Enigmas, segredos e muitas reviravoltas são apenas alguns dos elementos que fazem parte da construção do universo literário de Holly Black, autora de grandes títulos de fantasia. Conhecida por explorar as conspirações e artifícios das fadas, a escritora faz sucesso com títulos que venderam milhares de exemplares ao redor do mundo e conectam diversas narrativas através de ambientações e linhas do tempo compartilhadas.
Foi assim que Wren e Oak se tornaram os protagonistas de O Herdeiro Roubado, que segue a Rainha da Corte dos Dentes e o príncipe de Elfhame após os eventos de O Povo do Ar – trilogia focada na história de Cardan Greenbriar e Jude Duarte, também irmã de Oak. Na nova história, que é ainda mais misteriosa, a dupla parte em uma jornada de traições e verdades tecidas estrategicamente para disfarçar a realidade, uma artimanha característica das fadas.
A trama é contada a partir de dois pontos de vista e, em entrevista à CAPRICHO durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro, Black refletiu sobre o impacto das diferentes perspectivas que compõem o enredo: “De certa forma, a Wren tem uma história paralela com a de Jude, só que inversa“, ressaltou. “Ela é uma fada mas fica meio assustada com isso. Então, uma das coisas que eu realmente queria fazer com a Wren era estabelecer esse paralelo para que meio que víssemos uma espécie de inversão da mesma história”, acrescentou ela sobre as semelhanças e singularidades entre a protagonista atual e sua antecessora.
Enquanto o primeiro livro explorou o ponto de vista de Wren, o segundo vai dar voz aos pensamentos de Oak, adicionando ainda mais camadas ao texto da autora – que nos revelou estar editando capítulos minutos antes da entrevista. “Ele tem um ponto de vista divertido porque ele é meio que um piadista e tem essa forma de ver as coisas que, às vezes, é estranhamente otimista“, analisou Black sobre a escolha de trazer um ar esperto e sarcástico nos detalhes do príncipe.
“Ele sempre me interessou por ser uma pessoa de uma família que fez muitos sacrifícios por ele. Oak cresceu em uma família de assassinos e traidores que dizem: ‘Você, não. Você vai ficar bem.’ Mas como ele poderia ficar bem nessa situação? Então ele se tornou um deles, mas tenta esconder isso“, pontuou ela sobre o núcleo familiar de Oak – formado por suas irmãs Vivi, Taryn e a própria Jude, além de Madoc, que desempenha uma controversa figura paterna com um papel chave na trajetória de cada um.
O fato dos dois protagonistas de Black serem irmãos e estarem politicamente ligados pelas questões do Reino das Fadas fez com que fosse quase inevitável trazer Jude e Cardan para o desfecho de O Trono do Prisioneiro, oferecendo um desafio a mais na escrita de Holly. Desta vez, ela precisou encontrar uma forma de explorar seus antigos personagens através do olhar de outra pessoa sem que eles tomassem dominassem os acontecimentos da nova narrativa.
“Acho que é divertido escrever na perspectiva de outra pessoa, para vê-los de fora”, refletiu. “A coisa mais difícil é que você tem esses personagens que as pessoas já conhecem muito bem e que são poderosos. Então, você precisa fazê-los não assumir o comando da história. Para tê-los de uma forma que seja possível eles serem parte sem estar no controle”, explicou a autora.
Fadas não mentem… mas enganam
Ao utilizar diferentes contos e antigas histórias como referências, Holly Black trouxe o fato de fadas não poderem mentir como uma característica que deixa suas histórias envolventes e as reviravoltas ainda mais impressionantes. Afinal, como prever o que está errado quando todas as afirmações são verdadeiras? As armações – e são muitas nos livros da autora – fazem com que você desconfie até mesmo dos protagonistas.
“É algo divertido de explorar. É uma restrição divertida de ter porque você sabe que uma das coisas que o leitor está tentando fazer é montar o quebra-cabeça do que está acontecendo“, pontuou Black. Ao analisar a limitação, a autora admite que deixa seu trabalho mais difícil, muitas vezes por conta de frases simples como um “estou bem” que não poderia ser dito em diversas situações, mas que também é um bom recurso para surpreender o leitor.
“É legal saber que existem algumas limitações nos truques possíveis. Acho que deixa o jogo mais divertido e mais complicado como escritora. […] Perguntas são excelentes formas de mentir. Existem formas de enrolar, mas é complicado se lembrar de todas”, confessou ela sobre a técnica para desviar a atenção de detalhes importantes deixados no decorrer da história. Entretanto, ela brincou que foi bom poder escrever personagens mentindo em Livro da Noite, seu primeiro livro de fantasia adulta.
Black aproveitou para compartilhar que conversa muito com Cassandra Clare, sua amiga de longa data e autora de grandes livros como Os Instrumentos Mortais, sobre o desenvolvimento do universo mágico e suas características: “Cassie e eu nos interessamos por muitos dos mesmos livros. Acho que isso realmente influenciou nossa visão do que é o Mundo das Fadas e como ele funciona.”
É sempre divertido conversar sobre fadas com ela, porque ela odeia escrever sobre isso e reclama constantemente”, contou ela aos risos. “Os livros dela foram adentrando mais e mais o mundo das fadas e, enquanto ela reclama, eu vejo e aproveito!”
Cassandra Clare e Holly Black se conheceram em uma sessão de autógrafos da série Contos de Fadas Modernos e logo se tornaram grandes amigas.
Anos mais tarde, Cassandra fez uma dedicação para Holly em Dama da Meia-Noite, que explora o Reino das Fadas com mais profundidade: “Para Holly. Élfico, ele era.”
Já na dedicação de O Príncipe Cruel, Holly escreveu: “Para Cassandra Clare, que finalmente foi seduzida pelo Reino das Fadas.”
“Nossos amigos em comum”
A forte conexão com os leitores pôde ser vista por Black ao vivo na Bienal do Livro. Em uma competição de fantasias, diversos fãs se empenharam em montar visuais inspirados nos personagens dos livros dela e também de Cassandra Clare, com interpretações e detalhes impressionaram as autoras. Mas, antes mesmo de presenciar o desfile do público, a escritora já reconhecia essa ligação com o público.
“Significa muito para mim. Uma das coisas realmente especiais que penso ao conversar com os leitores é que esses livros são, essencialmente, pessoas que vivem na minha cabeça”, descreveu ela. “Então, conhecer outras pessoas que leram os livros, gostaram desses personagens e se preocupam com eles é como conhecer pessoas com quem compartilhamos amigos. Nós pensamos: ‘Ah, a Jude? Sim, eu a conheço’. Mas a maioria das pessoas não.”
Para Holly, a possibilidade de ter esse tipo de relação com os leitores é algo especial e uma oportunidade de dividir um universo único, mesmo que fictício: “Tenho a chance de conversar sobre nossos amigos em comum”, disse. A autora aproveitou para destacar como estava sendo a experiência de conhecer os fãs brasileiros pessoalmente após tantos pedidos no estilo “venha ao Brasil” nas redes sociais.
Eles comentam nas minhas publicações no Instagram há anos. Está sendo muito especial estar aqui e, finalmente, poder conhecer as pessoas que eu sinto que me conectei online.
Holly Black sobre fãs brasileiros
O Povo do Ar nas telas?
Quando questionada sobre a possibilidade de uma adaptação de seu universo, Holly destacou que a atual greve dos roteiristas nos Estados Unidos impede que qualquer conversa sobre o tema seja levada para frente, mas que adoraria que isso acontecesse.
Ao recomendarmos uma série animada, ela revela que já recebeu essa sugestão de outras pessoas: “Eu adoraria ver algo animado. É complicado mas eu acho que seria muito divertido. Eu cresci em uma época com animações adultas, então, sim, seria incrível. Dedos cruzados para isso!”
Vamos torcer para continuarmos explorando o Reino das Fadas de Holly Black!
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