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“Uma mulher trans pode ser o que ela quiser, inclusive designer de moda”

As estilistas Guma Joana e Silla Filgueira rompem barreiras e trazem representatividade travesti às passarelas da Casa de Criadores

Por Sofia Duarte 8 mar 2023, 10h10

“A moda é um espaço alimentado por pessoas cisgênero e majoritariamente brancas, principalmente homens”, afirma Guma Joana. “Aprendi que tinha que ser forte, arrombar portões e lutar contra o preconceito”, diz Silla Maria Filgueira. Ambas são estilistas travestis que estrearam nas passarelas da Casa de Criadores em 2022 e, em entrevista à CAPRICHO, reiteram vontade de continuar trabalhando para ocupar lugares de visibilidade e desejo de inspirar outras pessoas que são marginalizadas pela sociedade a fazerem o mesmo.

O início na moda

A marca homônima de Guma Joana nasceu em 2020, e ela conta que sua trajetória na moda aconteceu de forma gradual, uma vez que trabalhou por bastante tempo com dança e performance enquanto se dedicava ao desenvolvimento de figurinos. “A marca se inicia com a intenção de unir o meu trabalho com o de outras pessoas trans, utilizando roupas não apenas como vestimenta, mas também como ato performático que enfatiza a identidade da pessoa que usa.”

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A baiana Silla Maria Filgueira relata que sua história com a moda começou na infância. “Minha família, por ser muito humilde, não tinha condições de comprar brinquedos para mim e para meus irmãos. Então, eu desenhava as minha próprias bonecas de papel e fazia bonequinhas de palitos de fósforo, e as roupinhas eu fazia de canudo de refrigerante. Depois, na adolescência, comecei a desenhar vestidos para minha tia, concluir os estudos e fui trabalhar como faxineira para ajudar no sustento de casa.” 

Hoje, o conceito da Sillas Filgueira, marca de Silla, é “fazer moda com essência, vestir mulheres fortes, independentes e que valorizam um bom corte e trabalhos manuais. A minha roupa tem que vestir o corpo dessa cliente, como um abraço.”

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A chegada à Casa de Criadores

Todos os espaços que consegui acessar foram muito especiais pra mim, especialmente a Casa de Criadores, que é um grande evento de moda”, declara Guma Joana. “Sinto que esses ‘hackeamentos’ dos espaços é importante para as pessoas estarem mais próximas do trabalho de pessoas que são marginalizadas pela sociedade.”

“Estar nessa posição me coloca em direta oposição ao que é normativo e contra a maré”

“Tive e continuo tendo dificuldades [por ser travesti]. Sabemos que a moda é um espaço alimentado por pessoas cisgênero e majoritariamente brancas, principalmente homens. Estar nessa posição me coloca em direta oposição ao que é normativo e contra a maré”, completa a artista.

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Silla Filgueira celebra sua estreia no evento como uma realização de um sonho e um resultado de anos de trabalho. “Para mim, significa que uma mulher trans pode ser o que ela quiser, inclusive designer de moda. É muito importante levar a minha história para o mundo. Quero inspirar outras pessoas.”

“As dificuldades sempre existem e vão continuar existindo. Aprendi que tinha que ser forte e arrombar portões e lutar contra o preconceito. O ‘não’ eu já tinha, então eu corri atrás do ‘sim’ em todas as oportunidades que surgiram no meu caminho”, adiciona.

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Um olhar para o futuro

Embora o avanço em relação à representatividade na moda seja nítido, ainda existe um longo caminho a ser percorrido para um mercado e um futuro mais diverso e inclusivo. “Sinto que, aos poucos, a indústria tem pensado mais sobre nossas existências, mas ainda está longe de ser o suficiente. Ainda me sinto sozinha em diversos espaços, com somente pessoas cisgênero à minha volta. Mas a evolução tem acontecido sim, mesmo que em um ritmo lento, lembrando que muito mais por mérito nosso do que de pessoas cisgênero que não necessariamente pensam na nossa luta”, reflete Guma Joana.

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As pessoas cisgênero podem contribuir para esse objetivo colocando profissionais trans para trabalhar e produzir não somente na frente das câmeras, mas também nos bastidores e na produção. Para o público, o conselho de Guma é consumir e compartilhar o trabalho de pessoas trans dentro e fora das redes sociais.

“A indústria pode parecer não querer que você ocupe os espaços, mas só nós sabemos do nosso talento”

A estilista ainda olha para os seus sonhos profissionais como uma continuidade do que faz hoje. “Continuar o trabalho que tenho feito com valorização de grandes marcas, passar minhas habilidades e compartilhar minhas metodologias para outres corpes trans e ver mais pessoas como eu ocupando espaços.” Por fim, ela deixa um recado para jovens travestis que querem fazer uma carreira na moda. “Saiba que a indústria pode parecer não querer que você ocupe os espaços, mas que também só nós sabemos nossos corres e do nosso talento. Continue! E entre nós, travas, tem união, colabore com outras e o trabalho vai acontecer de forma mais brilhante ainda.”

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“Vivo em um país onde a faixa etária média de uma pessoa travesti é de 35 anos. Eu sou uma resistência”

Silla Filgueira revela que um dos seus maiores sonhos é ter um grande ateliê e desenvolver um projeto para profissionalizar a mão de obra para a indústria da moda. “Eu me inspiro em mim mesma porque só eu sei a dor e a delícia de ser quem eu sou e eu quero inspirar outras mulheres. Elas têm que entender, se aceitar e lutar contra esse sistema. […] E uma questão importante é que, antes de ser a Silla travesti, eu sou a Silla designer. Eu sou uma resistência. Eu vivo em um país onde a faixa etária média de uma pessoa travesti é de 35 anos. Eu tenho 42, eu sou uma sobrevivente. É a marca Sillas Filgueira que me inspira, que me faz acreditar e me faz conquistar ainda mais.”

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