e depender da mobilização dos estudantes da Universidade de São Paulo (USP), a greve atual tem potencial para ser tão marcante como foi em 2002 e 2014. Isso porque cursos que historicamente não são conhecidos por aderirem a paralisações a acataram. Greve dos estudantes completou uma semana nesta quinta-feira (28).
O movimento começou como uma reivindicação por mais contratação de professores dos alunos de Letras. Depois, foi acatada pela Geografia e, posteriormente, pelos cursos de Ciências Humanas, alguns da área da Saúde e, recentemente, até os de Direito e da Escola Politécnica também aderiram às causas – a Poli não aderia a uma greve estudantil há 20 anos. Ou seja, dá pra entender que estamos falando de um movimento que tem potencial pra ser histórico, né?
Ainda não entendeu o que está acontecendo? Calma que nós, da CAPRICHO, conversamos com dois estudantes que estão no comando de greve da USP que nos explicaram como esse movimento tem se organizado nos últimos dias e o que eles enxergam para o futuro.
Vamos lá:
Quais são as reivindicações dos alunos?
Pedro Antônio Chiquitti, estudante do curso de História da USP e diretor do Diretório Central de Estudantes (DCE), explica que as negociações com a reitoria da instituição focam em três pontos:
- Um plano claro de contratação de professores para os cursos que mais precisam;
- Permanência estudantil: aumento do auxílio de R$ 800 para R00 ao mês, além de maior oferta de bolsas para os estudantes se manterem na universidade
- Melhoria das condições da USP Leste (EACH);
A falta de contratação de professores é apontada como o principal ponto nesta greve dos estudantes. Isso porque a falta de profissionais está presente em diversos cursos. Alguns, dos quais, correm risco de cessar de existir, como é o caso da habilitação em japonês e coreano, do curso de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).
Segundo o “Dossiê do Desmonte do Curso de Letras da FFLCH“, divulgado na semana passada, a habilitação em coreano, por exemplo, conta com apenas um docente atualmente. “Se não forem garantidas contratações de mais 3 docentes com urgência a habilitação irá fechar!”, afirmam os alunos, no documento.
As reivindicações dos alunos contrasta com um relatório divulgado em setembro de 2023 que aponta a USP como a melhor universidade da América Latina, segundo a 13ª edição do QS World University Ranking.
O levantamento destacou a qualidade dos professores do corpo docente da instituição, além do volume e da qualidade da pesquisa acadêmica que é produzida na universidade. A USP é responsável por cerca de 20% de toda a produção acadêmica que é produzida no Brasil.
De acordo com dados do Anuário da USP, a universidade conta com 97.358 alunos matriculados na graduação e na pós-graduação – desse total, 8.309 são de humanas.
No mesmo levantamento, os alunos estimam que 34 contratações foram anunciadas para os próximos anos. Sendo que o ideal seriam 114 , enquanto isso, a reivindicação foca em trazer 80 profissionais.
“A gente tá nessa greve pra vencer”
A reitoria da USP disse, em nota enviada para a CH, que, em 2022, disponibilizou 879 vagas para a contratação de professores em toda a Universidade. “As vagas foram concedidas a partir das demandas apresentadas pelas próprias Unidades. No caso da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), foram concedidas 70 vagas. Importante ressaltar que cabe às Unidades realizarem os concursos públicos para essas contratações”.
Outros cursos, como o de Medicina Veterinária, o número de professores foi de 104 para 81 entre 2014 e 2013. Na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, a redução foi de 117 para 92 e no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICM), a queda foi de 142 para 112, no mesmo período, de acordo com dados da Adusp. Ou seja, a falta de professores é percebida em diversos cursos de graduação e não apenas nos de humanas. Estima-se que, em uma década, a USP tenha perdido 800 professores.
A gente tá nessa greve para vencer. Há disposição para seguir e construir algo tão grande como foi em 2002 e 2014
Pedro Chiquitti, estudante e diretor do diretório da USP
“Agora, é preciso deixar claro que a gente não está nessa greve porque a gente gosta. Eu gostaria de estar dentro da sala de aula, mas sem professor não tem permanência”, explicou Chiquitti à CH.
Como a mobilização começou?
A FFLCH foi a primeira a declarar greve, seguida pela Faculdade de Educação, Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), o Instituto de Matemática e Estatística (IME) e o Instituto de Psicologia (IP). A Poli e a Faculdade de Direito também apoiaram a paralisação nos últimos dias. Além disso, os alunos puxaram um ato público nesta terça-feira (26) que se direcionou até o Largo da Batata, em São Paulo.
Desde o segundo semestre do ano passado os estudantes da USP sofrem com dificuldades quando o assunto é permanência estudantil. Em setembro do ano passado, por exemplo, o CRUSP – Moradia estudantil dos alunos – estava com falta de água.
De lá pra cá, os alunos da FFLCH têm se organizado, com assembleias e rodas de conversa, mas a falta de professores e, principalmente, a truculência da reitoria foram a gota d’água para o movimento. É o que Karen Rezende, estudante, membra do comando de greve e do Centro Acadêmico de geografia (CEGE), da USP, conta.
Ela conta que um email foi enviado em 18 de setembro pela diretoria da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, que informou que o prédio da FFLCH seria fechado e estaria sob controle da guarda universitária, diante da “iminente oportunidade de danos ao patrimônio público”.
A postura, segundo a estudante, aconteceu para tentar barrar o piquete ao redor dos prédios. A atitude, porém, só acelerou a mobilização e a greve: “Foi um episódio que gerou muita revolta entre nós”, afirmou à CH. Para o jornal Folha de S.Paulo, o reitor da FFLCH chamou as táticas utilizadas pelos alunos de ‘bolsonaristas’.
Nesta quinta e sexta-feira, 28 e 29 de setembro, acontecem as assembleias da USP, quando os alunos vão determinar a manutenção ou não da greve. Nesta semana também acontecerá uma segunda rodada de negociação com a reitoria da USP.
A expectativa dos alunos é de que professores e funcionários se unam ao movimento. Os professores da FFLCH, por exemplo, decidiram paralisar as atividades até 4 de outubro.