô, cintura minúscula, cabelo loiro e pele branca. Ao mesmo tempo, a história da boneca mostra outro lado que faz dela uma voz que pode ser considerada desruptiva quando o assunto é vivência das mulheres em sociedade, considerando certos contextos. Vamos entender melhor?
1. A história de origem
Voltando à Ruth, é importante notar que lá na época em que a Barbie foi criada, o papel da mulher ainda era muito limitado. A revolução sexual da década de 1960/1970 ainda estava longe de acontecer, as mulheres ainda não eram tão presentes no mercado de trabalho e a visão da mulher como dona da casa, responsável pela criação dos filhos, ainda era forte.
Entra aí uma mulher que, desde o começo, era um ponto fora da curva: segundo Susan Shapiro, autora do livro “Barbie: 60 years of inspiration”, Ruth trabalhou quando era adolescente, viveu longe da família, com amigas, e decidiu voltar a trabalhar depois de casada. Ela e o marido, Elliot, fundaram a Mattel quando ela tinha 30 anos, e a boneca Barbie foi lançada quando ela tinha 43.
2. Carreiras de sucesso
A boneca Barbie tem mais de 200 carreiras no currículo. Isso tem um motivo: a ideia da boneca, desde o começo, era oferecer para meninas uma possibilidade diferente daquela oferecida pela sociedade – ou seja, era desconectar da ideia de que mulheres deveriam apenas crescer para se tornarem mães e esposas. Por isso, Barbie já foi astronauta, designer, CEO e até presidente muito antes dessas possibilidades estarem disponíveis para as mulheres.
Hoje a boneca é conhecida por suas várias profissões e por disseminar a ideia de “você pode ser o que quiser”, mas no passado, brinquedos direcionados ao público feminino apenas colocavam meninas apenas como mães e donas de casa – expressando uma ideia super equivocada sobre o que é ser mulher. E não dá para ignorar que a imagem da boneca trouxe padrões de beleza irreais e inalcançáveis que contribuíram bastante para pressão estética.
Esse foi, inclusive, um dos motivos para Gloria, vivida por America Ferrera, querer uma versão que fosse mais parecida consigo mesma. Além disso, é um dos fatores destacados por Sasha, sua filha “anti-Barbie”, interpretada por Ariana Greenblatt.
Em um desabafo, a personagem de Ferrera entrega um monólogo que pondera como o mundo não é nada perfeito e traz um momento de percepções importantes para própria Barbie interpretada por Margot. Isso a leva considerar seu verdadeiro propósito e adiciona ainda mais em sua jornada de conhecimento pessoal, que busca encontrar perspectivas até mesmo em ambientes que não sejam tão coloridos como o mundo em que vive.
3. Estilo de vida moderno
Hoje em dia, o casamento tem outro significado pra gente, né? Mas na época em que a Barbie foi lançada, ele era muito importante. Porém, Ruth decidiu que a boneca seria solteira, sem filhos e teria só um namorado, Ken, lançado alguns anos depois. Quase um escândalo numa época em que o casamento era a norma, né?
4. Representação, inclusão e diversidade
A gente sabe que o mundo inteiro tem muito caminho pela frente quando o assunto é representatividade, inclusão e diversidade, mas, à sua maneira, a Barbie sempre acompanhou os movimentos sociais mais importantes do mundo.
No final da década de 1968, quando o movimento pelos direitos civis estava à toda nos Estados Unidos, a Mattel lançou a primeira boneca negra, Christie, que era amiga da Barbie – o lançamento foi intencional e pensado considerando o contexto do momento. A primeira Barbie negra oficial veio só um bom tempo depois, em 1980, mas, para a época, esse foi um passo importante.
De lá pra cá, Barbie também se tornou uma aliada da comunidade LGBT+, ganhou outras versões com diferentes tipos de corpos, incluindo versões representativas com membros prostéticos, curvas acentuadas, diferentes alturas, tons de peles e ancestralidades variadas.
5. Independência financeira
Nos Estados Unidos, as mulheres só puderam ter um cartão de crédito no seu nome para financiar um carro, por exemplo, em 1974, mas em 1962 a Barbie já tinha um carro, inúmeras casas, e uma vida de muito luxo. De novo, a ideia da boneca era desafiar os padrões da época e fazer com que as meninas sonhassem com um futuro muito diferente do que era pré-determinado para elas.
Inovadora, mas com ressalvas, ok?
Ao que tudo indica, o filme da Barbie vem para questionar a história da boneca e o que significa ser mulher hoje – e muita gente tem questionado como a Mattel aprovou um longa como esse. Seja uma estratégia de marketing para reposicionar a boneca, seja uma mera adaptação os novos tempos, é difícil dizer. Mas é fato que a boneca tem um quê inovador e estimulou meninas a sonharem além do que apenas ficar em casa.
Questionar a sua aparência e os padrões de beleza irreais que ela propaga é essencial e faz parte de uma revolução importante que exige inclusão e mais representatividade em todos os setores da sociedade – inclusive o de brinquedos. Mas, com tudo isso em mente, a hype até que faz sentido, né?