O final de maio no hemisfério norte é sinal de que o calor está chegando e, junto com ele, uma série de festivais espalhados por Estados Unidos, Canadá e Europa. É o momento de ver muitas turnês que (talvez) deverão passar pelo Brasil no ano seguinte.
Apesar do foco ser a música, obviamente, a experiência que esses eventos proporcionam pro público é o que dá o caráter particular de cada um. E o Boston Calling, em Boston (cê jura?), nos Estados Unidos, se destaca justamente por isso.
Indo de Nova York, o jeito mais barato de se chegar lá é pegar um ônibus saindo da estação Port Authority, pertinho da Broadway. É só comprar passagem antecipada da empresa Greyhound, que sai por US$ 16,00 (aproximadamente R$ 60,00) o trecho. Uma viagem de 4h20.
Pra quem sempre sonhou em conhecer Harvard, o Boston Calling – que tem ingressos que custam entre US$ 105,00 (R$ 393,75) por dia ou US$ 289,00 (R$ 1.083,75) pro final de semana -, une o útil ao agradável, pois é realizado no complexo esportivo da Universidade. Chegar lá é muito fácil: é só pegar a linha vermelha do metrô (US$ 2,75 dólar por trecho) e desembarcar na estação… Harvard. O local já foi cenário de muitos filmes e, recentemente, apareceu em uma cena de Friends from College que mostra exatamente a “praça” do desembarque. Quem assistiu à série da Netflix vai identificar na hora.
Dali ainda rola uma agradável caminhada de 15 minutos, passando ao lado dos dormitórios e atravessando o rio Charles (lugar perfeito pra tirar umas fotos bem Tumblr). Como já é praxe em grandes eventos dos Estados Unidos, não é possível entrar com mochilas muito grandes, pra isso existem lockers do lado de fora pra guardá-las. Então o lance é levar pouca coisa.
Com capacidade para cerca de 30 mil pessoas por dia, o festival te possibilita circular pelo complexo com muita facilidade e sem andar tanto entre seus cinco palcos, que incluem: uma arena com apresentações de stand up comedy e festival de cinema com curadoria de Natalie Portman (sim, ela estava lá todos os dias!); uma espécie de lounge com artistas emergentes, bancado pela IKEA; e outros três que abrigaram os shows principais.
As opções de comida são incríveis. É possível comer desde coisas básicas como pizza, hot dog e hambúrguer, até ramen, mac and cheese, sanduíches de brisket, fish and chips e, pasmem, ostras! Com preços que não passavam de US$ 14,00, tudo sem fila e bem espalhado pelo complexo de Harvard. Os banheiros não diferem muito de Lollapalooza e Rock in Rio, mas, por ser um festival bem menor que os dois gigantes brasileiros, dá a impressão de ter muito mais banheiros químicos espalhados, quase sem fila.
Pra aliviar o calor, água e protetor solar grátis, algo que bem poderia ser adotado no Brasil. Afinal de contas, visam a saúde do público.
Outra coisa curiosa foi a forma como o merchan das bandas era vendido. Em uma tenda, apenas produtos dos três artistas principais – The Killers, Jack White (que também levou a loja móvel de seu selo, Third Man Records, um motorhome todo estilizado) e Eminem. Em uma bem maior, itens dos outros artistas e do próprio Boston Calling.
DESTAQUES MUSICAIS
O Boston Calling 2018 foi apenas a nona edição do festival, evento que tem a curadoria de Aaron Dessner, do The National, banda que tocou no Lollapalooza Brasil este ano, e que fechou o Red Stage, segundo maior palco, na primeira noite, com seu show sendo apresentado por ninguém menos que Natalie Portman.
E como as bandas foram escolhidas por quem entende de música, seguem alguns dos shows que mais curtimos por lá:
Pussy Riot
Após 10 minutos de discurso contra o capitalismo, patriarcado, Vladimir Putin (presidente da Rússia) e Donald Trump (presidente dos EUA), o Pussy Riot levou seu punk eletrônico de protesto para o Delta Blue Stage, bem no meio da tarde de sexta (25/5). Usando máscaras, a banda liderada por Nadya Tolokonnikova cantou em russo (com legendas em inglês no telão) e mencionou algumas vezes a prisão de suas integrantes, que mobilizou o mundo em 2012.
Horas depois, no mesmo palco, foi a vez do Paramore reunir um grande público. “Se você está vendo o nosso show pela primeira vez, muito obrigado. E bem-vindo a nossa família”, agradeceu Hayley Williams logo no começo da apresentação.
O show foi baseado no último álbum da banda, After Laughter (2017). Das 16 canções, nove eram do disco, que é bem mais dançante e cheio de sintetizadores, sobrando espaço para poucos clássicos como Hate to See Your Heart Break, Ain’t It Fun, Still Into You e That’s What You Get.
The Killers
Quem foi ao Lollapalooza Brasil este ano sabe que o show do The Killers é garantia de diversão e um desfile de hits certeiros. A banda de Brandon Flowers fez praticamente a mesma apresentação do Brasil, ou seja, mais uma noite inesquecível.
Mr. Brightside, Spaceman e Somebody Told Me é tipo o começo perfeito pra qualquer setlist de show. Não é qualquer banda que pode se dar ao luxo de entregar alguns de seus maiores sucessos logo de cara, e com o The Killers é assim. Chegam logo colocando todo mundo pra dançar.
Canções novas como The Man funcionam bem, principalmente quando aparecem “ensanduichadas” entre Human e um cover de American Girl, do Tom Petty, um clássico do cancioneiro americano.
Vestindo um blazer dourado e cheio de glitter, Brandon Flowers encerrou a primeira noite do Boston Calling com When You Were Young e uma linda chuva de papel picado!
Lillie Mae
Com um calor de quase 30 graus, o sábado (26/5) do Boston Calling mirou em artistas novos e emergentes, atraindo um público bastante jovem.
O dia começou cedo, pra ver o country da talentosa Lillie Mae, no Red Stage. A cantora é uma aposta de Jack White e sua Third Man Records. Tocando violino e com aquele sotaque carregado do estilo, Lillie mostrou canções de seu segundo álbum, Forever and Then Some (2017). Pra quem adora a sonoridade de artistas de Nashville, onde ela mora, fica a dica!
Daniel Ceasar
Seguindo nas novidades, muita gente lotou o Delta Blue Stage no meio da tarde pra ver o canadense Daniel Ceasar, outra promessa do R&B, gênero que certamente domina o gosto (e as paradas) dos americanos, assim como o rap. Com apenas 23 anos, ele apresentou canções de seu elogiado álbum de estreia, Freudian (2017), como Hold Me Down e o hit Get You, que em sua versão de estúdio conta com a participação de outro nome de destaque do pop atual, Kali Uchis. Show curtinho, mas que emocionou quem estava por lá!
BROCKHAMPTON
A apresentação do BROCKHAMPTON no Boston Calling só não foi mais concorrida que a do Tyler, The Creator. Autointitulados como uma boy band de rap, o grupo foi formado através de um fórum dedicado à fãs de Kanye West (KanyeToThe) e apresentou músicas de seus três álbuns lançados ano passado, a trilogia Saturation I, II e III.
A alternância frenética de vocais dos integrantes e a energia deles no palco, combinados a músicas como ZIPPER, QUEER e GUMMY, colocaram todo mundo pra dançar. Certamente uma das melhores apresentações de todo o Boston Calling 2018.
Além disso, o show foi marcado pela ausência de Ameer Vann. Através de um comunicado divulgado pelo grupo no dia seguinte, ele foi desligado do grupo após uma série de denúncias de abusos sexuais. Por conta da saída de Ameer, o BROCKHAMPTON cancelou todas as datas do restante de sua turnê pelos Estados Unidos, para se “reorganizar”. Será que é só uma pausa mesmo?
Esteticamente, ninguém fez um show mais lindo do que St. Vincent, nome artístico da maravilhosa Annie Clark. Tocando no palco principal do Boston Calling, o Green Stage, ela conseguiu transportar de forma irretocável todo o visual futurista apocalíptico de seu álbum Masseduction (2017).
Os dois únicos homens da banda usavam máscaras que os faziam parecer não ter rosto, já St. Vincent usava uma roupa que a fazia parecer vinda de um filme de ficção científica, alternando guitarras igualmente coloridas, enquanto o telão exibia vídeos que caberiam perfeitamente em um museu de arte moderna.
O setlist veio tão incrível quanto, com canções como Cheerleader (repaginada pra estética do novo álbum), New York (que tem uma letra linda) e Masseduction (ainda mais poderosa ao vivo).
Tyler, The Creator
Depois de virar meme no Brasil (Tyler, The Cancelator), após cancelar em cima da hora sua apresentação no Lollapalooza, Tyler, The Creator de fato era um dos shows mais esperados do sábado, pelo menos pra mim. É fácil dizer que muita gente foi embora depois de vê-lo, apesar do headliner ser Jack White.
Cantando sozinho no palco, em frente à um telão com projeções temáticas com a arte de seu último álbum, Flower Boy (2017), Tyler alternou canções antigas – 48, Tamale e IFHY -, com hits atuais como 911/Mr. Lonely, Boredom, Glitter.
O rapper aproveitou o show pra dar uma bronca nos fãs, dizendo que está cansado de ouvir gente brigando na internet porque gostava dele antes do Flower Boy, deixando claro que é um artista que faz questão de sempre se reinventar.
I Ain’t Got Time!, Sometimes… e See You Again (com direito a coro e pedido de Tyler pra esticar um pouco o show) fecharam a apresentação do rapper, que ainda tirou a camiseta e jogou pra galera.
Jack White
A grande atração da noite de sábado contrastou com as novidades da música negra contemporânea, responsáveis por atrair grande parte do público. O rock de Jack White não veio sozinho no festival, Royal Blood e Queens Of The Stone Age também representaram, mas a impressão que se deu era que apenas uma galera mais velha estava interessada em vê-los.
Assim como em apresentações anteriores, White mostrou versões mais “parrudas” de clássicos (já da pra chamar assim?) do The White Stripes como Hotel Yorba, Hello Operator e The Hardest Button to Button. Também apareceram no set músicas do The Dead Weather (I Cut Like a Buffalo) e The Raconteurs (Steady, as She Goes).
Dos solos, Lazaretto e Blunderbuss ganharam destaque, mas foi com o mega hit de estádio Seven Nation Army, do The White Stripes, que Jack White ganhou o público. Mas aí já era a última música do show.
Taylor Bennett
Aos 22 anos, Taylor Bennett ainda não ostenta o tamanho e sucesso do irmão mais velho, Chance The Rapper, mas está trilhando um caminho tão interessante quanto.
Nem a queda brusca de temperatura do domingo (27/5) espantou a galera que chegou cedinho pra vê-lo. Pra se ter uma ideia, a máxima foi de 11 graus, mas a chuva e o vento davam uma sensação térmica de uns 7 graus.
Taylor não se parece apenas fisicamente com Chance, a genética da família também está no talento e na mensagem sincera, otimista. Ele foi muito aplaudido quando fez um discurso ao dizer que enfrentou muita coisa por ser rapper e bissexual.
Canções como Grown Up Fairy Tales e Broad Shoulders foram as mais comemoradas. E não é pra menos, ambas trazem em sua versão original a participação de Chance The Rapper.
Alvvays
Domingo também teve girlpower no Boston Calling, agora sendo representado pelo indie pop da banda canadense Alvvays, liderada pela vocalista e guitarrista Molly Rankin.
Era possível ver muitas meninas de Vans e Converse fazendo air guitar na plateia e balançando a cabeça como se elas fossem a própria Molly.
O set trouxe em sua maioria canções de Antisocialites (2017), como a grudenta Not My Baby e Plimsoll Punks, mas também teve espaço pra pelo menos duas canções do álbum homônimo de estreia, Alvvays (2014). Teve muita gente emocionado ao som de Next of Kin.
Thundercat
O que o baixista e vocalista Stephen Lee Bruner, que atende pelo nome artístico Thundercat, tem de peculiar ele tem de talentoso.
Colaborador musical de Kendrick Lamar e muito querido pelos hipsters brasileiros – de setembro até agora foram três shows em São Paulo, Thundercat fez mais uma de suas apresentações cheias de free jazz e improviso. Canções que no disco Drunk (2017) chegam a no máximo quatro minutos, ao vivo são esticadas com solos de baixo e bateria.
Ele tocou no palco principal, o Green Stage, que deu a impressão de ser muito grande para suas experimentações, com o público disperso enquanto ele improvisava solos em Captain Stupido, ou imitava o som de um gato em A Fan’s Mail (Tron Song Suite II).
Thundercat abriu mão do maior hit de Drunk, Friend Zone, que surpreendentemente ficou de fora do set e até conseguiu a atenção do público com o swing de Them Changes, mas já era tarde demais.