Novo livro de autor de ‘Torto Arado’ expõe outras feridas do nosso Brasil
'Salvar o Fogo' é novo romance de Itamar Vieira Junior, dono do sucesso 'Torto Arado', publicado em 2019
Você pode até não conhecer Itamar Vieira Junior, mas é justamente por isso que a gente quer falar sobre ele, leitora e leitor da CAPRICHO. Ele é um autor brasileiro que ganhou notoriedade em 2019 depois de publicar um livro chamado “Torto Arado“. De tanto sucesso, ele ganhou um Jabuti – prêmio super importante da literatura nacional – e que vai virar série na HBOMax.
Em 2023, quase quatro anos depois, ele tem novos planos e a gente quer contar tudo para você: nossa reportagem foi convidada para a coletiva de imprensa de lançamento de “Salvar o Fogo“, seu novo livro pela Editora Todavia.
E podemos garantir: assim como em seu livro de estreia, ele segue expondo feridas do Brasil colonial a partir de personagens que foram historicamente silenciados – e seu desejo é que essa temática prevaleça em seus próximos lançamentos.
‘Salvar o Fogo’ é o novo romance que chega nesta semana às livrarias de todo o país. Além dos detalhes da publicação, Junior compartilhou sobre os principais interesses que o movem na literatura, técnicas que utiliza para escrever e até como lida com críticas ao seu trabalho.
Ao todo, o autor prevê a publicação de três livros que aprofunde temas já explorados em “Torto Arado” (Editora Todavia, 2019) como: o direito à terra, a religiosidade, e o colonialismo a partir principalmente da história de mulheres. ‘Salvar o Fogo’ é o segundo desta trilogia.
Com Torto Arado, Junior venceu os prêmios LeYa (2018), Jabuti (2020) e Oceanos (2020).
A história contada em ‘Salvar o Fogo’ começa a partir do olhar de Moisés, um menino que vive com o pai Mundinho, e sua irmã, Luzia. Eles vivem em um povoado rural chamado de Tapera do Paraguaçu, localizado às margens do rio Paraguaçu, no interior da Bahia. Esta comunidade – de agricultores, pescadores e ceramistas de origens afro-indígenas – sofre com a pressão da igreja católica a partir de um mosteiro construído no século XVII na região.
É neste contexto que conhecemos melhor Luzia e Moisés – a partir de uma história que é permeada por sofrimentos, silêncios, culpa e medo. É também impossível ler o romance de Junior sem se indagar sobre o Brasil real e como historicamente deixamos de tocar em algumas feridas da nossa sociedade – como o colonialismo, doutrinas religiosas, a escravidão, o racismo e até a LGBTfobia.
“Esse olhar literário visto em meus livros que vocês conhecem são voltados para uma parte expressiva e predominante da nossa sociedade de pessoas que foram historicamente silenciadas. E cada um acaba criando uma estratégia para romper esse muro de silêncio e fazer reverberar sua voz”, afirmou o autor de Torto Arado.
Junior explica que assim como acontece no Brasil real, seus personagens aprenderam a viver em um ambiente hostil, em um ambiente em que as coisas não podem ser ditas.
”Essas pessoas vão revelando suas histórias, mesmo sem dizer, mesmo incapazes de demonstrar afetos, ou, além de afetos, demonstrar e verbalizar pensamentos. E nós, pelo contexto e pela história, entende tudo isso. Eu acredito que no fim esse muro de silêncio sempre é rompido, não necessariamente pela voz, mas pelas circunstancias, pela ação das pessoas no mundo, com atos ou até gestos”, reflete.
Os paralelos entre ‘Salvar o Fogo’ e ‘Torto Arado’
Além de escritor, Itamar Vieira Junior é geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela UFBA. Em 2006, o autor se mudou da Bahia – que diz ter uma relação bastante próxima – para o Maranhão para trabalhar como servidor público no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Foi então que o escritor baiano se deparou com realidades que viriam a inspirá-lo a escrever. Isso porque Junior passava semanas no interior do Maranhão, em assentamentos quilombolas a serviço do Incra. Um experiência que, segundo o autor ”foi rica e assustadora”, como disse em entrevista à revista Piauí neste ano.
Os paralelos entre os romances de Junior são evidentes. A ideia de escrever ‘Salvar o Fogo’, veio, inclusive, durante o processo de publicação de ‘Torto Arado’ – o que explica a proximidade dos universos dos livros. Enquanto via o sucesso estrondoso de seu primeiro romance, Junior conta que escreveu um ‘longo email’ para o editor da Todavia Leandro Sarmatz contando que, na verdade, a primeira publicação fazia parte de um projeto maior – chamada por ele de ‘trilogia da terra’.
Em ‘Torto Arado’, a questão do silenciamento já havia sido trabalhada a partir das irmãs-protagonistas Bibiana e Belonísia. Logo no início, por exemplo, acompanhamos um evento traumático que faz Belonísia literalmente perder a língua e, ao longo do livro, acompanhamos os pensamentos e ações desta mulher.
”A personagem Belonísia perde a língua e ela é a personagem que não tem voz para o mundo, mas a maravilha da literatura é que nós acessamos o pensamento dessa mulher. E ali não há silenciamento. Ela é uma fera, uma força da natureza. O grande barato da literatura é esse: a possibilidade de mergulhar no universo interior dos personagens”, disse Junior.
Para o lançamento de ‘Salvar o Fogo’, Itamar está preparando uma série de eventos gratuitos. Vale checar a agenda disponível no perfil do autor e da editora:
O processo de escrita de Itamar
Durante a coletiva de imprensa que aconteceu nesta quinta-feira (27), o autor baiano contou que existem coisas mais importantes para a sua escrita do que a mera organização tal qual a conhecemos. Para ele, a disciplina e trabalhar em um ambiente familiar importam mais.
”Eu escrevo todos os dias”, afirmou, e, logo na sequência mostrou a sua mesa de trabalho com diversos livros e papéis. ”Isso aqui é onde eu escrevo. Esse é o lugar que eu escrevo e não é muito organizado, mas gosto desse caos, ele me ajuda a pensar”.
Junior também refletiu sobre as críticas ao seu trabalho: ”Eu indico às pessoas não lerem críticas, seja ela positiva ou negativa”, disse. Segundo ele, enquanto as críticas positivas podem acabar inflando o ego, as negativas podem nos jogar pra baixo.
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