Este desfile celebrou a potência do algodão e da moda na América Latina
Coleção foi apresentada em Brasília com o intuito de valorizar a agricultura familiar e a memória ancestral
Na última quarta-feira, 4 de outubro, aconteceu o desfile ‘América Latina Veste-se de Algodão‘, em Brasília, para celebrar o Dia Mundial do Algodão e os 10 anos do projeto +Algodão, uma iniciativa de cooperação internacional desenvolvida com países da América Latina. O evento, realizado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores (MRE), teve a curadoria do estilista colombiano Juan Pablo Martinez e foi idealizado pelo brasileiro Paulo Borges, e a coleção apresentada coloca em posição de destaque a potência da cultura do algodão e dos pequenos produtores de diferentes países latinos.
Em entrevista à CAPRICHO, eles falam sobre a concepção do desfile e as mensagens trazidas por trás de cada peça. “A ideia é materializar a potência da América Latina como celeiro de produção do algodão, reiterando e valorizando a agricultura familiar e a memória ancestral em toda sua riqueza imaterial“, afirma Paulo Borges.
O desfile: critérios da coleção
Segundo o estilista colombiano Juan Pablo Martinez, criador da ‘América Latina Veste-se de Algodão’, o primeiro critério para criar o conceito por trás da coleção foi trabalhar com algodões nativos de países latinos e elevá-los para outra categoria de roupa. “Tudo para dar maior importância e representatividade para aquele algodão nativo encontrado em vários países da nossa região“, explica à CAPRICHO.
O segundo critério envolve a parte mais formal das silhuetas das saias, inspiradas nas camponesas da América Latina, e uma cartela de cores típicas de algodões nativos – branco, cru, bege e marrom. Além disso, foram utilizados tecidos feitos em teares manuais de algodão, das mesmas agricultoras que cultivam seu próprio algodão e o levam para produzir tecidos.
O projeto +Algodão é uma iniciativa conjunta da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores (MRE), e os governos da Argentina, Bolívia, Colômbia, Equador, Haiti, Paraguai e Peru, com recursos financeiros do Instituto Brasileiro do Algodão. A atuação conjunta acontece em prol da melhoria da qualidade de vida e renda de centenas de agricultores familiares desses sete países da América Latina e do Caribe.
A mensagem: o potencial econômico do algodão nativo
A necessidade de valorizar a produção sustentável do algodão feita por pequenos artesãos é uma das mensagens que a coleção transmite, de acordo com Juan Pablo Martinez. “Há um valor importante no trabalho que fazem os artesãos de cultivar, colher, descaroçar, fiar, tecer, que é muito invisível aos olhos do consumidor“, declara o estilista. Ele também ressalta o objetivo de mostrar o potencial do algodão nativo atingir um alto nível de moda. “Queremos levá-lo a outro patamar, com outra categoria de vestuário, fazer um exercício como os que já foram feitos com outras fibras no mundo, que foram elevadas a outros cenários de consumo ‘premium’ ou de luxo, como as alpacas e vicunhas, no Peru, com o cashmere, na Índia. Creio que o algodão nativo, o algodão de cores tem uma identidade – produzido aqui na América Latina – e, com uma boa história, um bom marketing, pode chegar a ser uma fibra muito importante nos mercados em todo o mundo.”
“Ao expor o trabalho destas comunidades, valorizamos sua ancestralidade e vocação artesanal, a economia circular e a troca de experiências e novas tecnologias como importante ativo para a América Latina“, completa Paulo Borges.
Há um valor importante no trabalho que fazem os artesãos de cultivar, colher, descaroçar, fiar, tecer, que é muito invisível aos olhos do consumidor.
Juan Pablo Martinez
O significado da coleção para as famílias produtoras
Juan Pablo Martinez enfatiza a importância do desfile para as próprias famílias camponesas responsáveis pela confecção das peças. “É um sustento adicional, elas estão muito em contato com a fibra, com o campo, com o algodão. […] Para essas famílias, o algodão faz parte da sua vida, do seu DNA e é algo que sinto que, muitas vezes, não é valorizado como deveria. Espero muito que, com essa coleção e esse exercício que estamos fazendo de apresentar de outra forma o trabalho dessas artesãs, em um esforço colaborativo entre muitas pessoas que estão envolvidas na produção dessa coleção e na iniciativa de cooperação +Algodão, que essas mulheres possam num futuro próximo obter melhor renda para melhorar a sua qualidade de vida e de sua família com os resultados que venham a partir do algodão.”
Paulo Borges salienta o cultivo do algodão como fonte de renda e emprego para as economias das famílias rurais. “Na América Latina e no Caribe, 80% dos produtores de algodão são agricultores familiares em países como Argentina, Bolívia, Colômbia, Paraguai e Peru. É fundamental reconhecer a importância dessa cultura, da semente à peça pronta, bem como fomentar políticas comerciais sustentáveis e permitir que essas famílias se beneficiem cada vez mais de cada elo da cadeia de valor do algodão.”
América Latina como referência
Outro assunto levantado pelo desfile é a relevante influência que a América Latina pode trazer à moda a nível mundial. Para o estilista colombiano, é necessário mostrar o que fazemos aqui e é importante que a gente mesmo se reconheça. “Sinto que a América Latina ainda está um pouco para trás neste tema de acreditar no que é nosso. Deveríamos acreditar mais, e a coleção traz também essa ideia de que a gente se reconheça e valorize o que temos, valorizar no sentido que é possível gerar uma indústria a partir destas propostas de algodão com identidade da América do Sul. Na medida em que seja aceito pelo nosso mercado, que seja comprado, que haja pedidos, que as artesãs possam aumentar sua produção, que possam melhorar sua qualidade de vida, que as pessoas que trabalhem na confecção das peças, que os estilistas possam trabalhar com essa matéria-prima, que os consumidores comprem esse tipo de peça, com uma semi-indústria que desperte a atenção em benefício de todos os atores da cadeia.”
“Temos muito para mostrar ao mundo na medida em que nos libertamos dos estereótipos e da necessidade de seguir padrões eurocêntricos“, adiciona Paulo Borges. “A influência da América Latina na moda se dá pela incorporação da nossa diversidade de saberes e fazeres tradicionais aos processos criativos, pela valorização dessa memória ancestral, desse patrimônio cultural imaterial, somado ao potencial de riquezas naturais e a vontade legítima de inovar em direção a uma moda mais sustentável e socialmente mais justa“, finaliza.
A influência da América Latina na moda se dá pela incorporação da nossa diversidade de saberes e fazeres tradicionais aos processos criativos, pela valorização dessa memória ancestral, desse patrimônio cultural imaterial, somado ao potencial de riquezas naturais e a vontade legítima de inovar em direção a uma moda mais sustentável e socialmente mais justa.
Paulo Borges