Estamos em meio a um ‘governo de transição’. Por que isso importa?
Na virada de um governo para o outro, uma equipe de especialistas entra em campo para preparar o terreno para a equipe que sai do Executivo.
Quem mais tá respirando aliviado agora que as eleições acabaram? Pois é, a loucura eleitoral passou (mas não por completo, vide as ondas de manifestações que têm acontecido país afora), temos um novo presidente eleito e um governo de transição. Opa, peraí. Governo de transição? Como assim, CAPRICHO?
Calma, jovem eleitor, estamos aqui para tirar as suas dúvidas sobre esse que é um processo importantíssimo na mudança de um governo para o outro. Bora entender mais – e melhor – sobre o governo de transição?
Afinal, o que é um governo de transição?
Na verdade, podemos dizer que é um “governo” de transição. Usamos as aspas porque, na verdade, esse é o nome dado para uma equipe que é nomeada para auxiliar na troca do chefe de Estado (ou seja, da presidência), do governador do Estado ou de uma prefeitura. Isso significa que em todas as esferas executivas do país existe um momento em que o bastão da administração de um é passada da antiga, para a nova. E isso demanda tempo e organização de futuro e orçamento.
“A função do governo de transição é tomar pé da situação em que o governo que sai vai entregar as coisas para o que entra”, explica Bruno Comparato, cientista político e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “É importante porque não pode haver vácuo no poder: assim que uma equipe sai, a outra já precisa estar a postos para assumir o comando.”
Pensa no que acontece quando você muda de série na escola: quando você sai da quarta série e vai para a quinta, ou quando sai da nona série pro primeiro ano do colegial, muda quase tudo, né? Professores, grade curricular e, às vezes, até os horários das suas aulas e do intervalo. Só que entre um ano e outro você tem um espaço de tempo “vazio”: são os meses de férias. Nesse período, não tem aula, não tem professor, não tem horário, não tem nada.
No governo de transição essas férias não existem. É como se você estivesse ainda no nono ano e começasse a experienciar como vai ser o seu primeiro ano do colegial, já conhecendo os professores, a grade curricular, se adaptando aos horários… até que, de um dia para o outro, essa mudança acontece de uma vez só.
É como se a nova equipe assumisse o volante com o carro em andamento. Por isso a importância da preparação
Bruno Comparato, da UNIFESP
Entre um governo e outro não tem férias ou um período em que o país fica sem gestão e sem uma equipe que sabe o que está acontecendo e a postos para colocar em prática o plano do atual ou do próximo presidente.
“Se tomarmos a imagem de um carro, é como se o governo fosse um carro andando, não é possível parar o carro e esperar a nova equipe se instalar para dar a partida novamente”, complementa Bruno. “É como se a nova equipe assumisse o volante com o carro em andamento. Por isso a importância da preparação.”
Como funciona o governo de transição?
O governo de transição começa a funcionar assim que é nomeado pela candidatura vencedora – nesse caso, pelo agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vai começar o seu terceiro mandato como presidente do Brasil em 2023. Essa nomeação costuma acontecer apenas alguns dias após o resultado da eleição e em comum acordo com o governo que está acabando.
Por exemplo: passaram-se pouco mais de duas semanas desde o segundo turno, mas o governo Lula (nesse caso, liderado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin) já anunciou quase 50 nomes para o seu governo de transição. Dentre eles, temos 24 mulheres e 31 homens, e alguns nomes muito importantes e interessantes para ajudar nesse processo de construção de um novo governo.
No total, esses políticos, economistas, ativistas e estudiosos brasileiros foram divididos em 31 grupos (de Economia a Direitos Humanos, passando por Meio Ambiente, Povos Originários, Educação e Cultura) para compreender a situação do país em cada uma dessas áreas e preparar ações direcionadas do novo governo.
Nisso, tivemos também muitas vitórias. Nomes como Simone Tebet, Guilherme Boulos, Preta Ferreira (ativista dos movimentos negro e de moradia) e Anielle Franco (diretora-executiva do Instituto Marielle Franco) entraram para o governo de transição, já demonstrando um pouco do caminho que o presidente Lula pretende tomar nos próximos anos.
O governo de transição… governa?
“O governo de transição não tem poder para aplicar mudanças no país, mas pode fazer acordos com o governo que sai ou com o Congresso Nacional após convencê-los de que algumas medidas são necessárias para que as coisas não sejam travadas a partir do momento em que a nova equipe assumir o governo”, esclarece Bruno.
Por exemplo, o orçamento governamental precisa ser aprovado no ano anterior ao do seu exercício. Quando há transição entre governo, e essa transição acontece na passagem do ano, como é o caso no Brasil, o orçamento para o primeiro ano do novo governo é aprovado pelo governo que está saindo.
Se não houver acordo, o governo que sai pode aprovar um orçamento que seja de difícil implementação ou que não tenha previsão de gastos essenciais para o funcionamento do novo governo.
“Trata-se de uma espécie de sabotagem”, explica. “Na prática, os deputados e senadores buscam se aproximar do novo governo, pois sabem que vão precisar trabalhar com o governo que acaba de ser eleito e é melhor para todos evitar desgastes desnecessários.”
Outro ponto importante: esse governo não é permanente. Na verdade, o governo de transição cria a base para a posse e termina o seu “mandato” assim que ocorre a posse do novo presidente e a nomeação da equipe ministerial que vai governar com ele. É, realmente, uma equipe temporária que prepara o terreno para o próximo mandato presidencial.
“O governo de transição é importante porque, além dos motivos já citados, ele sinaliza como será o novo governo, na prática”, continua Bruno. “As pessoas nomeadas para a equipe de transição podem incluir alguns nomes que depois serão confirmados para o novo ministério, mas essa não é necessariamente a regra.”
No governo de transição há mais espaço para especialistas com muito conhecimento técnico nos mais variados assuntos. Já para ser Ministro, não basta conhecimento técnico, é preciso transitar bem na política – o ministro precisa também convencer e saber liderar a equipe do Ministério, além de ter boa capacidade de negociação com os outros Ministérios e os outros poderes. “A política é a arte da negociação”, afirma o professor.
Vamos para um exemplo prático? Alguns nomes escolhidos para a equipe de transição em matéria de saúde são o senador Humberto Costa (PT-PE); o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que foi secretário municipal de saúde no governo de Fernando Haddad na prefeitura de São Paulo e Ministro da Saúde no governo da ex-presidente Dilma; José Gomes Temporão, que foi Ministro da Saúde no segundo governo do Lula, quando enfrentou a epidemia da gripe H1N1; e Arthur Chioro, que foi ministro da saúde de Dilma, quando foi consolidado o programa Mais Médicos.
“Além de todos serem médicos e terem muito conhecimento técnico em matéria de saúde pública – alguns até são professores em universidades -, todos estiveram em posições de destaque no comando da área da saúde, inclusive no cargo de Ministros da Saúde”, diz Bruno.
“Além de serem ligados ao PT, o partido do presidente eleito, o que mostra uma sinalização importante do Lula de que a atuação do governo a partir de 1 de janeiro de 2023 vai ser bem diferente da atenção dada ao Ministério da Saúde durante o governo Bolsonaro. A saúde vai ser tratada com prioridade, com pessoas experientes, além de próximas ao presidente. É um recado importante.”