Tudo o que rolou em O Namorado, ou The Boyfriend, no original, continua fresco na memória de Alan Takahashi. Participante do primeiro reality show japonês de namoro entre pessoas do mesmo gênero da Netflix, o nipo-brasileiro, de 29 anos, não esconde a alegria que está sentindo desde a estreia do programa, em julho.
“Estou muito feliz. É emocionante ver uma história que vivi sendo exibida para milhões de pessoas ao redor do mundo. Foi um grande aprendizado, e me sinto grato por ter participado de um programa tão importante para a comunidade LGBTQIAP+, especialmente a japonesa”, disse ele em entrevista à CAPRICHO. No Japão, poucas celebridades são abertamente gays e o casamento igualitário ainda não é reconhecido pelo governo.
Na produção, nove homens, entre 22 e 36 anos, dividem uma casa de praia chamada Green Room durante um mês. Enquanto aprendem a conviver e a trabalhar em equipe administrando um trailer de café, eles discutem sobre sexualidade, identidade, compartilham descobertas, decepções amorosas e preconceitos já enfrentados. Ao longo dos 10 episódios, também há espaço para que a conexão entre eles aumente e, consequentemente, um romance aconteça.
Desde a sua entrada no reality, Takahashi cativou os demais participantes com sua energia positiva, uma postura madura e o gingado que só o brasileiro tem. “Eu gosto de ouvir o que a outra pessoa sente. Acho que, muitas vezes, isso se conecta com as experiências que já vivi. Mas sempre há coisas novas a aprender. Quando comecei a conviver com pessoas totalmente diferentes de mim no programa, percebi que a forma como elas viam, viviam e sentiam os momentos era muito distinta. Isso me fez aprender bastante, todo dia era uma oportunidade nova de aprendizado”, afirmou.
De olho na repercussão do programa, especialmente entre o público brasileiro, o profissional de tecnologia da informação contou que não para de receber mensagens carinhosas em suas redes sociais desde o episódio final, exibido nesta semana.
Vejo todos os comentários e mensagens que me enviam, e é incrível como são sempre cheios de amor. Essas mensagens confortam meu coração e são muito positivas. Eu fui eu mesmo, sem a intenção de representar o Brasil de forma deliberada, como se estivesse carregando uma placa ou levantando uma bandeira. Simplesmente fui eu mesmo. Receber tanto apoio e acolhimento do Brasil tem sido algo muito especial e mágico para mim.
Alan Takahashi
Leia a conversa completa com Alan a seguir:
CH: Embora tenha nascido em uma cidade do interior de São Paulo, você se mudou com a família para o Japão aos 2 anos de idade, e, desde então, nunca mais voltou ao país. Como foi crescer e se descobrir gay do outro lado do mundo?
Alan: Aqui, antes de ser um homem gay, eu sou um estrangeiro. Por ser estrangeiro, a gente já sofre discriminação. O Japão é um país com muitas regras, na escola aprendemos que se destacar ou ter uma opinião diferente nem sempre é aceito. Você tem que ser igual a todo mundo. Na infância, eu sofria bullying por ser diferente, por gostar de brincar mais com as meninas, não gostava de futebol porque achava violento e preferia ficar desenhando.
CH: E você sente que isso melhorou?
Alan: Antes eu tinha medo de falar sobre, tentava me esconder e disfarçar. Não existiam muitas referências na TV nem famosos LGBTQIAP+. Mas depois eu comecei a crescer e me cercar de pessoas que me amavam do jeito que eu sou.
CH: Como é ser um homem gay hoje em dia no Japão?
Alan: Eu sinto que o Japão está melhorando bastante, mas a cultura japonesa ainda é mais reservada. Eu ainda percebo um certo desconforto nisso. Por exemplo, andar com uma pessoa que você gosta, como um namorado, e não poder segurar a mão porque as pessoas vão ficar olhando.
Nos relacionamentos gays, noto que há uma grande preocupação com o que as pessoas vão pensar. Isso pode prejudicar muito o namoro, tornando difícil compartilhar sentimentos. Por outro lado, no ambiente de trabalho, muitas empresas estão se abrindo para aprender, o que torna a vida LGBTQIAP+ menos difícil.
CH: Ao mesmo tempo, o reality ficou em primeiro lugar no Top 10 da Netflix Japão. Como você enxerga todo esse sucesso?
Alan: O reality foi importante demais. Antes, eu estava preocupado, pois o Japão inteiro estava assistindo, mas o impacto tem sido muito positivo. Vejo as pessoas compartilhando seus sentimentos comigo por meio de mensagens e comentários, conectando-se com a minha história.
CH: Qual foi a parte mais divertida de gravar o reality?
Alan: A parte mais divertida é que todos os participantes ficaram assustados com o meu jeito espontâneo e alegre de lidar com as situações. Como na casa não tocava música e eu amo dançar, eu passei a cantar e a mexer a raba enquanto eles cozinhavam e faziam outras coisas. No meio da temporada, eu já usava isso como artifício para deixar o ambiente mais divertido e descontraído.
CH: Inclusive, precisamos saber qual era a música que você estava ouvindo no fone enquanto dançava e regava as plantas.
Alan: Tenho certeza que era alguma música da Anitta, só não lembro qual exatamente. Acho que era “Vai Malandra”, eu sou apaixonado por aquela música. Meu sonho é ir num show da Anitta.
CH: No programa, você também abriu o coração e contou sobre ter crescido longe do seu pai, que foi preso quando você ainda era uma criança. Você tem vontade de reencontrá-lo?
Alan: Tenho muita vontade de poder abraçá-lo. A lembrança que tenho dele é de alguém que vai ao parquinho para brincar comigo e acaba brincando com todas as crianças que estão lá. Ele vai a um churrasco e faz amizade com todo mundo. Essa imagem que ele deixou é a base de tudo para mim. Então, realmente, existe essa ligação especial. Quero muito, um dia, conhecê-lo de novo e poder contar sobre a trajetória que percorri na sua ausência.
CH: E você sente vontade de voltar ao Brasil?
Alan: Nossa, demais. Eu quero conhecer todos os lugares, principalmente São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador. Vou me acabar de dançar no Carnaval. Sou apaixonado por samba, axé, forró, pagode. Gosto de tudo mesmo. Eu preciso conhecer o Brasil.
CH: É incrível como a sua conexão com a cultura brasileira se manteve tão viva.
Alan: A cultura brasileira me salvou. Em vários momentos difíceis da minha vida, foi a música brasileira que me ajudou a manter viva uma parte de mim pela qual hoje sou apaixonado.
CH: Além de Anitta, que outros artistas brasileiros você gosta de escutar?
Alan: Anitta é a rainha, ela é a patroa. Mas eu também adoro a Luísa Sonza, Marina Sena, Urias, Pabllo Vittar. Também não posso deixar de fora o grupo É o Tchan!
CH: Você e os outros participantes continuam amigos?
Alan: Nós somos amigos. Ainda mantemos contato e temos um grupo de conversa. Logo que o reality show foi ao ar, em cada episódio novo que saía, a gente comentava sobre como tudo foi especial. Às vezes, também fazemos piadas e brincamos. Temos um relacionamento legal e estamos planejando nos reunir novamente em breve.
CH: Precisamos saber: você e Kazuto ainda estão juntos? Como anda a relação entre vocês depois que o programa terminou?
Alan: Nós conversamos praticamente todos os dias. O que posso dizer é que o Kazuto é uma pessoa maravilhosa. Quanto mais você o conhece, mais percebe o quanto ele é gentil, educado e sempre pensa nos outros. Ele é cozinheiro e ama preparar algo que preencha as pessoas de alguma forma. Ele gosta de fazer os outros felizes, e estar perto de alguém assim é muito importante para mim.
CH: Como você define o Kazuto?
Alan: Acho que abrigo e bondade. Ele sempre tem um jeito carinhoso, sabe como confortar e cuidar dos sentimentos que chegam até ele. Acho esse traço de personalidade lindo.
CH: Uma lição valiosa que você aprendeu em The Boyfriend?
Alan: Respeito. Viver com pessoas totalmente diferentes me ensinou a saber esperar, a ouvir. Isso foi uma lição muito valiosa que eu vou levar para o resto da vida.
CH: Que recado você gostaria de deixar para os fãs brasileiros?
Alan: Eu quero muito agradecer, antes de mais nada, por vocês terem assistido ao programa. Estou do outro lado do mundo, mas vi vocês acompanhando em tempo real, acordando de madrugada para assistir todos os episódios. Senti o carinho e o amor de vocês a cada semana, e isso foi maravilhoso.
Vou sentir muita saudade. Espero um dia conhecer vocês pessoalmente aí no Brasil, olhar nos olhos, abraçar, e poder conversar sobre tudo o que aconteceu naquela casa. Sonho muito com isso e espero realizar esse sonho em breve.