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Se os episódios do BBB19 não te incomodam, você é, sim, um privilegiado

Ou, no mínimo, alguém que precisa sair da bolha em que vive.

Por Isabella Otto Atualizado em 24 mar 2019, 10h02 - Publicado em 24 mar 2019, 10h02

Há quase 20 anos no ar, o Big Brother Brasil é um programa de sucesso e, por mais que você faça parte daquele grupo que acredita que o reality é uma perda de tempo e totalmente anticultural, não tem como negar: a fórmula do triunfo é simples. Afinal, um dos passatempos mais antigos da humanidade é cuidar da vida alheia e ver a interação entre pessoas, e como ela pode ter tóxica em muitos casos, estimulada por diferentes modos de pensar, choques culturais, brigas, romances e fofocas.

Votação que antecedeu o paredão de Danrley, Paula e Carol. Reprodução/Reprodução

Na última terça-feira, 19, Danrley Ferreira foi eliminado do programa com com 61% dos votos. O participante de 19 anos, morador da Rocinha, comunidade carioca, foi considerado por muitos um dos favoritos no início da edição. Jovem, espirituoso, militante, vendedor de picolé na praia e universitário, o adolescente tinha tudo para chegar lá. Porém, no paredão contra Paula Sperling e Carol Peixinho, levou a pior. Muitos acreditam que ele acabou se perdendo no jogo ao dar atenção demais às câmeras espalhadas pela casa, numa atitude desesperada de chamar a atenção e ganhar o público a qualquer custo. “Vtzeiro” foi o apelido que ganhou de parte dos telespectadores. A eliminação de Danrley, contudo, repercutiu dentro e fora da casa por outra razão: o jovem negro, pobre e militante foi eliminado enquanto outra jovem, branca, de classe média e com posicionamentos racistas, continuou no jogo.

Choca-se com esse fato apenas aqueles que vivem em Marte, estão de férias na Europa há uns dois anos ou vivem em um universo totalmente paralelo (ou numa bolha), porque esse e tantos outros episódios dentro do BBB19 são um retrato fiel da sociedade em que vivemos – e da atualidade. Para fazer essa análise, voltemos um pouco no tempo, mais precisamente à final do BBB18. Gleici Damasceno foi a grande vitoriosa da edição. Uma mulher pobre, do norte do país, única pessoa da família a se formar na escola e cursar uma universidade, militante negra e feminista. A jovem de 23 anos não era uma privilegiada nem se tornou uma após vencer o prêmio, isso porque o dinheiro que recebeu não fez com que cessassem os comentários preconceituosos sobre ela e sua posição na sociedade.

Em uma comunidade patriarcal e racista, ser privilegiado significa estar total ou parcialmente inserido dentro dos padrões estipulados por ela. Imagine um homem branco, heterossexual, loiro, de olhos claros, cabelo liso, bem sucedido, com plano de saúde particular, carro próprio, que faz pelo menos uma viagem internacional por ano sem se preocupar com dinheiro e não é descriminado pela sua aparência nas ruas. Imaginou? Podemos dizer que essa é a figura mais privilegiada que vive entre nós. (risos nervosos) Depois dele, vem aquela mulher com traços europeus que, apesar de ser mulher e provavelmente já ter enfrentado situações machistas em seu dia a dia, não é insultada, agredida ou abusada por sua cor de pele. Ela também não sabe o que é ser recusada em uma entrevista de emprego por causa do cabelo black power ou por ser considerada gorda. A aparência ainda conta muito no mundo em que vivemos e suaviza incontáveis situações. Se o dinheiro pode comprar uma fiança inafiançável, a aparência pode ludibriar as pessoas. E a gente também observa isso no Big Brother.

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Elana e Rodrigo chorando após saída de Danrley. Reprodução/Reprodução

Quando dizemos que apenas privilegiados não se sentem incomodados com vários episódios que ocorreram no reality, como a saída de Danrley, nos baseamos em tudo isso que foi citado. Você podia não torcer pelo carioca e ter várias ressalvas com relação ao comportamento dele na casa (eu tinha, não vou negar), mas o fato de ele ter sido eliminado numa batalha contra uma pessoa que já disse ter sofrido racismo inverso, que é contra cotas e que desvalidou a luta dos negros em diversos momentos do programa, deixa um gostinho amargo demais, principalmente na boca de quem já se sentiu ofendido pela participante, cuja torcida é grande.

Vale destacar que existem pessoas que se acham privilegiadas mas não são. Geralmente, são aquelas que já sofreram por não se encaixarem em algum dos padrões sociais, porém não perceberam isso, seja por ignorância (falta de conhecimento, não burrice) ou por convicto preconceito e inexistência de empatia  Em ambos os casos, falta entender a realidade do outro e, acima de tudo, a própria realidade. Reconhecer seus privilégios é se colocar no lugar de terceiros, princialmente daqueles que têm uma vivência diferente da sua, e perceber que pode ser ruim pra todo mundo, mas que para algumas pessoas é historicamente mais cruel, injusto e sofrido.

É por isso que a saída do Danrley Ferreira doeu tanto. Não é (mimi)militância ou vitimismo. É porque uma galera que se sentia representada por um jovem negro, pobre e morador de comunidade, mais uma vez, viu alguém que deu a entender que todo “faveladão” é bandido e que incentivou pessoas a confundirem racismo com “sinceridade e realismo” levar a melhor. Pode não doer para você, que nunca passou por nada disso, mas dói para quem se identifica com esse episódio. E com tantos outros. Não tem problema ser/nascer um privilegiado. Tem problema não enxergar isso e, automaticamente, ser diagnosticado com cegueira social.

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