Relação de Viny e Eliezer mostra como responsabilidade afetiva importa
Quando a homoafetividade está na mesa, há outras nuances que precisam ser consideradas. A gente te explica.
Vyni foi eliminado do BBB22 após cravar 55,87% de rejeição. O cearense da cidadezinha de Crato não cativou tanto assim o público do reality e um dos motivos para isso foi sua relação – apontada às vezes como abusiva, às vezes como confusa – com Eliezer. Muitos telespectadores não conseguiram entender se houve uma amizade ou paixão platônica.
Mas o que a repercussão da convivência entre esses dois homens na casa mais vigiada do Brasil pode ensinar sobre responsabilidade afetiva e solidão do homem gay? A CAPRICHO ouviu especialistas que explicam porque há elementos que precisam ser considerados.
“Enquanto homem hétero, deve ser difícil para o Eliezer compreender como sua forma de comportar gera expectativa e impacto no outro e por isso tem sido criticado por seduzir e se aproveitar do carinho e afeto que recebe do Viny”, analisa o psicólogo e psicoterapeuta Jonnanh Nascimento, especializado em tratamento da população LGBT+.
“Do outro lado, para o Viny, um homem gay com pouca experiência, existe uma espécie de deslumbre ao se deparar, possivelmente numa das primeiras vezes de sua vida, com a reciprocidade afetiva de outro homem”, completa.
A tal da responsabilidade afetiva: como lidar?
Durante a seletiva do reality, Viny, que tem apenas 24 anos e é homossexual, revelou que seu primeiro beijo foi aos 19 anos e que “pretendia curtir todas as festas do programa”. Mas dentro do reality, além de se divertir nas festas, Viny também contou como já viveu se escondendo e com medo de expressar sua sexualidade, e o quanto isso o tornou inseguro.
o vyni emocionado com os elogios dizendo que ja viveu se escondendo e com medo de ser quem é por causa de muita coisa pesada que ouviu no passado e que isso leva a confiança da essa lá pra baixo
— fer (@titchelx) January 18, 2022
O jovem é formado em Direito, mas não exerce a profissão e antes de entrar no reality trabalhava no restaurante da família e fazia vídeos para ganhar uma renda extra como influencer nas redes sociais. O lado dele já chamou a atenção do humorista Tirulipa, que compartilhou um vídeo em que ele reclamava sobre a falta de água na região em que mora.
Após a eliminação nesta última semana, Vinícius disse em conversa com Rafa Kalimann que sua relação com Eliezer é de amizade, mesmo com uma expressão de afeto que aparenta ir muito além disso para os telespectadores e fãs do programa . “Eu sinto um amor tão grande por ele! É uma coisa de amigo, de irmão, que eu não sei explicar”, disse.
Uma das declarações dele que chegou a viralizar nas redes sociais foi quando ele disse para Eliezer “abaixa mais a mão, finge que você gosta de mim como você gosta da Nat”, disse o cearense. Em uma conversa dentro da casa sobre a possibilidade de ser eliminado, ele disse também que deixaria uma lista de tarefas para que cuidassem bem do Eliezer.
Já algumas declarações de Eliezer no reality deram a entender que ele poderia ser bissexual, mas isso não foi confirmado pelo participante. No programa, ele apenas se relacionou com mulheres, Maria e Natália. Para Fernando Bertozzi, ativista e responsável pela Parada LGBT+ no município de Búzios, no Rio de Janeiro, se em algum momento ele percebeu que havia um sentimento a mais de Viny, faltou conversar e explicar a situação.
“Mas é difícil entender o que se passa ali, pois o confinamento faz com que haja carências. Imagina você ter que ver as mesmas pessoas todos os dias? Na vida real é diferente. A gente volta pra casa, sai com amigos, estuda, trabalha e ocupa a mente. Ali dentro a gente é obrigado a conviver, e às vezes sentimos algo que nem é tão real assim”, analisa.
Já para a psicóloga Célia Siqueira, comentários que podem ser traduzidos em brincadeiras podem ser perigosos, uma vez que uma das partes pode compreender com pouca racionalidade e alimentar uma expectativa e gerar impacto inesperado no outro.
“Jogos do tipo podem levar a uma autodestruição, no sentido de que uma das partes pode acabar sofrendo com a ilusão, e tendo até que enfrentar síndromes de depressão e pânico”, avalia a especialista. “A falta de afetividade do homem hétero nesse caso pode ser uma incompreensão de não saber lidar com zonas afetivas”.
Para o psicoterapeuta Jonnanh, também é preciso olhar sobre como pessoas entendidas como homens socialmente são educadas para expressar suas emoções. Segundo ele, “há uma falta de educação [emocional], com frequência, cria nos homens um sentimento de alienação”.
“Isso torna difícil nomear e perceber como, de fato, as coisas os afetam”, aponta. “Se a alienação acontece com os próprios sentimentos, imagino que deva ser difícil para que estes mesmos homens consigam ouvir e cuidar dos sentimentos de um outro.”
“Enquanto homem hétero, deve ser difícil para o Eliezer compreender como sua forma de comportar gera expectativa e impacto no outro e por isso tem sido criticado por seduzir e se aproveitar do carinho e afeto que recebe do Viny. Do outro lado, para Vinicius, um homem gay com pouca experiência, existe uma espécie de deslumbre ao se deparar, possivelmente numa das primeiras vezes de sua vida, com a reciprocidade afetiva de outro homem”.
A solidão do homem gay
Em meio às discussões sobre responsabilidade afetiva, surge um outro elemento: a violência e a solidão do homem gay.
O perfil Igreja de Santa Cher na Terra, que produz conteúdo sobre a comunidade LGBTQIA+ publicou um texto afirma que “é muito triste ver que a única forma que Vyni encontrou para receber afeto seja implorando por algo que não é genuíno, mas um ‘fazer de conta’, uma réplica, uma cópia do que ele sentiria por outra pessoa”.
“Vyni é um garoto gay, preto, nordestino e afeminado, que vive numa cidade do interior onde a homofobia é muito mais forte do que nas metrópoles. Afeto, especialmente vindo de um homem, talvez não seja algo com o qual ele esteja acostumado, talvez seja algo que ele nunca tenha recebido e, por isso, ele claramente clama por isso”, continua o texto.
Muitas generalizações foram feitas sobre o fato de que implorar por amor é algo digno de pena, mas nem sempre esse recorte envolvendo a orientação sexual do ex-BBB foi feito. Para Fernando Bertozzi, a solidão do homem gay é real, principalmente quando ele vive em um meio conservador e preconceituoso.
“[Eu] cresci em um ambiente totalmente heteronormativo [dentro da norma, do padrão], me fazendo acreditar que gostar de outro garoto não era normal. E por isso acabava gostando de meninos heterossexuais por desconhecer a existência da homossexualidade. Na adolescência, graças à internet, percebi que existiam pessoas como eu e que não era tão errado assim o que eu sentia. Mas muitas pessoas ainda vivem nesse mundo fechado.”
Jonnanh Nascimento concorda e alerta que pessoas que não se encaixam no padrão carregam consigo um histórico de traumas relacionados à sua vivência afetivo-sexual. “Desde a infância, aprendemos que qualquer forma de existir que não seja no padrão masculino/feminino heterossexual cisgênero está errado, é sujo, motivo de vergonha e um pecado“, explica.
“Viver dentro de uma sociedade que pune pessoas que se colocam fora desse padrão é extremamente doloroso. Sendo assim, sempre que falamos de relacionamentos e todas as suas questões, é fundamental entender que não podemos generalizar e que a experiência afetivo-sexual de pessoas héteros não é a mesma de pessoas LGBT+”, pontua.
É consenso entre os especialistas o quão fundamental é compreender que ambos são homens com vivências muito diferentes. De um lado, há um homem que já teve diversas experiências afetivo-sexuais, que pode explorar sua sexualidade e que compreende o que funciona para si. Do outro, há um homem imaturo, que há pouco teve sua primeira relação sexual e que vive uma fase de descobertas, onde tudo parece ser novo.
“A relação do Viny e do Eli é um ótimo exemplo para entendermos que todos temos um valor pessoal, ainda que muitos não se sintam como se tivessem. A responsabilidade afetiva começa por si, no momento em que percebo quais as necessidades pretendo satisfazer com minhas relações adultas e, claro, como isso reverbera no outro”, finaliza Bertozzi.