Estilista, designer, cantora, ativista dos direitos indígenas, nutricionista e artista plástica, We’e’ena Tikuna é dona de um talento imensurável e transcende isso muito bem quando desenvolve suas artes, saberes e criações de moda.
Pensando em pluralidade e ancestralidade e buscando cada vez mais celebrar a cultura dos brasileiros e principalmente a dos povos originários e nativos desta terra, a CAPRICHO a entrevistou para falar sobre sua grife, sustentabilidade e tecnologias ancestrais.
Nascida na Terra Indígena Tikuna Umariaçu no Amazonas, Alto Rio Solimões, We’e’ena Tikuna, cujo o nome We’e’ena significa “a onça que nada para o outro rio”, é artista indígena.
“Eu gosto da arte. As minhas peças são arte. Eu produzo as minhas peças e trabalho muito com a consciência e o consumo consciente em todos os meus trabalhos – tanto na alimentação, quanto nas artes plásticas. Ainda mais nós [pessoas indígenas] que estamos nessa área de conservação do meio ambiente, com esse desmatamento somado à poluição. Tudo isso é uma transmissão para nós! A natureza conversa com a gente e mostra o que está sofrendo”, conta.
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Moda indígena
Você pode não saber, mas os indígenas já tinham a sua própria moda antes mesmo dos invasores – os chamados “colonizadores” – chegarem. “O povo Tikuna é muito artístico. Usamos muitas cores, desenhos e detalhes. Os grafismos chamam muita atenção através do rosto e os animais são as nossas referências.”
“Quando eu falo que a nossa moda já existia, é realmente porque a gente já desfilava. Nós tínhamos os nossos próprios tecidos, como o tururi, uma fibra de árvore amazônica. O tururi é um tecido que vem da natureza, a natureza nos deu”, lembra We’e’ena Tikuna. Dá só uma olhada nessa gravura que mostra um ritual Tikuna:
Sustentabilidade e o tururi
Em sua segunda participação e 4ª edição do Brasil Eco Fashion Week, We’e’ena Tikuna apresentou a coleção Tururi Nho’É e desenvolveu peças através do Tururi, principal matéria-prima indígena que dá voz à sustentabilidade de sua marca e história de seu povo.
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Segundo We’e’ena Tikuna, o tururi é retirado de uma árvore muito sagrada para o povo da aldeia. “Nós temos mais de cinco tipos de tururi, sendo eles: preto, marrom, bege, branco e esverdeado. Quem tira a fibra da árvore são sempre os anciãos, os homens, porque eles contam que, para tirar o tururi, é preciso pedir para própria árvore ‘Olha, estou tirando uma fibra de você’, tipo uma proteção.”
Quanto ao seu processo de retirada, a estilista explica que, além do ritual, é necessário um trabalho minucioso. “O Tururi é colocado de molho e fica uns dois, três dias dentro d’água. Depois, é passado no limão e, após isso, esticado para criar um tecido grande, tipo um elástico. Puxando ela [a fibra], dobrando, puxando e dobrando.”
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“Antigamente, o Tururi era usado como absorvente indígena. As mulheres usavam porque os únicos tecidos que conheciam era o Tururi e o algodão, que são da natureza. E até hoje a fibra é utilizada como vestimenta dentro da aldeia para proteger as partes íntimas e para a proteção dos seios, por exemplo. Do tururi se faz cobertores, redes, tapetes e cabanas – inclusive para se passar o frio. As roupas e calças dos homens também são feitas de tururi”, complementa.
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Bonecas indígenas
“As bonecas surgiram depois da minha participação no Brasil Eco Fashion Week e todas elas têm a mesma peça e grafismo do desfile. Eu vi que as pessoas gostavam muito das minhas peças, mas nem todo mundo tem coragem de usar. Essa é a real. Todo mundo acha bonito, algo diferente, mas é uma raridade a pessoa se identificar e querer usar a peça em uma festa, por exemplo – é mais comum um ativista indígena que gosta da causa.”
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“O povo brasileiro desconhece a nossa história e desconhece o povo indígena. Sempre fico pensando porque muitas crianças e adolescentes indígenas sofrem bullying dentro das escolas e universidades. Porque os pais não educam os seus filhos sobre os valores da cultura.”
“A educação vem das crianças. Se as crianças crescerem respeitando a diversidade e a cultura, elas terão mais respeito e passarão isso para os pais. As mini we’e’ninhas vieram como uma forma de resistência“, completa a estilista ao falar sobre a importância do ensinamento da cultura indígena para crianças.
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“Você pode ter uma boneca afro, branca e indígena. Por que não? Quero que elas [mini we’e’ninhas] estejam em todas as lojas e as crianças possam conhecê-las assim como as bonecas brancas e negras, recém colocadas no mercado”, finaliza.
Projeto futuros da We’e’ena Tikuna Arte Indígena
Para We’e’ena Tikuna estar e desfilar no Brasil Eco Fashion Week foi um acontecimento histórico e revolucionário ao mostrar sua cultura e identidade para o mundo. “Minha vontade agora é levar essa moda para fora e para outras passarelas também. A nossa cultura, língua e as nossas pinturas são a nossa identidade.”
“Agora estou desenhando e retomando o processo de criação das minhas artes, que dei uma parada com a minha gestação e chegada da I’etünã Tikuna [filha de We’e’ena]. Começo a produzir de novo e para o Brasil Eco Fashion Week também, conforme for. O projeto agora é abrir para a música e continuar seguindo com a arte e com as roupas”, finaliza a artista ao contar que suas peças são produzidas para pessoas especiais e desenvolvidas através do consumo consciente, com um processo manual e mais lento, no ritmo do slow fashion.
Quem deu as informações: We’e’ena Tikuna, estilista, designer, cantora e ativista dos direitos indígenas. Artista plástica e nutricionista por formação.