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O B não é de biscoito: invisibilidade e estereótipos da bissexualidade

Pessoas bissexuais seguem sendo estereotipadas como indecisas, não confiáveis e até hipersexualizadas. Por que e até quando?

Por Gabriela Junqueira 23 set 2020, 11h42
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Divulgação/CAPRICHO

A letra “B” da sigla LGBTQIA+ é de bissexual, pessoa que sente atração física e afetiva tanto pelo gênero masculino quanto pelo feminino. Esta é a definição do sexólogo e psicólogo Giovanne Oliveira, criador, ao lado do jornalista Victor Souza, do podcast DSex (que lançou em junho Cores do Cotidiano, uma série produzida por podcasters gays, com 20 entrevistados, cujo objetivo é celebrar o Mês do Orgulho LGBTQ+ e falar sobre as realidades enfrentadas pela comunidade). “Vale mencionar que a bissexualidade é uma característica de orientação sexual que caminha em paralelo com a questão de identidade de gênero. Por exemplo: transexuais e travestis podem ser bi. Afinal, a transexualidade é identidade de gênero enquanto a bissexualidade é orientação sexual“, explica o especialista.

Artrise/Getty Images

A maquiadora e influencer Bárbara Magalhães é bissexual e contou para a CAPRICHO que sempre soube que não era hétero, mas que demorou muito para aceitar que era uma mulher bi, pois achava que a orientação não-válida. “O caminho para me entender como mulher bissexual foi aos trancos e barrancos. Me reprimi um pouco de início e até tentei me encaixar em outra letra da sigla LGBTQIA+. Não conseguia encarar a bissexualidade como algo positivo, até porque não tinha referências bissexuais. Por fim, depois de muita conversa comigo mesma, entendi que é uma sexualidade tão válida quanto as outras e faz parte de quem eu sou”, relata.

Bárbara conta que a mãe foi a primeira a saber, depois de ver uma foto que ela publicou ao lado de uma namorada. “De início, foi difícil para ela entender como eu que tinha namorado alguns garotos e, ‘do nada’, estava namorando uma menina. Depois ela entendeu e aceitou muito bem”, diz. O pai e o restante da família também aceitaram com naturalidade, e a maquiadora afirma ter tido sorte, pois essa rede de apoio é fundamental.

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Bárbara Magalhães, maquiadora
A maquiadora Bárbara Magalhães Instagram/@bablonia/Reprodução

Para quem ainda não teve essa conversa e deseja ter, Bárbara explica que é importante se sentir preparada e pronta para qualquer reação. “As coisas podem ser muito difíceis no começo, então você vai ter que contar com o apoio de outras pessoas para lidar com tudo o que precisar”, reforça. Para ela, se assumir, assim como todas as nossas ações na vida, é um ato político.

Apesar de muita gente negar que a bifobia existe, até hoje as pessoas bissexuais são estereotipadas como indecisas, não confiáveis e chegam até a ser hipersexualizadas, principalmente as mulheres. Os homens bi, por outro lado, são sempre colocados como gay, invisibilizando de novo a letra “B”. Ao observamos a maioria das personagens bi em novelas e séries, percebemos o quanto lhes é atribuído características baseadas em preconceitos. Em Orange Is the New Black, por exemplo, Piper leva o estereótipo de lésbica pelo marido e de hétero pela até então namorada. É verdade que a personagem não chegou a se assumir com todas as letras na série, mas vale lembrar que ela foi inspirada em uma mulher bissexual.

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Não, uma pessoa bissexual não está passando por um momento de dúvida, não vai querer necessariamente namorar uma menina e um menino ao mesmo tempo, não vai sair pegando todo mundo apenas por causa de sua orientação sexual nem está no mundo para realizar fantasias. “Somos tachadas de indecisas e sinto que há uma desvalidação, como se só houvesse uma direção a seguir. Também tem aquele consenso de que ser bissexual é ser promíscua ou que pessoas bi traem mais”, lamenta Bárbara, que reforça que todas essas questões não têm nada a ver com orientação sexual ou identidade de gênero.

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Há uma dificuldade social em aceitar e lidar com comportamentos e existências que rompam o binarismo. Esperam que você goste disso ou daquilo, como se fosse uma obrigação. Não é bem assim que funciona”, explica o psicólogo e sexólogo Giovanne Oliveira, que acredita que o caminho a ser percorrido para combater esses estereótipos ainda é de luta e está tanto nas macro quanto nas microinterações.

Para o jornalista e podcaster Victor Souza, até dentro do próprio movimento LGBTQIA+ pessoas bissexuais são invisibilizadas: “Acredito que tudo que rompe com o binarismo tende a ser invisibilizado, pois culturalmente nos acostumamos e reproduzimos que ou você gosta, sente tesão e atração por homem ou por mulher, e, nesse binarismo, invisibilizamos a letra ‘B’ [e também todas letras que vêm na sequência, como o ‘T’, ‘Q’, ‘I’ e o ‘A’]“. Para a maquiadora Bárbara, essa invisibilidade também existe, “principalmente quando estamos em um relacionamento heteronormativo“.

Os podcasters Giovanne Oliveira (à esquerda) e Victor Souza (à direita) que, no mês do Orgulho LGBTQIA+, lançaram o “Cores do Cotidiano”, documentário de áudio falando sobre os desafios enfrentados pela comunidade Divulgação/Divulgação
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Sobre maneiras de combater os estereótipos, o sexólogo Giovanne acredita que é importante a inclusão de personagens bissexuais no cinema, em séries e novelas sem que a orientação seja o ponto central do sofrimento, das dúvidas e/ou das vivências sexuais deles. “A bissexualidade deve apenas estar ali, como um fator comum do cotidiano e das relações“, diz. Na vida real, ele defende o mesmo: “Como abordamos o tema da sexualidade e também em como reagimos quando ouvimos posturas equivocadas no nosso círculo de amigos e familiares faz diferença. Afinal, a luta por respeito é de todos”. Bárbara Magalhães concorda e reforça que os estereótipos machucam bastante.

É preciso lutar contra a invisibilidade de narrativas e essa mania de tentar dividir as pessoas em caixas binárias sempre, não apenas em junho ou na data de 23 de setembro, Dia da Visibilidade Bissexual. Reconhecer, validar e celebrar o amor em todas as suas formas deve ser algo natural e diário – como aquela discussão eterna de se é biscoito ou bolacha. No contexto aqui discutido, a gente pode afirmar que não, não tem nada de biscoito!

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