Hoje é o último dia da COP 27, a Conferência da ONU de Mudanças Climáticas, que está sendo realizada em Sharm El-Sheikh, no Egito. Como para a maioria das pessoas, o evento sempre me pareceu algo super distante, burocrático e apenas para “pessoas importantes” até que eu tive a oportunidade ver tudo isso de perto. Com 20 anos (e dois anos de faculdade), participei da conferência como parte da delegação brasileira e tive a oportunidade de escrever para a CAPRICHO.
Antes de ir, procurei sedenta algum jeito de descobrir o que me aguardava no Egito, mas reparei que ainda pouco se discute sobre a experiência de quem não é do governo ou de empresas, ou seja, da sociedade civil que está atuando localmente.
Toda vez que eu alcançar um lugar estratégico na luta por justiça social e que parece impossível de chegar, que eu possa levar mais jovens comigo
No meu caso, foi quase inacreditável e totalmente inesquecível. Só percebi que essa tal de COP era verdade quando peguei em mãos a minha credencial em território africano. Por isso, refleti sobre luxos e os perrengues que mais marcaram a minha experiência para que você possa dar uma espiada no que é de fato a loucura de acompanhar uma COP. Vem comigo:
É também sobre criar conexões
A COP é o melhor lugar para você se atualizar do que vem sendo feito pelo clima e conversar sobre projetos e ambições diretamente com as pessoas que estão atuando. Em especial para nós, que somos novas no movimento climático e ambiental, a quantidade de organizações e ações pode nos deixar meio perdidas, mas as pessoas que conhecemos foram um norte fundamental.
De longe, a melhor coisa da COP foram as pessoas que estavam abertas a conversar e trocar experiências. Foi um privilégio estar perto de tanta gente com caminhadas de décadas no movimento. E, caso você esteja se perguntando, sim, muitas das pessoas que trabalham nessas organizações de alto nível iam nas festas com a gente no final do dia e os laços também se formavam por meio dos passinhos de reggaeton!
Uma das amizades que fiz lá, Val Munduruku, eu conheci primeiro nos rolês de jovens brasileiros antes de saber que ela tinha sido uma das poucas jovens escolhidas para se encontrar com o Secretário Geral da ONU. A delegação brasileira da sociedade civil se tornou uma grande família durante a COP, unida pelos perrengues, pelo afeto, pela luta para avançar a pauta climática e também pela esperança. Vem aí, mundo!
Com conteúdos (e mimos) climáticos
Os estandes da COP são volta ao mundo em alguns quilômetros! Há uma clara corrida pelos pins dos estandes e pelos mimos dos países. Alguns eram mais comuns – como uma ecobag e um caderno do Sultanato de Omã -, outros eram divertidos – como uma gravata e uma flor das Filipinas. No estande da Turquia, eles escreviam seu nome em um lettering turco belíssimo.
Infelizmente não tinham rodas de altinha na COP (oportunidade perdida, na minha opinião), mas tinham bolas de futebol com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Um dos estandes que mais me emocionou foi o da Ucrânia, que mostrava dezenas de amostras do solo do país e as consequências da guerra para as pessoas e os recursos naturais da região.
Uma “Torre de Babel 2.0”
Conferências globais são sempre uma torre de babel, com a diferença de que as pessoas se entendem. Aqui, onde quer que você esteja, é possível ouvir pessoas falando diversas línguas ao redor. Como sou uma pessoa fascinada por linguística, meus ouvidos estavam atentos para tentar adivinhar de onde as pessoas eram. Em uma ocasião, no ônibus da COP esperando chegar no hotel, um amigo egípcio que fizemos, Ahmad, ajudou um grupo de turistas russos a chegar no hotel sem falar uma palavra de russo sequer e sem os russos falarem uma palavra de inglês ou árabe. Deus abençoe o Google Tradutor e a solidariedade intercultural!
Uma barreira de corais
Aqui em Sharm, todas as praias são privatizadas, ou seja, para entrar você precisa estar se hospedando em um hotel ou pagar para consumir em um bar pé na areia. Logo, o que estou prestes a relatar não é algo que faz parte do dia a dia das pessoas que vivem aqui, infelizmente, mas algo que fica relegado a quem pode pagar. Isso é uma pena, pois o Mar Vermelho foi um dos lugares mais lindos que já vi na minha vida. É para se sentir a Moana, pois uma diversidade de peixes coloridos passam por entre as suas pernas ainda com a água na sua cintura.
Isso se deve aos recifes de corais super preservados e que, quando coloquei os óculos de mergulho e pude vê-los de perto, foi tão grandioso que me assustei. Nem as pirâmides ou a Esfinge me deixaram tão impactada. Foi ainda mais interessante pensar na quantidade de lugares no litoral brasileiro que costumavam ter recifes tão lindos quanto, mas que morreram em decorrência do aquecimento global e poluidores, como derramamentos de óleo. Porém, aprendemos em um Workshop com o The New York Times que, infelizmente, aqui em Sharm El-Sheikh o objetivo maior de preservação não é a contenção da crise climática e ambiental, mas sim o quanto de dinheiro é movido pelo turismo relacionado aos corais.
Eventos paralelos e soirées de networking
A COP é muito maior do que o espaço oficial da COP. Paralelamente, acontecem diversos eventos para aproveitar a vinda de lideranças globais e festinhas para networking. Como era nosso primeiro evento, priorizamos explorar o espaço oficial, que é imenso, mas recebemos convites exclusivos para um do The New York Times, o Climate Forward, e não podíamos deixar de ir.
Resolvemos aparecer no último dia para prestigiar a liderança indígena brasileira Sônia Guajajara e também acompanhar painéis sobre transição verde no Oriente Médio e um workshop sobre o recife de corais do mar vermelho (de frente para essa beldade, inclusive). Além disso, poucas foram as noites em que não fomos em alguma confraternização noturna oficial da COP. Os convites chegavam no grupo de WhatsApp da delegação brasileira e de lá a gente planejava em qual queríamos ir, pois tinham dias que chegavam quatro convites de festa. Pois é.
Em Sharm El-Sheikh existe o mistério do sumiço dos pontos de ônibus
Por conta da COP 27, a cidade de Sharm El-Sheik comprou uma frota de ônibus elétricos que funcionaram gratuitamente durante a conferência de uma ponta à outra da baía. Assim como na maior parte do Brasil, os ônibus só param se você fizer sinal. Porém, aqui é muito raro ter pontos de ônibus. Você precisa aprender onde pegar cada um com base em pequenos aglomerados na avenida e no nome da parada no mapa.
O ônibus é excelente — tem ar-condicionado e de noite até luzinha de led azul e música árabe de fundo — o problema é você aprender a pegá-lo. Em uma noite saindo da conferência, eu e mais 7 jovens brasileiros nos perdemos nas linhas e os ônibus não estavam passando. No mapa oficial do transporte existem 7 linhas, mas apenas 6 estão no mapa de verdade. Imaginem o nosso desespero tentando voltar para o hotel com as pessoas nos dizendo que, na verdade, precisávamos pegar um ônibus que, até onde a gente sabia, não existia. No fim, era uma coisa meio plataforma 9 ¾: você não conseguia ver a linha no mapa, mas ela existia.
Mega difícil para quem é vegetariana ou vegana
Uma das grandes temáticas do movimento climático é fazer com que a produção de alimentos seja sustentável e, nessa linha, o quanto a produção de carne como é hoje é um dos grandes contribuintes para o aquecimento global. Por isso, me surpreendeu o quanto é difícil conseguir comida vegetariana em Sharm El-Sheikh e na COP e absolutamente impossível encontrar pratos veganos. O que a delegação brasileira jovem fez foi pegar marmitas que estavam sendo entregues por um movimento pelo veganismo, que marcava presença todas as manhãs na porta da COP com protestos e distribuição de cookies e muffins veganos.
Ué, cadê as lixeiras?
É muito difícil achar lixeiras na COP e, quando as encontramos, elas geralmente não são de coleta seletiva. Na cidade, eu não vi nenhuma lixeira sequer nas ruas. Cheguei à conclusão de que eu teria que virar o Wall-E até o final da conferência, amontoando vários lixinhos comigo para descartar depois.
Mapas são escassos e nada intuitivos
Que saudade da sinalização brasileira. Aparentemente não era só eu que tinha feedbacks para a COP, pois a tremenda falta de placas foi um dos assuntos que eu mais ouvi nos burburinhos por aí. Demora 30 min para achar um banheiro nesse lugar. Imaginem o desespero: aqui é mega calor, a gente precisa se hidratar bem para não passar mal, mas os banheiros ficam longe e você nunca sabe se de fato vai encontrá-los (não importa para quantas pessoas você pergunte). Nesses momentos tudo o que eu queria era um mapa mágico na minha mochila igual ao da Dora Aventureira. Além disso, a maioria dos banheiros ficam em um descampado de areia cheio de restos de construção. Isso faz as visitas ao banheiro durante a noite serem sinistras, sabe o tipo de lugar que você tem certeza que alguém pode vir roubar os seus órgãos? Pois bem.
Falando em banheiro…
Um dos dias da COP nos mostrou que a nossa situação estava literalmente no esgoto. Por algum motivo, um dos containers de esgoto da conferência vazou na principal rua dentro da Conferência e nós tivemos que desviar de xixi alheio. Eram ativistas e membros do governo se acotovelando para passar sob o único pallet de madeira que permitia atravessar a rua para ir embora sem pisar no esgoto.
Ir para uma COP tão jovem foi uma experiência extremamente transformadora. Primeiro que, além do que relatei aqui, tive muito medo de não conseguir acompanhar o teor das discussões ou de não conseguir permear as panelinhas que se conheciam já de outras COPs. Logo, quando esses medos não se concretizaram, eu me senti extremamente confiante para reivindicar que os espaços de tomada de decisão tenham cada vez mais jovens.
Essa é sempre minha meta pessoal: toda vez que eu alcançar um lugar estratégico na luta por justiça social e que parece impossível de chegar, que eu possa levar mais jovens comigo. Seja por meio desse texto, das redes sociais, de conversas, espero que eu tenha desmistificado pelo menos um pouquinho para você esse grande símbolo climático que é a COP.