No Brasil, são três os casos em que o aborto é feito dentro da legalidade:
- gravidez de risco à vida da gestante;
- gravidez resultante de violência sexual;
- anencefalia.
Nas situações acima, o aborto não precisa de uma decisão judicial para ocorrer. Contudo, na prática, a gente vê que questões burocráticas, socioculturais e religiosas atrapalham bastante esse direito da mulher.
Neste ano, por exemplo, uma garota de 11 anos foi coagida pela Justiça a seguir com uma gestação fruto de um estupro. A menina chegou a ser mantida longe da família, em um abrigo, até que finalmente teve o aborto legal concedido.
Agora, a Justiça novamente surpreende – e negativamente. A comarca de Cabreúva, do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou que uma mulher interrompesse a gestação de um feto sem chances de vida. A justificativa foi a de que o sofrimento psicológico da mãe não pode se sobrepor ao direito à vida do feto.
O caso foi revelado pela coluna da Mônica Bergamo na Folha de S. Paulo, que teve acesso ao processo que corre em segredo de Justiça. Exames e laudos periciais atestam que o feto não tem rins, está com os pulmões comprometidos e não possui líquido amniótico.
“Não resta dúvida a esse perito que o caso em tela se trata de grave caso de má-formação fetal, a agenesia renal bilateral, que é incompatível com a vida extrauterina”, disse o médico a frente da perícia, que solicitou que a gravidez fosse interrompida para saúde mental e física da mãe. O pedido, contudo, foi rejeitado.
A magistrada que julgou o caso ainda disse que não encontrou provas de que o feto não vá sofrer ou sentir o aborto, mesmo que a mãe esteja sentindo e sofrendo pela gravidez, que não deixa de ser de risco.
Nas redes sociais, o caso repercutiu:
Em Cabreúva SP uma mulher teve o direito ao aborto negado, de um feto sem rins, pulmões comprometidos e sem líquido amniótico. O argumento é que “o psicológico da mãe não pode se sobrepor ao feto”. A justiça tortura as mulheres. Pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito!
— Maíra Machado (@MairaMRT) December 9, 2022
Mas a justiça determinou que o direito a saúde dessa mulher não pode se sobrepor aos interesses do “nascituro”. Vcs entendem o que estamos passando? Diga não ao estatuto do nascituro!
— Carlinha Zanella (@ZanellaCarlinha) December 9, 2022
Justiça de SP barra aborto de feto sem chance de vida, e mulher é obrigada a seguir com gestação. Magistrada responsável pelo caso afirma que o sofrimento psicológico da mãe “não pode se sobrepor ao direito à vida do feto” Atualizando o conceito de maldade.
— Blas Fêmea #PL490Não (@purushavishnu) December 9, 2022
Gestar não pode ser obrigação. Abortar não pode ser prisão. O medo não pode mais ser a regra nas nossas vidas. Queremos legalização do aborto e justiça social! #EstatutodoNascituroNao #gravidezforcadaetortura pic.twitter.com/BM9L2W4hFt
— SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia (@lutafeminista) December 7, 2022
A notícia veio à tona na mesma semana em que o Estatuto do Nascituro foi votado pela primeira vez na Câmara dos Deputados – e barrado neste primeiro momento.
Conseguimos barrar, mais uma vez, a votação do Estatuto do Nascituro na Comissão da Mulher. Apesar dos ataques dos conservadores, a bancada feminista não se intimidou e resistiu até o fim.
Semana que vem, precisaremos de toda força para enterrar, de vez, esse projeto!
— Talíria Petrone (@taliriapetrone) December 7, 2022
Idealizado por membros da bancada conservadora, ele diz que “o feto, antes mesmo de nascer, tem direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento e à integridade física”. A proposta, contudo, vai contra a constituição federal, que garante o estupro legal nos três casos citados acima.
Absurdo! Mulheres feministas estão sendo impedidas de entrarem na Comissão da Mulher, na Câmara dos Deputados. Querem aprovar a retirada de direitos das mulheres, com o Estatuto do Nascituro, sem a participação delas na votação. #EstatutodoNascituroNao #gravidezforcadaetortura pic.twitter.com/TZh7ch4bUZ
— Fábio Felix (@fabiofelixdf) December 7, 2022
Se mesmo com uma lei que defende o direito reprodutivo das mulheres, muitas já sofrem na mão da Justiça – como é o caso do processo que corre em Cabreúva -, imagina se um estatuto antiprogressista, que vai justamente na contra-mão do aborto legal, for aprovado?!
Crescer mulher em uma sociedade patriarcal é não ter mesmo um dia de paz.