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O papel da amiga diante de um relacionamento abusivo

Uma reflexão sobre relações abusivas, loucura e cegueira temporária da vítima.

Por Isabella Otto Atualizado em 11 jun 2019, 18h47 - Publicado em 11 abr 2017, 14h07

Eu nunca vivi um relacionamento abusivo e não posso falar em nome da Emilly, da Maria, da Bruna, da Sandra, da Jessica e das incontáveis mulheres pelo mundo. Mas eu já tive mais de uma amiga que passou por isso. Que eu me lembre de imediato, três. Todas não enxergavam o que estavam vivendo. Meu papel como amiga foi alertá-las, mesmo elas não querendo ouvir ou não acreditando. Mas eu joguei limpo e é isso que devemos fazer quando uma amiga estiver envolvida em uma relação abusiva.

A cegueira causada pelos relacionamentos abusivos
Reprodução/Reprodução

É fácil para quem está acompanhando de fora perceber que as coisas não estão certas, que estão tomando proporções preocupantes e até criminosas. É tão claro que, às vezes, ao invés de ajudar a amiga, a vítima, acabamos a julgando, a incriminando, a tratando como alguém fraca, burra. Não é nada disso. Ela só está temporariamente cega.

Não sou formada em medicina nem graduada em Grey’s Anatomy ou House, mas existe um termo médico chamado cegueira temporária (ou cegueira fugaz). Ela pode ser causada por fatores externos, como mau uso de smartphones ou produtos químicos, e por fatores internos, como problemas cardíacos ou psicológicos. Relacionamentos abusivos envolvem agressão psicológica e física. Traçando um paralelo bem simplório, é como se essas agressões fossem as causas da cegueira temporária da menina. Não é sem-vergonhice ou falta de amor próprio, como estamos acostumados a ouvir por aí. É um problema e, assim como a cegueira fugaz, não deve ser ignorado.

Caso Emilly e Marcos
Comentário retirado das redes sociais. O fato de Emilly não enxergar que está vivendo um relacionamento abusivo é tratado como “burrice”. Reprodução/Reprodução
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Caso Emilly e Marcos
Comentário retirado das redes sociais. O fato de Emilly não enxergar que está vivendo um relacionamento abusivo é tratado como “sem-vergonhice”. Reprodução/Reprodução
Caso Emilly e Marcos
Comentário retirado das redes sociais. O fato de Emilly não enxergar que está vivendo um relacionamento abusivo é tratado como “falta de atitude”. Reprodução/Reprodução

Ao negarmos apoio às vítimas de relacionamentos abusivos, negamos também ajuda a uma pessoa que está temporariamente cega. Algumas mulheres, sozinhas, acabam enxergando depois de um tempo o que estão vivendo. Outras só se dão conta da sua realidade após alguém abrir seus olhos. Foi o que aconteceu com a participante Emilly, do Big Brother Brasil 17. Ela precisou que alguém fosse lá e a fizesse acreditar que aqueles roxos espalhados pelo corpo dela não eram consequências de um ato de proteção. Que os dedos apontados na cara, as mãos no pescoço e as imposições não eram “brigas de marido e mulher”.

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Algumas músicas, séries, comédias românticas, atitudes, falas e pessoas nos fazem acreditar que atos machistas são, na verdade, comportamentos cavalheirescos. Relacionamentos abusivos foram e continuam sendo romantizados. Entre no Twitter e veja quantos FCs para o casal Mally (Marcos e Emilly) foram criados. Todos usam a desculpa de que o participante estava agindo sob pressão, estava fora de si. Muitos culpam as atitudes e o gênio forte da jovem de 20 anos para justificar a forma como era tratada pelo parceiro. É um erro. Infelizmente, é mais comum do que deveria. Felizmente, muitas pessoas já estão percebendo isso com mais frequência. Minha avó enfrentou um relacionamento abusivo em uma época em que era feio se separar do marido, em que mulheres divorciadas (ou desquitadas, como se falava na época) eram vistas com maus olhos. E não importava o que a mulher vivia dentro de casa. Não importava se o marido bebia e a agredia verbal e fisicamente. Não importava se ela não pudesse ver TV e tivesse que dormir às 19h, quando não tinha sono, só porque o marido bêbado a obrigava. A mulher precisava aguentar, porque era feio ser separada. A culpa era da minha avó? A culpa é da Emilly?

Caso Emilly e Marcos
Quando machismo e cavalheirismo são confundidos. Reprodução/Reprodução

Encontrar justificativas para amenizar relacionamentos abusivos é contribuir para que a cegueira da mulher causada pela relação tóxica continue. Já não é fácil para ela aceitar que está passando por isso, porque mulher nenhuma quer ser agredida, quer viver sob pressão psicológica, receber ameaças. Na rua, com os vizinhos, amigos e até familiares, meu avô era incrível, educado, divertido. Ele era assim comigo. Dentro de casa, ele transformava a vida da minha avó em um inferno. “Nossa, mas ele é sempre tão legal e comunicativo. Difícil acreditar. Deve ser culpa da bebida, né?”, era o que ela ouvia. Como não se sentir maluca com tantas pessoas colocando em cheque e duvidando de tudo o que você está passando e dizendo? Como buscar ajuda quando, na verdade, a culpa não é do homem, mas da bebida alcoólica? Como Emilly perceberia o que estava acontecendo se o público continuava deixando Marcos na casa? Como ela o denunciaria, se o problema era o confinamento, a pressão do jogo? Percebe como é fácil para a vítima duvidar do que está acontecendo? Se conformar? Não ver?

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É aí que entra o meu, o seu, o nosso papel de amiga. Devemos ser parceiras das mulheres que vivem um relacionamento abusivo, devemos dar apoio, contar o que está acontecendo, fazê-las abrir os olhos que, muitas vezes, estão fechados por conta de uma paixão, por mais tóxica que ela seja. Pela minha avó, pelas minhas amigas, pela Emilly, pelas mulheres e por um mundo mais justo e bom para todos, com menos mulheres sendo tratadas como fracas ou malucas por não enxergarem o terror que estão vivendo.

 

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