ily Gladstone e Isabel DeRoy-Olson vivem uma história sensível e marcante que aborda os diferentes significados de conexões familiares e o apagamento da cultura indígena em O Rito da Dança. A produção estreou no festival Sundance em 2023 e, meses depois, chegou ao catálogo da Apple TV+ com um enredo repleto de detalhes que refletem realidades diárias que invibilizam povos originários.
“Esse é um daqueles roteiros em que, desde as páginas até as telas, tudo ficou muito próximo, muito realista, porque tudo que precisávamos mostrar dessa história estava ali, naquelas páginas. Só tínhamos que viver aquilo e não precisávamos ir muito fundo para encontrar o que precisávamos porque existiam analogias e camadas em cada uma das escolhas”, compartilhou Gladstone em mesa-redonda com participação da CAPRICHO.
No enredo de O Rito da Dança, escrito por Erica Tremblay e Miciana Alise, acompanhamos a jornada de Jax, que cuida da sobrinha, Roki, enquanto busca respostas sobre o desaparecimento de sua irmã. Entretanto, um sistema judicial falho que desfavorece sua comunidade faz com que ela corra o risco de perder a custódia da jovem. É assim que as duas partem em uma complexa viagem rumo ao powwow, tradicional celebração dos povos indígenas que acontece nos Estados Unidos.
Vivendo seu primeiro grande papel aos 19 anos, Isabel comentou a importância e a influência do longa em termos de representatividade, principalmente para uma juventude que não teve muitas chances de se enxergar em grandes produções. “Eu gosto tanto desse filme e é algo que eu teria amado assistir quando era mais nova. O fato de que tantas pessoas vão poder vê-lo, especialmente jovens meninas indígenas que vão se sentir representadas nas telas, é algo muito lindo“, compartilhou a atriz em entrevista exclusiva à CH.
Gladstone ainda revelou que percebeu um impacto na indústria após o sucesso de seu papel em Assassinos da Lua das Flores, que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz. “Fico feliz em saber que o ano que tive criou espaço e abriu portas para o mundo se apaixonar por Isabel e para trazer mais talentos indígenas, essas lindas mulheres indígenas, para as telas“, declarou a atriz sobre as novas oportunidades para povos originários no audiovisual.
Lily e Isabel tiveram uma conexão instantânea quando se conheceram no set e a relação entre as atrizes se intensificou cada vez mais, seja por novos projetos que estrelam juntas ou por cenas importantes que dividiram na produção, como a primeira menstruação de Roki – que acontece em meio a uma abordagem policial. “Gosto muito desse momento específico porque falar de menstruação ou de corpos de mulheres é muito estigmatizado. Foi especial termos um momento de diversão, alegria e empoderamento depois de uma situação muito tensa e assustadora”, afirmou DeRoy-Olson.
Unidas por um forte elo familiar, as protagonistas compartilham muitas outras cenas com grandes cargas emocionais, ilustrando conversas e atos que refletem o apagamento da cultura indígena. “Tem uma grande importância porque a identidade indígena é vista por muitos como uma fantasia. Pensam em mascotes ou no Halloween. Ou pensam no Velho Oeste. Existe esse apagamento imediato. Para nós, é uma extensão de nós mesmos. É uma extensão e uma forma de expressão da nossa família, da nossa linhagem, das histórias que são contadas sobre quem somos. É uma extensão de nós mesmos e é algo muito precioso“, refletiu Lily.
Em uma conversa no início do filme, Nancy, a esposa do avô de Roki, se refere à a mãe da jovem, que está desaparecida, em uma fase no passado, sem nem ao menos saber o que realmente aconteceu ou se ela está, de fato, morta. Gladstone observou que são detalhes como esse que tornam o filme tão significativo e reflexivo sobre a realidade de comunidades indígenas, que lidam diariamente com esse tipo de situação.
“Olhando de forma mais ampla, fora da cena, [os problemas] são exatamente essas microagressões e conversas sobre povos nativos. As Nancys do mundo sempre nos colocam em frases no passado, independente de estarem conversando diretamente conosco”, pontuou Gladstone. “É algo que acho que muitas pessoas não estão nem mesmo cientes de estarem fazendo. Elas falam de pessoas indígenas no passado e falam de nós, que estamos aqui agora, como se fossemos descendentes de pessoas que não existem mais.”
Somos uma extensão dos nossos ancestrais.
Lily Gladstone
Para Erica Trembley, diretora da produção, a intenção do longa está neste lembrete que celebra a cultura, mas, ao mesmo tempo, não ignora o impacto desse tipo de violência. Ela também compartilhou que seu objetivo principal era trazer visibilidade para questões que estão ameaçadas, como o Cayuga, idioma que conta com apenas 20 falantes restantes no mundo.
“Quando embarquei nesses três anos de programa de imersão de linguagem, encontrei esse lindo matriarcado e esse lindo relacionamento entre mulheres”, compartilhou ela. “Se você não sabe o gênero de uma pessoa, é ‘ela’. Se você está falando de um grupo misto, você diz ‘elas’. É o oposto ao que falamos. E você pode descobrir tanto sobre uma cultura pela forma como eles se comunicam e pelo idioma.”
No enredo, as personagens de Lily e Isabel usam o idioma como uma espécie de linguagem secreta que permite que elas conversem entre si quando estão rodeadas por possíveis perigos. Tudo se conecta ainda mais quando descobrimos que a ideia para o filme surgiu quando Erica descobriu que, em Cayuga, a palavra ‘tia’ é traduzida como ‘segunda mãe’ – o que define exatamente o relacionamento entre Jax e Roki.
O Rito da Dança está disponível na Apple TV+.