Blog da Galera: Jogos Vorazes e a ascensão de governos autoritários
'A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes' explica a construção do sistema opressor de Panem, ao passo que critica governos autoritários do mundo real
Oi, gente! Bê da Galera Capricho aqui! Hoje decidi falar um pouco sobre uma saga que vive no meu coração: Jogos Vorazes. Como o novo filme estrelou recentemente, trouxe um pouco da minha análise dessa obra. Espero que gostem!
Inicialmente, sabe-se que a arte é nada mais que a observação e interpretação humana da realidade ao redor. Sendo assim, cada artista tem sua visão subjetiva sobre o mundo. Os romances de Suzanne Collins (Amazon, R$ 240*), por exemplo, traduzem a inquietante realidade marcada pela ascensão de governos autoritários ao redor do Planeta, desafiando as fronteiras entre a imaginação literária e a complexidade do cenário geopolítico contemporâneo.
E não poderia ser diferente nas adaptações cinematográficas das obras da autora, dessa vez estreando o sucesso ‘A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes’. Lançado em 15 de junho de 2020, o livro homônimo narra a juventude do futuro presidente de Panem, Coriolanus Snow, em sua jornada como mentor de uma tributo da 10ª edição dos jogos, Lucy Gray. O foco é acompanhar o desabrochar de Snow enquanto a figura ditatorial, ambiciosa e maléfica que é. Por se passar antes da revolução de Katniss Everdeen, a narrativa traz explicações interessantes acerca da construção e do funcionamento da sociedade pavimentada na trilogia principal.
A perspicácia de Collins surge, justamente, de sua habilidade em encontrar o momento certo para colocar as discussões sobre domínio e poder em pauta. Logo em 2008, ano de crise econômica global e crescimento da desconfiança de instituições democráticas, por meio do personagem Snow, a autora estabeleceu a máxima: “Esperança é a única coisa mais forte que o medo. Um pouco de esperança é eficaz, muita esperança é perigoso. Faíscas são boas enquanto são contidas.”
Sob esse viés, a citação vinda do primeiro livro da saga expõe uma das principais lógicas por trás de discursos extremistas – muitas vezes pautados no fundamentalismo e nacionalismo – que é dar a um povo desesperado algo em que acreditar, quase uma luz no fim do túnel, por mais que esse “algo” possa passar por cima inclusive de questões humanitárias. No entanto, deve-se cuidar para que esses indivíduos acreditem em um futuro melhor, mas não o suficiente ao ponto de questionarem o próprio sistema em que estão inseridos.
Nesse contexto, nota-se que o mecanismo de alienação é um fator primordial para a existência dos governos autoritários, esse que precisa ser constantemente repensado para não possibilitar a chegada ao patamar de nenhuma esperança, ou ao de “esperança demais”, ou seja, à uma revolução. Isso fica visível com as propostas do jovem Coriolanus para a até então coordenadora dos jogos, Dra. Volumnia Gaul, e, posteriormente, na forma com que ele recondiciona a imagem desse evento, tornando-o um verdadeiro espetáculo, enquanto distrai o público de parte da frieza dessa tradição.
Poder, manipulação e autoritarismo
Em “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes”, Suzanne Collins busca aprofundar esses questionamentos, debatendo a síntese da organização social humana a partir da percepção filosófica da relação humana com a disputa por poder. Acerca disso, apoia-se na visão de Hobbes sobre o Estado de Natureza, a qual defende uma perspectiva de que o homem é naturalmente mau, é o predador do próprio homem, necessitando da privação regulatória e contratual da liberdade por meio de um Estado, a fim de evitar uma guerra de todos contra todos. Entretanto, como é visto no universo de Panem, essa justificativa pode ser facilmente manipulada em prol de um controle de massas, utilizando-se da propaganda e, principalmente, repressão, termos que se traduzem na criação e manutenção dos jogos.
O ato de selecionar jovens com o fito de proporcionar um grande massacre anualmente diz mais do que apenas proporcionar entretenimento, à maneira Pão e Circo, é a forma que a Capital (representação da elite na história) encontrou de deixar claro aos distritos sua força e impunidade perante a eles. É mais que uma lembrança da derrocada da rebelião, torna-se uma ferramenta de humilhação e contestação dos limites morais daqueles que já são obrigados a viver na miséria, mesmo que de forma mascarada. Antes de tudo, é a demonstração obrigatória do Estado de Natureza: “Percebe o quão rápido nos tornamos predadores? Percebe como a civilização desaparece num instante?”, disse Snow, em ‘Jogos Vorazes: A Esperança’.
Já em 2020, com a retomada da ascensão de grupos políticos autoritários, a nova obra de Collins retoma a atenção das pessoas para os perigos advindos de tais posicionamentos. Ocorre que, ao espelhar os acontecimentos mundanos à distopia voraz, percebe-se que os horrores latentes ali, na verdade, não estão nada distantes do que já acontece na realidade, e, tanto a capital, quanto Snow, são uma grande metáfora para a pequena classe social que se beneficia com a desigualdade, a mesma que tenta a todo custo manter uma ideologia capaz de fazer os cidadãos lutarem ao lado dos que os exploram, através, justamente, dos discursos radicais.
Enfim, em 2023, a chegada dessa história como longa-metragem aos cinemas amplia a visibilidade da obra no geral e instiga os telespectadores a fazerem conexões com fatos atuais, o que pode ser visto em diversos conteúdos publicados na internet:
@timfmachado E esse paralelo aí, eim! #jogosvorazes #Reaper #katniss #acantigadospassarosedasserpentes #literatura #filmtokbrasil #coriolanussnow #booktoker #BookTok #booktokbrasil #hungergames
♬ Can’t Catch Me Now – from The Hunger Games: The Ballad of Songbirds & Snakes – Olivia Rodrigo
@viquevic A evolução da moda na Capital de Panem em Jogos Vorazes!! #recessioncore #hungergames #jogosvorazes #thg #thehungergames #tbosas #theballadofsongbirdsandsnakes #acantigadospassarosedasserpentes
E aí, será que Jogos Vorazes é tão distópico assim?