marca brasileira Misci, comandada pelo estilista e fundador Airon Martin, apresentou sua coleção ‘Tenda Tripa‘ nesta terça-feira (23) no Pavilhão da Bienal no Ibirapuera, em São Paulo, com o objetivo de atrair olhares e celebrar as riquezas do interior do Brasil, o que tem tudo a ver com o propósito da etiqueta. Em entrevista à CAPRICHO dias antes do desfile, Airon compartilhou sua visão sobre fazer moda autoral brasileira e seus desafios. “O meu sonho é que a nossa moda seja forte e reconhecida mundo afora“, disse.
A coleção ‘Tenda Tripa’ descentraliza a experiência urbana que costuma estar atrelada à moda e olha para a cultura interiorana tradicional do Brasil. “Trazemos a questão de como o interior é mais profundo do que a capital, porque a gente tem mais tempo para ser profundo. E o quanto a ideia das empresas de sair capital para colonizar o interior gera uma desconfiança em quem é local”, explica Airon Martin, natural de Sinop, cidade do interior do Mato Grosso. Essa desconfiança serviu como tema para a criação de alguns looks, como a peça que veda apenas um olho do modelo.
“Quero mostrar a potência que o interior tem não só no contexto histórico, mas também como potência econômica e de consumo”, completa o diretor criativo da Misci. Com essa finalidade, ele também usa matérias-primas vindas do interior, como o látex e a borracha da Amazônia e da região centro-oeste, assim como a fibra de buriti feita por uma comunidade de artesãs no Maranhão. Ao mesmo tempo, nessa coleção, Airon evolui peças já apresentadas anteriormente e mantém códigos que viraram característicos da marca. “Eu olho muito para dentro mesmo, adiciono novos elementos e mantenho e evoluo outros já existentes, com uma tecnologia mais avançada, uma modelagem talvez um pouco mais refinada. A gente como marca está amadurecendo e, para criar identidade, a repetição é necessária.”
Vários famosos foram prestigiar e reconhecer o importante trabalho da marca. Ivete Sangalo cruzou a passarela e encerrou o desfile; Maisa Silva, João Guilherme, Giovanna Grigio, Emicida, Bella Campos, GKay, Malu Borges e diversos influenciadores também sentaram na primeira fila.
@capricho @Ivete Sangalo fechou o desfile da #Misci que aconteceu nesta terça-feira (23) em SP! E claro que depois do desfile a gente foi bater um papo com ela, né? ❤️🔥 #ivetesangalo #desfile #moda #fashion
Esse é o segundo desfile da Misci fora da programação oficial do São Paulo Fashion Week, que, segundo o estilista, inviabiliza sua participação devido aos patrocinadores. “É uma questão de negócios mesmo. Tenho os meus patrocinadores e eu não poderia tê-los se tivesse dentro do evento, por isso eu decidi fazer sozinho.”
Eu sou uma marca de moda. E moda tem que ter desfile, porque é onde eu mostro a minha identidade, onde o meu processo criativo flui.
Airon Martin, estilista da Misci
Airon ressalta os desafios financeiros de se colocar um desfile de pé. “Eu não sou só o diretor criativo da Misci, sou o fundador e dono da marca. Então, eu luto diariamente para o empresário não matar o designer e vice-versa.” No entanto, de acordo com ele, o desfile é primordial para uma marca de moda. “Diferente dessas marcas de blogueiras do Brasil que não têm propriedade intelectual, não têm processo criativo, eu sou uma marca de moda. E moda tem que ter desfile, porque é onde eu mostro a minha identidade, onde o meu processo criativo flui. O processo se dá com o objetivo final desfile. Aí, depois disso, se desdobra para o comercial. Moda precisa de uma apresentação que nos brilhe os olhos, e o desfile tem esse papel de engajar o público, a sociedade, de educar, porque a gente consegue furar a bolha nesse momento. A Misci tem esse papel de educar o consumidor para olhar mais para a nossa cultura, para o Brasil e para o produto brasileiro.”
Para ele, as dificuldades de se fazer moda autoral e responsável no nosso país giram em torno da educação do consumidor brasileiro. Mas, aos poucos, tem sucedido em movimentos que tentam mudar essa mentalidade. Na visita recente de Oprah Winfrey ao Brasil, ela comprou bolsas da Misci e já apareceu usando uma delas, o modelo ‘Bambolê’. “O Brasil é um país colonizado e de consumo colonizado. Fomos criados achando o produto importado melhor. O desejo sempre foi pelo produto importado. E principalmente com essa cultura da blogueira de ‘Ai, nao tem no Brasil’, parece besta essa frase, mas essa frase é séria, como se o que não tivesse no Brasil fosse o desejo. O meu é o inverso, o meu é ‘Tem no Brasil’. A marca de bolsa da Oprah tem no Brasil, é brasileira. Esse é o meu objetivo, de mostrar ao consumidor que não só a Misci, mas a Misci faz parte de um movimento junto com outras marcas que têm mostrado o poder da nossa indústria de moda brasileira.”
Ter ‘emplacado’ uma bolsa nacional é um dos maiores motivos de orgulho para Airon. “A Oprah é um reflexo de um produto que já deu certo, e uma bolsa que é consumida por mulheres que não costumavam consumir a bolsa nacional. Um grupo de pessoas que o sonho sempre foi ter uma bolsa da Gucci, da Chanel, e hoje as pessoas me param na rua e me falam ‘Quero que a minha primeira bolsa de luxo seja da Misci’. A bolsa é um símbolo muito grande de validação social da mulher, e quando eu vejo que uma parcela dessas mulheres realmente se sente protegida, porque a bolsa tem esse papel, pela bolsa da Misci, pra mim é motivo de muito orgulho.”
O estilista comenta a relação da Misci com os jovens, que, embora muitas vezes não consigam comprar as peças da marca, admiram, acompanham e se inspiram nela. “Moda é principalmente essa conexão com a sociedade, com o que a sociedade deseja consumir. A Misci é uma marca feita para agora e é uma marca a longo prazo. Então, o jovem conectado que talvez não tenha grana para consumir o produto hoje e se engaja com a marca, ele vai ser o nosso futuro consumidor, e isso mostra a longevidade que a marca tem. Mesmo uma marca que tem números expressivos de crescimento anualmente, a gente está preparado para daqui 10, 15 anos, porque estamos conectados com essa geração que hoje talvez não tenha dinheiro para consumir, mas uma hora vai ter.”
Moda é política. Não tem como não ser. Tudo o que a gente faz quando se trata de processo de criação em um país no contexto social que o Brasil tem, é impossível não fazer política.
Airon Martin, estilista da Misci
Airon sonha com o reconhecimento da moda brasileira, mas destaca a falta de projetos governamentais que fomentem o mercado nacional e a desunião entre os próprios estilistas. “Moda é política. Não tem como não ser. Tudo o que a gente faz quando se trata de processo de criação em um país no contexto social que o Brasil tem, é impossível não fazer política”, declara. “O governo não ajuda, não existe projeto nenhum governamental. A gente viu a Janja usando marca brasileira, mas de fato até agora não foi feito nada por isso. Não existe uma união do mercado entre os estilistas, não existe um projeto que de fato fomente a moda nacional, nem partindo do privado nem partindo do governo. Não existe ainda, mas a gente tem articulado com pessoas e movimentos para que de fato isso se inicie, mas ainda não tem nada em andamento. Eu acho que os estilistas têm que se unir mesmo e se fortalecerem até como troca de modelo de negócio, de logística, de contratos… A troca é muito rica, falta essa união do mercado para que todo mundo se fortaleça e a gente juntos forme a cara da moda brasileira. Só que isso ainda não foi iniciado, e eu estou super disposto e aberto a isso.”
“Eu sonho com um mundo consumindo de novo a moda brasileira. Temos uma potência muito grande aqui e a gente precisa se fortalecer, a Misci junto com outras marcas mostrar o que o Brasil faz, não só para o brasileiro, mas para o mundo. O mundo quer ver o que o Brasil tem a fazer. E o meu sonho é que a nossa moda seja forte e reconhecida mundo afora“, finaliza.