“Não serei interrompida e não aturarei a interrupção de um cidadão que vem aqui e não sabe ouvir a posição de uma mulher eleita“, disse Marielle Franco em seu último discurso no plenário da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Seis dias depois, a vereadora foi assassinada no centro da cidade. Ela estava voltando de um evento de empoderamento de mulheres negras quando o carro em que estava foi perseguido e cercado por outro veículo. Tiros foram disparados contra a cabeça de Marielle. Ela morreu no local, assim como o motorista Anderson Gomes.
Faz um mês que isso aconteceu e, até então, poucas coisas foram descobertas pelas polícias Civil e Federal. Juridicamente, o caso parece estar longe de ser solucionado. Mas nas ruas, nos espaços públicos, nas comunidades, Marielle Franco se encontra mais presente do que nunca! A frase “Quiseram nos enterrar, mas não sabiam que éramos semente” foi uma das mais reproduzidas durante os atos #MariellePresente pelo mundo, inspiradas por essa força que está vindo daquelas que mais se sentiam representadas pela vereadora. Em meio a tantas questões em aberto, dúvidas e suposições, é reconfortante saber que a luta continua – e que as sementes estão dando frutos diariamente.
Anielle Franco, de 33 anos, estava colocando a filha para dormir quando soube da morte da irmã. Uma amiga entrou em contato e ela, no mesmo instante, pegou seu carro e se dirigiu ao local do crime. Infelizmente, era tudo verdade. Isabella de Sousa, de 23 anos, estudante de Letras da UFRJ, estava arrumando as coisas para a aula do dia seguinte quando recebeu a notícia. “Descartei de cara a possibilidade de assalto. Meu coração apertou. Não dormi bem naquela noite”, conta. A professora de História Alana Rafaelle, também de 23 anos, reagiu da mesma maneira atônita: “Depois que me dei conta de que Marielle realmente estava morta, me senti morta também“.
Todas as mulheres com quem conversamos eram próximas da vereadora de alguma maneira, seja fazendo parte da família ou simplesmente acompanhando à distância os projetos de lei da “Cria da Maré”. Apesar de terem vivências diferentes, todas, sem exceção, viam em Franco uma semelhante. “Sou (no presente e sempre no presente) representada por ela porque ainda existem pessoas que olham para as favelas e não acreditam que somos tão importantes quanto qualquer outra parcela da sociedade”, garante Jessica Santos, de 26 anos, estudante de Jornalismo e moradora do Realengo. Natalaya Rodrigues, de 27 anos , estudante de História, também encontrou em Marielle uma líder que buscava há tempos na política: “A firmeza e força que ela passava em nossos encontros me fez ter forças para lutar”.
Nat, contudo, duvidou de si mesma depois de perder uma de suas grandes referências: “Me questionei se teria forças para voltar a fazer as rodas de conversas com jovens negras e falar que, quando fazemos o bem, é sempre melhor”. Mas ela logo se lembrou de uma coisa: balas não matam ideias. “Ela era quase como um espelho. Uma mulher negra chegar tão longe não é fácil”, assegura Isabella sobre a falta de oportunidades. Desigualdade é algo que tira Alana Rafaelle do sério: “Numa sociedade patriarcal e machista, ela não tinha medo expor o que pensava. Ela era uma grande representante das mulheres, dos negros, da periferia e do movimento LGBTQ+“, afirma sobre Marielle.
Amanda Mendonça, de 33 anos, professora da UNESA e da UFRJ, conheceu Marielle Franco em 2016. Elas foram apresentadas por um amigo e o que mais chamou a atenção da carioca era o fato de a moradora da Maré ser firme, mas sempre estar disposta a ouvir. Para Amanda, essa é uma qualidade cada vez mais rara no meio político. “A morte da Mari é, dentre muitas coisas, uma tentativa de nos calar”, opina. “O que mais chamava minha atenção era como ela fazia marcante sua presença como mulher negra em um local predominantemente ocupado por homens brancos“, acrescenta Jessica Santos.
Se a polícia continua investigando e levantando provas, a professora Amanda Mendonça tem uma aposta sobre um dos muitos motivos que levaram Marielle a ser assassinada: “Sua capacidade de diálogo, de agregar a diversidade”. Alana Pereira concorda: “Era negra, mulher, favelada e pautava projetos para os invisibilizados”. Por tudo isso, a perda não foi fácil para Milena Santos e sua família: “O chão se abriu diante de nós. Achei que minha mãe fosse morrer”.
Foi essa representatividade que transformou a luta da vereadora carioca em adubo para suas sementes, que encontram nas incertezas a certeza de que agora, mais do que nunca, não é hora de se calar. “Foi através de sua luta que tive coragem de iniciar minha militância, e foi com muitos discursos dela que consegui me desprender de pensamentos que só me faziam ser contra quem eu sou“, conta Natalaya Rodrigues. Alana Rafaelle completa: “Uma das coisas que Marielle deixou em seu legado é a importância do grito de liberdade, de denúncia aos abusos. Além de ser uma ativista na luta pela igualdade social, é claro. Hoje, faço questão de seguir seus passos e fazer com que outras mulheres, principalmente as negras e do movimento LGBTQ+, tenham cada vez mais espaço. Tentaram calar Marielle, mas agora Marielle somos todas nós”. A jovem é empoderada por Milena Santos: “Quando mataram ela, mataram um pouco de mim também. Mas se ela tivesse sobrevivido, ela se levantaria, mesmo machucada, e é isso que eu vou fazer. Como uma semente, mesmo com todas as adversidades, vou me levantar por ela e por todas nós“.
Jessica Santos garante: “Sou semente dela porque sou semente da favela”. Anielle Franco, irmã de Marielle, encerra: “Independentemente da demora, torço para que o caso seja solucionado. Não só pela minha família, mas por todos que pedem justiça. Sou semente de minha irmã militando e levando adiante parte do seu legado. Sou semente dela continuando presente“.
São essas mulheres, e tantas outras pelo mundo, que não serão interrompidas.