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O que é blackfishing e por que ser negro não é uma estética da moda

A onda em que a cultura negra é legal, mas ser negro em um país tão racista não…

Por Bruna Nunes Atualizado em 10 ago 2023, 10h34 - Publicado em 6 ago 2023, 12h05

A apropriação da cultura negra no Brasil é uma questão complexa. Um de seus aspectos é o blackfishing, que vem levantando muitas discussões na internet. Na tradução livre para o português, significa “fingir-se de preto”. Basicamente, é o ato de uma pessoa não preta se passar por uma, ao tentar adotar “características racializadas”, seja por pura estética ou para ocupar lugares que deveriam ser destinados a pessoas pretas – como se já não tivessem privilégios o suficiente.

Bora tentar entender e refletir sobre o que é blackfishing e como isso atinge pessoas pretas?

 

O que é Blackfishing

Como já resumimos aqui, blackfishing acontece quando pessoas brancas tomam para si o que consideram uma “aparência negra”. Escurecem a pele passando por camadas de bronze, encrespam ou trançam os cabelos, aumentam a boca e por aí vai. A intenção é parecer o mais racializado possível. 

O termo foi popularizado pela jornalista Wanna Thompson, que notou que diversas celebridades e influenciadoras brancas estavam tentando ficar esteticamente parecidas com mulheres negras, mas apenas para fins estéticos e lucrativos, claro. Afinal, ninguém gostaria de passar pelo racismo que essas mulheres passam.

Um dos exemplos mais famosos no “despertar do blackfishing” é o caso de Kim Kardashian, que, em diversos momentos, apareceu extremamente bronzeada, com cabelos trançados, lábios preenchidos e outras características que não lhe foram atribuídas naturalmente.

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Uma publicação compartilhada por Kim Kardashian (@kimkardashian)

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A problemática da “afro conveniência”   

Caso ainda não tenha ficado muito claro, a problemática se dá ao fato de que pessoas negras sofrem racismo, perdem empregos, oportunidades, isso quando não perdem a própria vida, apenas por serem negras. Quer um exemplo prático? Quando uma pessoa negra coloca tranças é muito mais do que um penteado fashion. Carrega muita ancestralidade e significado, mas sofrem muito racismo por conta do cabelo. Já quando pessoas brancas usufruem de toda sua passabilidade para usarem apenas como estética e se passarem por pretas, conquistam espaços e lugares que não eram para ser seus. 

De fato, a comunidade negra tem uma grande contribuição para o mercado de arte e moda, principalmente após a cultura do hip-hop ganhar força, mas o que hoje é olhado como moda, era/é um ato de resistência da comunidade, que já sofreu (e sofre) muito ataque racista pelo mesmo motivo. Colocar box braids, usar durag, e até mesmo a famosa técnica ombré lips carregam a identidade preta e ancestralidade. Mulheres negras, por exemplo, têm naturalmente bocas contornadas, hoje, as técnicas de contorno labial estão na moda, mas nem sempre foi assim. 

Isso não significa que pessoas brancas estão proibidas de usarem e adotarem certas coisas, porém há uma linha tênue entre admirar e se apropriar para se beneficiar de coisas que não são nem benefícios, são equidades. Campanhas de representatividade e cotas em universidades são grandes exemplos disso. Quantos casos já não vimos no Brasil, de fraudadores de cotas raciais? Ou então, quantas vezes não vimos mulheres brancas serem elogiadas com cabelos trançados, enquanto mulheres negras são atacadas pelo mesmo motivo? Podemos observar nesse fenômeno, que a galera só quer parecer negro quando é conviniente, como se ser negro fosse apenas fazer boxbraids e vestir uma estética “x”.

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Blackfishing x Blackface 

Não é de hoje que pessoas brancas se acham no direito de se “fantasiar” de diversas etnias, e com a cultura preta, não seria diferente. Um dos primeiros exemplos que temos disso, é o show de horrores que era o “Blackface” legalizado. Caso você não faça ideia do que seja, eis aqui um breve contexto histórico: 

Lá no século 19, os Estados Unidos passava pela fase de abolição da escravidão, mas pessoas negras não estavam, nem de perto, livres. Neste período, atores brancos passavam tinta preta na cara para interpretarem personagens negros, mas de maneira ridicularizada. Eles agiam de maneira exagerada e, em seu ponto de vista, cômicas. 

Registros históricos de artistas se maquiando e fazendo Blackface. À direita, temos a conhecida Judy Garland.
Registros históricos de artistas se maquiando e fazendo Blackface. À direita, temos a conhecida Judy Garland. Silver Screen Collection/William Vanderson/Getty Images

Tecnicamente, a diferença entre blackface e o novo termo é que enquanto o primeiro visa zombar e se fantasiar de maneira literal, o blackfishing é um processo em que a pessoa “rouba” a estética. 

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Em artigo publicado no livro “Comunidades, algoritmos e ativismos digitais: Olhares afrodiaspóricos”*, os pesquisadores Ronaldo Ferreira de Araújo e Jobson Francisco da Silva Júnior entendem o blackfishing como uma variação do blackface. É importante destacar que atualmente nós vivemos em um mundo digital, e justamente por isso, os autores fazem uma reflexão muito pertinente sobre como as práticas racistas também se moldaram aos novos ambientes.

“Algumas das práticas racistas se reinventam nos ambientes digitais, as quais merecem nossa atenção e olhar crítico à luz dos estudos de informação e da internet, é o caso do recente fenômeno de apropriação cultural que agora tem como um de seus desdobramentos, o Blackfishing.”

Blackfishing e a transformação transracial monetizada” - Ronaldo Ferreira de Araújo e Jobson Francisco da Silva Júnior

Vale lembrar que, assim como o termo, o significado foi trazido do exterior. O conceito e a leitura de raça nos Estados Unidos não é exatamente como no Brasil, pois nosso país é um país muito miscigenado. Lá fora, por exemplo, a sua origem familiar diz muito mais que tom de pele na hora de te lerem como negro, ou não. Mas uma discussão e reflexão de cada vez, né? Só é importante frisar que apesar do termo importado, a miscigenação brasileira não isenta o blackfishing.

 

 

 

*O link gerado pode render algum tipo de remuneração para a Editora Abril.

 

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