Preconceito só gera desinformação sobre arromânticos e assexuais
Assim como Isaac, em Heartstopper, da Netflix, muitas pessoas ainda vão se descobrir (e ficar em paz com isso)
le bate de frente com as expectativas dos seus amigos – e da sociedade em geral, que insiste colocar o amor (romântico) e o sexo como regras. O Isaac, interpretado por Tobie Donovan, em Heartstopper, não existia nas HQs originais, que deram origem à série da Netflix. E que bom que ele apareceu na série.
Um pouco esquecido na primeira fase da história, o personagem introvertido e leitor ávido, finalmente, ganhou um arco na segunda, lançada no início de agosto, jogando luz em mais uma discussão necessária: a busca de entender sua falta de atração romântica e sexual por outras pessoas.
Fora das telas, tanto a arromanticidade como a assexualidade ainda são cercadas de desinformação e preconceitos. Por isso, nós precisamos criar um espaço de conhecimento e acolhimento para a nossa galera compreender o que sente ou deixa de sentir. Vamos lá?
Fora das telas, tanto a arromanticidade como a assexualidade ainda são cercadas de desinformação e preconceitos. Por isso, nós precisamos criar um espaço de conhecimento e acolhimento para a nossa galera compreender o que sente ou deixa de sentir. Vamos lá?
Para início de conversa, orientação romântica e orientação sexual são independentes uma da outra. Muitas vezes, os dois termos podem ser confundidos e até tratados com sinônimos. Mas não são. Pessoas que se identificam com a arromanticidade sentem pouca ou nenhuma atração romântica.
Ou seja, não sentem vontade de estar em um relacionamento romântico ou de se apaixonar. Já no caso da assexualidade trata-se da orientação sexual de quem não sente, ou só sente em condições específicas, desejo de fazer sexo com outra pessoa.
Existem indivíduos que se identificam com essas duas orientações, mas isso não é uma regra. Nem toda pessoa arromântica é assexual assim como nem todo assexual é arromântico, certo?
Arromanticidade e assexualidade são espectros
Isso quer dizer que não existem apenas extremos (sentir ou não sentir) quando falamos de arromanticidade e assexualidade. Dentro de cada uma desses grupos, existem diferentes identidades, que podem apresentar atração nula, parcial ou condicional.
Michelle Sampaio, psicóloga especialista em sexualidade humana, explica à CAPRICHO que o espectro é como uma caixa cheia de lápis azul, de diferentes tons: azul marinho, azul claro, azul escuro, azul bebê. “Todos são azul, mas cada um com a sua característica específica”, diz.
No espectro assexual, por exemplo, existem os assexuais estritos: pessoas que não sentem atração sexual alguma por nenhum gênero e em nenhum nível. Há também os grayssexuais, que sentem atração sexual só em situações muito específicas. Já os demissexuais podem sentir atração em diferentes níveis, apenas quando desenvolvem um vínculo afetivo com outra pessoa. Alguns indivíduos transitam entre todas essas orientações sexuais.
Na arromanticidade também existem os casos estritos e a área cinza. Esta é composta por identidades arromânticas, que sentem atração (romântica) em níveis diferentes, dependendo de algumas circunstâncias ou fases.
A comunidade aroace (formada por pessoas arromânticas e assexuais) ainda destaca outros tipos de atração, além da romântica e sexual. A mais conhecida é a platônica, que diz respeito à vontade de estar em um relacionamento, criar uma conexão emocional profunda, mas não de uma forma romântica. Existe ainda a sensorial, em que a pessoa deseja ter contato físico, como beijos e toques e a estética, na qual a atração se dá a considerar uma pessoa (esteticamente) bela e interessante.
Arromânticos podem namorar, assexuais podem transar
Como nas “micro-identidades”, que já explicamos acima, existem certos graus de atração, pessoas assexuais e arromânticas não restristas podem se identificar como hétero, gay, bi, lésbica, pan.
A arquiteta Franktcielli Dorigão, 24 anos, entende-se como graysessual – sente atração sexual só em situações muito específicas – e demirromântica. Em ambas, sua orientação guiada é bi, ou seja, ela sente atração romântica ou sexual (de acordo com suas circunstâncias, claro) tanto por meninas como meninos.
“A demirromanticidade é muito parecida com demissexualidade, só que é voltada para o sentimento romântico. Você só sente algo por alguém depois de ter algum tipo de conexão, seja uma amizade ou o convívio”, explica. No caso dela, por exemplo, ela percebeu que começava a se interessar por alguém depois que eu criava algum vínculo de amizade.
“A atração não tem um prazo. Pode ser que a pessoa sinta depois de uma semana que conhece alguém, ou depois de anos, varia de cada um”
Fran conta à CAPRICHO que demorou mais para se entender como arromântica do que como assexual, por ter tido mais dificuldade de distinguir o que era ou não um sentimento romântico. Hoje, isso fica mais claro para ela. “Ter um crush, por exemplo, para mim, é achar alguém interessante, talvez bonito, mas nunca é algo a mais”, explica. “Acho que nunca me apaixonei por ninguém, o máximo é um sentimento forte de carinho pelo outro”, acrescenta.
Além da dúvida, ela relembra que, no começo, tinha uma ideia totalmente errada do que era ser arromântica. “Achava que nunca teria um namoro, já que nunca iria conseguir retribuir o afeto da outra pessoa, o que não é verdade”, conta. “Agora, conheço muitas pessoas arromânticas que namoram há anos, e outros que, assim como eu, não nunca tiveramm interesse de entrar em relacionamento romântico. Vai muito de cada um”, acrescenta.
Fran ainda explica que algumas pessoas arromânticas optam por ter um relacionamento queerplatônico. Nessa caso, não há interesse romântico ou sexual, mas ambos consentiram em estar junto e conviver. “Tem ali o amor, mas não de forma romântica. Isso não significa que o sentimento seja menor, ele só é diferente”, pontua.
Para Fran, o grande dividir de águas, no seu processo de entendimento como assexual e arromântica, foi ter acesso a essas informações e ter contato com outras pessoas aroace. Ela faz parte do AROACEIROS, um projeto independente idealizado e colocado em prática por várias pessoas que estão dentro dos espectros assexual e/ou arromântico. O grupo surgiu em 2020, diante de “uma necessidade incômoda de fazer parte de algo que pudesse espalhar informações corretas sobre assexualidade e arromanticidade”.
A descoberta da sexualidade e da orientação romântica não deveria ser “pesada”
A psicóloga Michelle ressalta que a sexualidade, como um todo, é fluída. Atrações podem variar de contextos e de fases. “Não é legal trazer uma afirmação taxativa de que um arromântico ou assexual jamais vai se sentir atraído de alguma forma”.
“As pessoas não escolhem a assexualidade ou arromanticidade, elas se percebem dessas formas.”
E para quem ainda está se descobrindo é importante que não se sinta obrigado(a) a ter práticas relacionais ou sexuais. “Entender ou conseguir verbalizar a orientação romântica ou sexual pode ser um longo processo. Por isso, meu conselho é, mais interessante do que tentar explicar ‘o que eu sou’ é responder: ‘como eu estou me percebendo hoje?'”, diz a psicóloga.
Mas lembre-se: você não precisa se colocar em caixinhas ou rotular tudo, se não quiser.