No Brasil, um ativista morre a cada oito dias. Este dado, que pertence ao levantameto do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas, da ONU, coloca o país no 4º lugar do ranking de nações que mais assassinam defensores dos Direitos Humanos, em maioria os ligados às causas LGBTQIA+.
Contudo, nenhum ativista está a salvo. No primeiro domingo de junho (05), o indigenista Bruno Araújo Pereira, de 41 anos, membro da UNIVAJA (Organização Representativa da terra indígena do Vale do Javari-AM) e servidor em licença da Funai (Fundação Nacional do Índio), e o jornalista britânico Dom Phillips, de 57, colaborador do jornal The Guardian, desapareceram na região do Vale do Javari, no Amazonas.
A notícia repercutiu no mundo todo e as buscas começaram. O Corpo de Bombeiros, o Exército, a Polícia Federal e a Marinha uniram esforços, e, neste domingo (12), foram encontrados uma mochila e pertences pessoais amarrados a uma árvore submersa [em uma mata de igarapós], próximo à casa de Amarildo Costa de Oliveira, que mora na comunidade de São Gabriel e é um dos suspeitos do possível crime de homicídio
Os itens foram levados para a perícia e, no domingo à noite, a confirmação de que pertenciam mesmo aos ativistas desaparecidos veio à tona. No mesmo dia, a Polícia Federal também informou que material orgânico fora encontrado no rio da região. Em entrevista à rádio CBN Recife, o presidente Jair Bolsonaro confirmou a informação e disse que análises de DNA já estão sendo feitas em Brasília. “Os indícios levam a crer que fizeram alguma maldade com eles”, pontuou.
A família do jornalista também se pronunciou sobre o caso, dizendo que a Embaixada Britânica já havia lhes comunicado que dois corpos haviam sido encontrados. “Disseram que estavam amarrados a uma árvore, mas ainda não haviam sido identificados”, explicou Paul Sherwood, cunhado de Phillips, ao The Guardian.
O que os ativistas estavam fazendo na região?
Bruno Pereira e Dom Phillips foram vistos pela última vez na comunidade São Rafael, onde partiram rumo à Atalaia do Norte, no dia 5. A travessia de lancha pelo Rio Itaquaí duraria 2h, mas eles nunca chegaram ao seu destino. Ambos estavam trabalhando na Terra Indígena Vale do Javari, que corresponde à maior parcela populacional brasileira de povos indígenas isolados.
Desde 2015, o indigenista [indivíduo atuante na política de integração e proteção das populações indígenas] trabalhava na região com o intuito de conscientizar os ribeirinhos sobre a pesca legal e impedir a expansão do narcotráfico, hoje uma das atividades predatórias mais presentes no local.
O jornalista estava com Bruno documentando a ação do colega, que realizava entrevistas para um livro sobre preservação ambiental.
Os perigos do Vale do Javari
A Terra Indígena Vale do Javari tem 8,5 milhões de hectares de riquezas naturais, que são alvos da pesca e da caça ilegal, além do narcotráfico.
Os muitos caminhos fluviais desenhados pelo Rio Itaquaí favorece o escoamento de drogas. Os traficantes também tendem a financiar a pesca ilegal, com equipamentos novos e barcos, pois esses pescadores acabam ficando presos a eles de alguma forma, e ajudando com informações e viagens. Os muitos crimes acabam sendo unidos por um enorme ciclo de destruição – que se favorece da pobreza socieconômica local.
Alguns ativistas que se manifestaram sobre o caso disseram que nunca mais voltaram à região após receberem ameaças de morte ao tentarem expor esse sistema.
Em 2019, Bruno Pereira participou da Operação Korubo, que destruiu 60 balsas ligadas ao garimpo ilegal em terras indígenas, operação que ficou conhecida como uma das principais vitórias de ativistas contra garimpeiros.
Além disso, o indigenista já havia realizado mais de 12 viagens para Atalaia do Norte. Logo, era um nome bastante visado pelos criminosos.
Um mês após o sucesso da Operação Korubo, Bruno Pereira foi exonerado da Funai, onde exercia a função de Coordenador-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato. Em seu lugar, entrou um missionário evangélico chamado Ricardo Lopes Dias. A nomeação não agradou a UNIVAJA e Ricardo chegou a ser afastado do cargo duas vezes desde que o assumiu.
Segundo fontes ligadas à Funai, os princípios do ativista Bruno Pereira não batiam com os do delegado Marcelo Augusto Xavier, novo presidente da fundação, e com os do próprio governo Bolsonaro.
Quem é Amarildo Costa de Oliveira?
Conhecido na região como Pelado, o ribeirinho é pescador e caçador, e vende carne de animais silvestres e peixe para os moradores locais “como modo de sobrevivência”, segundo relatos de fontes anônimas.
Ele foi detido pela polícia por por posse de munição restrita e permitida. Sangue também foi encontrado em sua lancha e está sob análise.
Ronaldo Caldas, advogado de Amarildo, disse que seu cliente sofreu tortura por parte das autoridades. No laudo pericial, contudo, está escrito que o suspeito já chegou à delegacia com alguns hematomas pelo corpo.
Caldas reforça que seu cliente desmaiou três vezes após sofrer tentativas de asfixia. Investigações seguem sendo feitas para saber se há ligação entre Pelado e o caso envolvendo o indigenista e o jornalista britânico.
A quaquer momento, a perícia também deve apresentar o resultado do exame de DNA realizado nos corpos encontrados no rio.