O tão esperado filme da Barbie estreou e pensei em fazer uma analogia com ele para explicar o que senti vivenciando a Woman Deliver Conference 2023 como uma jovem líder (mas juro que não vou dar spoilers).
Em meu primeiro texto aqui para a CAPRICHO + Girl UP, contei para vocês que fui com o pé no chão para o evento em Kigali, Ruanda, na África. E vale explicar de novo para você, leitor e leitora: a Woman Deliver é uma super conferência mundial do terceiro setor e órgãos públicos para falar sobre igualdade de gênero. Ou seja, é bem, bem importante para o nosso futuro.
Mas, vamos lá, voltando ao filme da Barbie: nele, a Barbilândia é esse lugar perfeito, onde as bonecas são tudo o que podem ser no mercado de trabalho e todos os dias vivenciam “o melhor dia de todos”. Elas são felizes e grande parte disso se deve à ideia de que elas foram as grandes responsáveis por resolver todos os problemas para as mulheres no “mundo real”.
Só que em um dado momento, a “Barbie Estereotipada”, interpretada por Margot Robbie, começa a sentir que tem algo de errado com ela já que pensar em morte não é algo comum por lá. E é com essa crise existencial que tudo começa.
Uma conferência de gênero e… o filme da Barbie?
Ok, mas você já deve ter assistido ao filme e está me achando repetitiva ou deve estar pensando: mas como o filme da Barbie se relaciona com a conferência que ela foi ver de perto? E eu respondo: muita coisa!
Eu explico: de modo geral, essas conferências querem reproduzir um ambiente que não temos no mundo real, pois é. Unir pessoas engajadas na equidade de gênero e direitos reprodutivos e sexuais ao redor do mundo, que tem o mesmo compromisso com esses temas e fortalecer as lutas feministas de forma objetiva em todo o mundo.
Só que é aí que está o nó: essa é uma bolha utópica. Ela proporciona muita troca de ideias e, claro, encontros e conversas que fortalecem o coletivo; mas existem falhas nessa “Conferência-Barbielândia”.
Estando lá, percebi que nenhum lugar é perfeito e precisamos ser céticas ao ouvir e receber todos os discursos. Algo que me incomodou e eu vejo como uma falha, foi o fato de que a conferência foi iniciada pela presidente da Hungria, Katalin Novák. Ela ocupa um espaço de poder, mas está longe de ser uma aliada para os temas tão caros à conferência. A Hungria é um país ainda muito atrasado tanto que já foi processado pela própria União Europeia por discriminação a pessoas LGBT+.
Queremos algo que se conecte com a nossa imaginação e cultive a utopia por um mundo melhor, que não é cor de rosa.
Logo após evento, Novák foi à Tanzânia para firmar ainda mais suas relações comerciais, que já são super bem estruturadas; por lá, o comércio com outros agentes internacionais aumentou oportunidades para mulheres ao movimentar a economia, mas a desigualdade de gênero continua. Por lá, cerca de 90% das mulheres são trabalhadoras autônomas do campo ou possuem negócios de agricultura familiar, duas formas de emprego vulneráveis – algo já reforçado pela própria ONU.
Ah, e importante pontuar: o continente africano é o que mais sustenta, em números, movimentos anti-direitos reprodutivos e sexuais e também de extrema direita; mas que também é o único que mantém as taxas de natalidade altas em relação aos outros continentes.
O que eu quero dizer, galera, é que precisamos ficar atentos e atentas até mesmo em lugares em que o foco é a garantia dos nossos direitos e que se entendem como progressistas; com essa experiência, aprendi que é preciso ler nas entrelinhas e acho que é isso que nós, jovens, precisamos amadurecer – por mais que digam para nós que a esperteza só vem com a idade.
A idade e experiência trazem essa “malícia”, mesmo. Mas foram os jovens líderes da minha turma que questionaram a organização sobre a escolha de Katalin Novák para abrir a conferência: por que tanta visibilidade à ela, que é conservadora e não defende boa parte das pautas que estavam em debate?
Uma falsa representatividade foi o que fez com que as pessoas deixassem de comprar Barbies e, de certa forma, forçou a Mattel a repensar o papel das bonecas para suas consumidoras. Foi uma lógica de mercado, sim, mas também porque ficamos mais criteriosos sobre como almejamos ser vistas – e em quais lugares queremos nos ver. Queremos algo que se conecte com a nossa imaginação e cultive a utopia por um mundo melhor, que não é cor de rosa. A juventude está atenta às armadilhas e cobrando em todos os lugares, inclusive na Barbilândia dos direitos humanos, que não é tão perfeita assim.