sala do Congresso francês foi palco de uma decisão histórica e muito importante para meninas e mulheres. Nesta segunda-feira (4), parlamentares decidiram, com 780 votos favoráveis, que o direito ao aborto legal deve ser explicitamente protegido na Constituição. O texto afirma que meninas e mulheres devem ter a “liberdade garantida” de realizar um aborto.
Esta decisão é super importante no que diz respeito à garantia de direitos porque vai na contramão do que está acontecendo em outros países: há quase dois anos, a Suprema Corte dos EUA suspendeu o reconhecimento do aborto como um direito federal — fazendo um alarme soar no resto do mundo.
“Orgulho francês, mensagem universal”, comemorou o presidente francês, Emmanuel Macron, no X (antigo Twitter). Ele ainda afirmou que “celebremos juntos a entrada de uma nova liberdade garantida na Constituição pela primeira cerimônia de selamento da nossa história aberta ao público. Nos vemos neste 8 de março [sexta-feira], Dia Internacional da Mulher.”
Fierté française, message universel.
Célébrons ensemble l’entrée d’une nouvelle liberté garantie dans la Constitution par la première cérémonie de scellement de notre histoire ouverte au public.
Rendez-vous ce 8 mars, journée internationale des droits des femmes. pic.twitter.com/dcwniEPei4
— Emmanuel Macron (@EmmanuelMacron) March 4, 2024
Você aí do outro lado deve estar se perguntando: mas por que foi necessário colocar este direito na Constituição, se na França já havia uma lei com esta garantia? Bem, em resumo, a carta magna tem mais força do que uma lei – na maioria dos casos e em todos os assuntos, as leis são criadas para garantir direitos já expressos na Constituição. Agora, ela ganha um belo reforço.
A partir deste momento, o artigo 34 receberá o seguinte trecho:
A lei determinará as condições sob as quais a mulher é livre para interromper voluntariamente a gravidez.
Mas nem todo mundo gostou, viu? A mudança foi comemorada por parlamentares de esquerda e de centro mas, segundo a agência de notícias internacionais Reuters, os mais conservadores se sentiram pressionados a votar a favor.
Em seu discurso, a presidente da Assembleia Nacional, Yaël Braun-Pivet, destacou ter atravessado um espaço no Congresso comporto “exclusivamente por bustos masculinos” e afirmou que a França está “na vanguarda” e ainda “há muito a fazer na questão de igualdade e violência contra as mulheres”.
“Tenho orgulho de poder homenagear aqui todos aqueles que escreveram, que agiram e também aqueles que ainda lutam todos os dias, aqui perto ou longe de nós, para que subamos metro a metro o íngreme muro que leva à igualdade entre mulheres e homens”, finalizou.
O aborto foi legalizado e descriminalizado- ou seja, se tornou lei e permitiu a criação de políticas públicas de saúde reprodutiva – na França em 1975, em uma lei defendida pela pensadora francesa Simone Veil, um ícone dos direitos das mulheres.
Como é essa realidade no Brasil, CAPRICHO?
Segundo dados da PNA (Pesquisa Nacional Sobre Aborto), realizada em 2021, uma a cada duas mulheres fez um aborto antes dos 19 anos. Dessas, 6% antes dos 14 anos. A violência é cometida na maioria das vezes, segundo o estudo, em um espaço que deveria ser de cuidados e proteções: os violentadores são tios, avós, pais e padrastos e acontece dentro de casa.
Talvez você não saiba mas, aqui no Brasil, a interrupção voluntária de gravidez é proibida em todas as situações, a não ser em casos em que não há outro meio de salvar a vida da pessoa grávida, quando a gestação é resultado de estupro ou quando o feto tem anencefalia (ausência total ou parcial do cérebro) — este último caso foi garantido por uma decisão do próprio STF em 2012. Pessoas que abortam estão sujeitas à pena de um a três anos de detenção.
O pedido do partido junto ao STF deseja que esta punição seja excluída do nosso Código Penal. Apresentada em 2017, a ação afirma que tratar a questão como crime é violar princípios fundamentais presentes na Constituição desde a dignidade da pessoa humana até a garantia de liberdade, igualdade ou até a proibição à tortura.
O Código Penal atual diz que:
Pelas regras do tribunal, o primeiro voto é da ministra Rosa Weber, que é relatora da ação e já foi contabilizado. Ah, ele não é invalidado com a aposentadoria dela, ok?
E, sim, o tribunal é cheio de regrinhas e procedimentos. Com o retorno do julgamento ao plenário físico, os procedimentos-padrão da corte são retomados, como as sustentações orais das partes – contra e a favor do tema apresentado – e as devidas manifestações da Procuradoria-Geral da República (PGR) e Advocacia-Geral da União (AGU).
Neste caso, além de tudo, existem outros 10 ministros para apresentar o voto e é de conhecimento público que o aborto legal não é o assunto fácil de se tratar por lá ou no próprio Congresso Nacional, já que em ambos existem grupos que representam interesses contrários e com foco em argumentos religiosos.
Ah, e já é de conhecimento público que a AGU – órgão que representa o governo na corte – defende que o tema não deveria ser tratado no Supremo, mas sim no Congresso, sob pena de “grave dano ao Estado brasileiro e aos seus cidadãos, que têm debatido amplamente a questão por meio de seus representantes no Parlamento”.
Em nota pública, as advogadas que apresentaram a ação em 2017, afirmam que a garantia do “aborto legal e seguro é uma necessidade de saúde e por isso deve ser cuidado com políticas de saúde e não controlado por políticas criminais” e que “O aborto não pode ser tema para punir ou castigar, mas sim para cuidar, proteger e reduzir danos.”
Dados do Fórum de Segurança Pública (FBSP) – que produz relatórios com base em dados públicos – mostram que ao menos uma mulher é estuprada a cada 10 minutos por aqui; e cerca de 19 mil meninas de 10 a 14 anos se tornam mães todos os anos, muitas após serem vítimas de violência sexual.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) também já reconhece e recomenda que mulheres e meninas devem ter direito ao aborto seguro e planejamento reprodutivo como parte dos cuidados em saúde.