O expressivo sucesso de Bridgerton foi visto mais uma vez durante a 21ª Bienal do Livro do Rio de Janeiro. O evento recebeu em seu palco a autora Julia Quinn, responsável pela criação do universo literário que inspirou a série que acompanha os segredos, dramas e romances da famosa família fictícia. O grande alcance da produção ainda originou um spin-off focado na história de Rainha Charlotte, fazendo com que a autora trabalhasse no processo inverso: transformar roteiros em um livro.
“Foi fascinante”, descreveu Julia sobre a experiência em entrevista à CAPRICHO. “Foi um quebra-cabeças e a primeira vez que escrevi um livro com material de pesquisa”, explicou ela ao mencionar que o desenvolvimento do projeto foi bem diferente já que em todas as outras coisas que produziu, precisou inventar os elementos, cenários e personagens do zero.
Para escrever o livro baseado nos acontecimentos da série de Rainha Charlotte, Julia trabalhou em uma parceria com Shonda Rhimes, que é a grande criadora da produção da Netflix e foi responsável por escrever e enviar os seis roteiros que serviram como uma espécie de guia inicial para ela. Com isso em mãos, era hora de conectar e costurar cada ponto em um diferente formato, com o objetivo de transformar tudo em um verdadeiro livro de romance de época. Mas tirar a ideia de sua mente e fazê-la acontecer de fato exigiu algumas decisões importantes.
”Não incluir a linha do tempo mais atual foi a maior escolha que precisei fazer”, afirmou Quinn. “Eu queria que fosse o mais próximo possível de um livro de romance. Não é exatamente um livro de romance por conta do final agridoce, mas eu queria dar aquele sentimento ao público e percebi que se continuasse indo ao futuro e mostrasse o que tinha acontecido com o rei, seria muito difícil“, ressaltou ela sobre a razão para ter ambientado sua história em apenas uma linha do tempo, diferente da série que passeia por duas temporalidades no decorrer dos episódios.
“É como se você estivesse tentando extrair informações. Um pedaço está bem ali mas tem aquela outra coisa lá e é preciso entender o que você quer incluir e o que você não quer”, acrescentou. “Foi realmente como desfazer a arquitetura dos roteiros e descobrir como construí-la para ser um livro. Eu gostei muito de fazer isso. Eu, com certeza, faria de novo se a oportunidade surgisse”, garantiu a autora.
No processo de escrita, Julia teve a oportunidade de ir ao set de filmagens de Rainha Charlotte para ver de perto o que a equipe estava desenvolvendo e também encontrar os atores pessoalmente: “Quando eu os conheci, comecei a trabalhar pequenos detalhes deles. Um é que Corey Mylchreest morde muito os lábios dele, então, coloquei isso”, revelou ela ao mencionar como o elenco influenciou na construção dos personagens do título.
“Quando ouvi Freddie Dennis, que interpreta o Reynolds, falar… Eu não havia percebido o quanto a voz dele era profunda. Quando o vi pessoalmente, pensei: ‘Meu Deus, ele parece um duque secreto.’ Ele parece ser tão aristocrático. Me lembro de ir até Shonda várias vezes para dizer: ‘Um duque secreto! Ele é secretamente um duque'”, relembrou Quinn sobre o ator que faz parte de um dos mistérios deixados pela série da Shondaland.
Nem mesmo Julia sabe o que aconteceu com o personagem de Dennis: “Muitas pessoas me perguntam o que houve com o Reynolds e eu não sei… Queria saber”, brincou ela entre risos. Por ter dito que toparia o desafio de transformar outro enredo de série em um livro, questionamos a possibilidade de uma história sobre Brimsley e Reynolds: “Essa escolha não depende só de mim por conta do jeito que foi feito. Por exemplo, se existe mais a ser contado, precisa acontecer com a Shondaland e a Netflix”, respondeu a autora.
“Com Bridgerton, os livros são transformados em uma série que acaba originando outra série que vira um livro. É como se fosse uma engenharia reversa.”
Rainha Charlotte: força, confiança e vulnerabilidade
Interpretada por Golda Rosheuvel e India Amarteifio na versão atual e na mais jovem, respectivamente, Charlotte é uma personagem que chamou atenção desde o início de Bridgerton. Para a autora, foi interessante ter a oportunidade de vê-la antes dela se tornar a líder que toma conta de tudo, explorando uma época em que ela ainda estava descobrindo como funcionavam as coisas.
”Todos puderam conhecê-la quando ela era mais velha. Quando ela era rainha e estava comandando. Ela é a chefe. Então, pensei que era muito fascinante voltar para um período antes dela ser tão autoconfiante e saber de tudo para mostrar que mesmo pessoas assim um dia já foram como nós, já se perguntaram: ‘O que está acontecendo?’ E apenas mostrar a pessoa real por baixo daquilo, que ela também pode sentir medo e ficar nervosa”, explicou Quinn. “Queria mostrar que ela é real e que tem os mesmos medos que o resto de nós.”
Pensei que vê-la jovem seria muito interessante para mostrar o quanto ela é forte e de onde vem essa força
Julia Quinn sobre a construção da versão jovem de Charlotte
“Tem mais de mim na Penelope do que em qualquer outro personagem que escrevi”
A terceira temporada de Bridgerton terá o protagonismo centralizado em Penelope Featherington e Colin Bridgerton. Ao recordar o momento em que escreveu o livro, em 2001, a autora revelou que foi um dos mais difíceis pelo tempo que demorou pra descobrir como desenvolveria a narrativa, já que se travavam de dois personagens que o público conhecia bem.
“Posso te dizer que foi um livro muito, muito difícil, não de escrever, mas de entender como faria porque era a primeira vez que escrevia um livro em que tinha dois personagens muito bem estabelecidos. Normalmente, quando você está escrevendo uma série de livros ou um spin-off de algo, tem um personagem que todos conhecem muito bem e você cria alguém novo em que pode trazer tudo aquilo que é necessário”, afirmou.
”Por isso, quando estava tentando entender a história para Penelope e o Colin, eu pensava: ‘Tudo bem, vamos fazer isso.’ Mas percebi que não dava por conta de alguma característica do Colin e o mesmo aconteceu para Penelope. Era algo que continuava acontecendo, alguma coisa não se encaixava porque eu já havia escrito sobre a vida deles, eu os havia estabelecido de alguma forma”, adicionou ela.
Para intensificar sua missão, ela ainda tinha o desafio de desvendar o grande segredo da identidade de Lady Whistledown aos leitores. ”Eu sabia que seria o livro em que iria revelar que ela é a Lady Whistledown. Senti que se tentasse estender isso por mais tempo ficaria enigmático demais. Foi muito desafiador pensar em como revelaria isso”, disse Julia, que logo percebeu um movimento diferente entre os leitores com a publicação de Os Segredos de Colin Bridgerton.
”Uma coisa muito interessante foi que, antes desse livro, meus leitores continuavam dizendo que queriam o livro do Colin, que amavam o Colin e, após o lançamento, todos comentavam: ‘Amamos a Penelope. A Penelope sou eu.’ Acho que isso fez ser muito especial para mim. A Penelope não sou eu mas tem mais de mim na Penelope do que em qualquer outro personagem que escrevi até agora.”
“Acho que as experiências dela, as inseguranças que ela tem e também a confiança… Meio que ser insegura e confiante ao mesmo tempo, é algo com o qual muitas pessoas podem se identificar. Ela é uma heroína muito identificável e muitas pessoas entram em contato comigo e me escrevem nas redes sociais sobre o quanto se sentiram vistas nela e nos sentimentos dela”, compartilhou Quinn.
O sucesso mundial e amor brasileiro
Mesmo com bailes ao redor do mundo, linhas de diferentes produtos e milhares de exemplares vendidos, tudo ainda parece um sonho para Julia: “Ainda não consigo acreditar. Eu tenho um batom de Bridgerton! [risos] E existem paletas de maquiagem e tudo mais. Algo novo é lançado e me pergunto como isso é a minha vida.”
A autora ainda tira um momento para recordar uma época em que nem todos conheciam seus trabalhos e faz um paralelo com o momento atual – em que seus livros são inspiração para outras pessoas que escrevem romances parecidos com os seus. “Uma amiga minha que escreve romances de época me disse: ‘Sabe qual é a melhor coisa em Bridgerton? É que agora todos entendem.’ Ela diz que escreve livros como Bridgerton e todos entendem.”
E não dá para não citar os brasileiros quando o assunto é amor de fã. “Sempre conto a história de quando estavam anunciando que teria uma série de Bridgerton, falei para o pessoal da Netflix: ‘Devo avisar vocês, os fãs no Brasil são ótimos. Eles são empolgados e muito animados.’ No dia seguinte, eles estavam dizendo: ‘Precisamos de um tradutor! O que está acontecendo? Todos estão falando em português.’ E eu só pensei: ‘Eu avisei…’”
A autora ainda compartilhou que as sessões de autógrafo brasileiras são diferentes de qualquer outro lugar do mundo. “Vocês tratam autores como estrelas do rock”, garantiu Julia, que revelou que seu primeiro evento literário no Brasil aconteceu em Manaus, repleto de muitos gritos de amor dos leitores.
Julia Quinn revelou que coloca um coração nos livros que autografa no Brasil. É uma forma de retribuir um pouco do carinho dos fãs.
“Quando cheguei lá, tinha uma fila enorme de pessoas gritando, gravei para mostrar para minha família”, completou a autora. Ela também não deixou de demonstrar o carinho que tem pelo apoio do público, ressaltando que nunca tinha visto fãs efusivos e alegres como presenciou aqui: “Eles são maravilhosos.”