xiste um nicho na redes sociais de mulheres que postam vídeos arrumando a casa, cozinhando, colocando a mesa do jantar, cuidando dos filhos. Ok, e qual é o problema disso? Poderia ser mais um conteúdo aleatório da internet ou uma estética que está na moda. Acontece que existe toda uma ideologia por trás dessa comunidade de mulheres “do lar”.
Estamos falando do movimento tradwife – abreviação para “traditional wife” ou em português “esposa tradicional” – que tem crescido nas redes sociais nos últimos anos. Com grande inspiração nos anos 1950, essas mulheres exaltam uma vida inteiramente dedicada aos trabalhos domésticos e à criação dos filhos, além da submissão ao marido.
A norte-americana Estee Williams, 25 anos, acumula mais de 180 mil seguidores no TikTok, com seus vídeos sobre a vida de uma esposa tradicional, dicas para atrair um “homem provedor” e a defesa dos tradicionais papéis de gênero.
“O homem é o provedor: ele sai de casa e vai trabalhar. A mulher é a dona de casa, cuida do lar e da sua aparência, cozinha e arruma a casa”, explica em um de seus vídeos sobre como ser uma esposa tradicional. Em outro TikTok, ela conta que não sai de casa à noite sozinha e sempre que precisa sair pede permissão ao marido.
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Qual o problema do movimento ‘tradwife’?
Estee Williams diz que tem o direito de escolha de querer cuidar da casa, marido e filhos – e, sim, ela está certa. Assim como mulheres que querem trabalhar fora e ter seu próprio salário. O problema é quando essas escolham se tornam um movimento que pressiona outras mulheres a ocuparem certo papel e romantiza o patriarcado – ignorando aspectos de raça e sociais, fundamentais nessa discussão.
Alice Bianchini, doutora em Direito Penal e especialista em violência de gênero, debateu isso em suas redes sociais. No post, ela diz que “o movimento vende um ideal conservador e de opressão contra outras mulheres que não se encaixam nesse papel – aquelas com vida acadêmica e profissional, e que têm como companheiros homens com quem dividem os afazeres domésticos”.
Ela enfatiza que “uma mulher não nasce com a obrigação de servir um homem, tampouco para arcar sozinha com os encargos da vida familiar e com os trabalhos de cuidado”. Ao tentar impor isso, “infelizmente, descredibilizam décadas de luta por igualdade, protagonizadas por feministas”.
Ao analisar esse movimento nas redes, Alice chama atenção para a imposição da submissão ao homem, a romantização da desigualdade de gênero em relações, a propagação de estereótipos equivocados e a definição de que essa postura é a única correta e aceitável na sociedade.
O papel da mulher na sociedade ao longo dos anos
Até o 3º período da Revolução Industrial Brasileira, entre os anos de 1930 e 1956, grande parte das mulheres que vivia no Brasil não trabalhava fora de casa. Esse cenário mudou com a chegada das fábricas têxteis no país, que foram importantes para a emancipação feminina, apesar de as condições de trabalho para as pessoas do sexo feminino terem sido ainda mais precárias que para as do sexo masculino.
Aos poucos, após a chegada das mulheres nas fábricas e a “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”, elas começaram a ter uma vida profissional e se desprender do lar. Bem diferente do que acontecia na Idade Média, quando o papel das mulheres era simplesmente a procriação. As que não serviam para ser esposas e mães, serviam para satisfazer os prazeres carnais dos homens. A mulher era submissa à figura patriarcal da casa e as únicas que trabalhavam eram as camponesas, mas ainda assim o papel principal era acompanhar o marido no trabalho feudal.
Ainda hoje, as mulheres ainda são encarregadas de cuidar da casa e esse papel de ser a responsável pelas questões domésticas é ainda mais forte em cidades rurais do interior, onde o machismo e a cultura patriarcal estruturais ainda são mais latentes. Elas também ainda são as que mais ficam sobrecarregadas, pois precisam se dividir entre cuidar da casa, dos filhos, da vida pessoal e profissional, mesmo dividindo tarefas com o parceiro. Neste outro texto aqui, como esse trabalho de cuidado ainda é invisível e traz um desgaste físico e mental para as mulheres.
Não dá para romantizar essa rotina cansativa e a desigualdade que ela reflete.
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