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O assédio de Aziz: todo homem já cometeu, toda mulher já sofreu

É justamente por estar tão próximo da gente e 'aceito' no dia a dia que ele incomoda e dá tanto pano pra manga.

Por Isabella Otto Atualizado em 20 jan 2018, 15h42 - Publicado em 20 jan 2018, 15h42
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Divulgação/CAPRICHO

“Foi de longe a pior experiência que eu já tive com um homem”. Foi assim que uma fotógrafa de 23 anos descreveu seu encontro com Aziz Ansari ao site Babe. A jovem se sentiu assediada pelo ator e aproveitou movimentos como o #MeToo e o #TimesUp para denunciar o caso. O comediante, em contrapartida, alegou não ter percebido que a moça estava se sentindo desconfortável. O caso deu muito pano pra manga. Foi assédio ou foi só um encontro ruim? Por que a mulher não foi embora antes, se não estava curtindo as investidas do cara? Pode Aziz, que se declara feminista, assediar alguém sem ter consciência disso? Não achar que foi assédio te coloca automaticamente a favor do homem e contra a mulher? Isso não contribui de alguma forma para a cultura do estupro?

Matt Winkelmeyer/Getty Images

Antes de tudo, respira. Ter questionamentos do tipo não é errado. Inclusive, apesar de ter surgido de um episódio bastante delicado, o debate é importante para todos nós, homens e mulheres. Micheli Nunes, jornalista especializada em cinema, concorda. “O caso de Aziz não é um dos mais graves e gráficos revelados recentemente, mas é um dos mais importantes a serem discutidos, por três motivos: (1) porque é uma conduta muito mais recorrente do que as pessoas pensam, (2) porque é um comportamento comum entre homens ‘bonzinhos’, que se dizem feministas e aliados, e (3) porque tem muita gente que acha que esse tipo comportamento não merece ser exposto ou criticado”, escreveu em texto publicado em sua página do Storia. Para complementar ainda mais o debate – e te ajudar a esclarecer algumas questões -, a CAPRICHO convidou quatro mulheres incríveis para opinar sobre o Caso Aziz: Ana Paula Braga e Marina Ruzzi, advogadas do escritório Braga e Ruzzi Advogadas, especializado no direito das mulheres, Nana Soares, jornalista com blog homônimo no Estadão e fundadora do podcast Pop Don’t Preach, e Sheylli Caleffi, produtora de conteúdo e administradora do grupo público para vítimas de estupro chamado “As Incríveis Mulheres Que Vão Morrer Duas Vezes”.

1. FOI ASSÉDIO OU NÃO?
As margens para discussão são grandes. Sheylli acredita que tenha sido assédio: “forçar sexo não é certo, apesar de comum. Aziz a encurralou em uma situação. Mas como foi uma situação considerada comum, muita gente defende, até porque tem medo de ter feito a mesma coisa, no caso do homem, e de ter vivido a mesma coisa, no caso da mulher”. Nana, em entretanto, acha que o comportamento foi inapropriado, mas não chegou a ser criminoso. “Como em qualquer debate sobre casos de abuso e violência contra a mulher, as perguntas são sempre voltadas para o comportamento da menina, não do menino. É sempre a mulher que tem que explicar como agiu”, reflete. As advogadas Ana Paula e Marina ainda afirmam que, no caso de Aziz, o crime mais próximo que poderia ser encontrado na lei brasileira é o de estupro, mas dificilmente a fotógrafa conseguiria registrar uma denúncia legal por falta de provas. Para chegar a uma conclusão, basta refletir sobre as seguintes palavras levantadas por Sheylli: “um abuso ou um assédio sexual é quando uma das pessoas acredita que a outra precisa fazer o que ela quer e impõe isso a ela” – mesmo que sem perceber.

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2. ENTÃO, FOI SÓ UM ENCONTRO RUIM?
Calma. Apesar de alguns acharem que o ator não assediou e outros acharem que assediou, sim, não podemos simplesmente ignorar todo o discurso da americana e dizer que tudo não passou de um date bizarro. Sheylli acredita que, provavelmente, até passou pela cabeça da fotógrafa que ela poderia transar com Aziz, mas não que o sexo fosse uma obrigação. “Muitos homens acreditam que, se pagar a conta da mulher, ela é obrigada a transar. Ou que, se ela aceitou ir ao apartamento dele, está querendo apenas sexo. Ou que a mulher não pode desistir no meio dos amassos”, garante a produtora, que já passou por situações bastante delicadas, assim como suas amigas. Na contramão, Ana Paula e Marina acham delicado acusar toda experiência desagradável como abuso ou assédio, pois isso pode acabar fazendo com que pessoas banalizem casos, os classificando como sérios ou não, e até mesmo duvidando de muitos deles. “O fato de a garota ter ido para a casa do ator não pode ser usado como justificativa para o assédio ou o abuso, porque isso é transferir a culpa do autor para a vítima. Ela poderia perfeitamente querer ficar com o cara, mas não transar. O importante é que o consentimento e os limites daquela relação fiquem claros para ambas as partes”.

3. POR QUE ELA NÃO FOI EMBORA?
Ela foi, só demorou um pouco para tomar uma atitude. A fotógrafa confessa em seu relato pessoal que não disse um não muito claro em nenhum momento, mas deu toques de que estava se sentindo desconfortável várias vezes. Aziz Ansari, em resposta à denúncia da jovem, garante que não percebeu nenhum desses sinais. “Consentimento e autonomia são sempre as palavras-chave. Ainda temos muita dificuldade de entender que o consentimento pode ser tirado a qualquer hora. Temos dificuldade de parar algo já iniciado com medo de sermos mal interpretadas ou vistas como desagradáveis”, defende Nana, que e complementada por Sheylli: “nós não temos um ‘kit assédio’ dentro da bolsa. Cada uma terá uma reação diferente: chorar, gritar, fugir, paralisar. Até fingir que está a fim quando vê que o cara começa a ficar violento. Todas essas opções estão certas. Errado é assediar, insistir, constranger, perturbar, coagir. É muito melhor para todos que os homens parem de insistir do que tentar ensinar as vítimas o que é certo em um caso assim”.

Reprodução/Reprodução
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4. HOJE EM DIA TUDO É ASSÉDIO?
Pensar dessa maneira radical é a mesma coisa que dizer que um caso de violência foi apenas uma briga de “marido e mulher”. As advogadas Ana Paula e Marina dão a dica: “a diferença entre uma simples paquera e um assédio está no constrangimento infligido à vítima. Um jeito fácil de distinguir é pensar que o assédio é um ato unilateral, em que apenas um dos envolvidos está tirando satisfação daquela situação. Já a paquera pressupõe interação e flerte de ambas as partes em mútua reciprocidade. O respeito deve ser sempre a base de tudo. Se o homem se aproximar com respeito, e sentir que a menina está aberta à paquera, a abordagem não será invasiva”.

5. NÃO ACHAR QUE AZIZ ASSEDIOU FERE SUA LUTA COMO FEMINISTA?
Não, o movimento feminista vai muito além. Nana Soares, que não classifica a atitude do ator como criminosa, luta diariamente em prol das mulheres, seja em conversas de restaurante, seja em interações online. “Nenhuma mulher e nenhum homem feminista estão isentos de reproduzir machismo – afinal, nós vivemos em um mundo em que essa desigualdade é estrutural. Ser feminista é uma constante (des)construção, não é tornar-se imediatamente igualitária. Ter essa preocupação em mente (‘será que estou privilegiando um homem e contribuindo para essa cultura?’) é essencial para que não percamos o norte. Mas a conclusão tirada disso varia de pessoa para pessoa. Não é necessariamente ‘passar pano’ para o machismo. Pressupondo, é claro, que o Aziz não tenha mesmo percebido que estava sendo invasivo”.

6. QUAL É O PAPEL DA MÍDIA DIANTE DESSAS DENÚNCIAS DE ASSÉDIO?
É não reportar só por reportar, como diz Nana. Ao trazer um relato sem um mínimo de checagem ou (re)publicar algo só pensando na audiência alcançada com a polêmica é um desserviço. “Mesmo que os casos de denúncias falsas sejam raríssimos, basta um para que a balança volte a pender para o lado masculino”, alerta. Sheylli Caleffi ainda afirma que não dá para achar que essas histórias são rasas ou ler relatos contando apenas um dos lados. “Se você achar que o Caso Aziz não foi assédio baseando-se apenas em uma ou duas reportagens, você está indo contra a mulher e fortalecendo a cultura do estupro, sim. Não acredite em tudo o que lê e busque fontes confiáveis. Passamos muitos séculos dependendo dos homens até para comer. Uma mulher que não fosse casada era excluída da sociedade, e isso ainda acontece em lugares do Brasil. Fazer o que os homens queriam era, muitas vezes, o único jeito de uma mulher sobreviver”, relembra.

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iStock/Juan Darien/Reprodução

7. O QUE APRENDEMOS COM O CASO AZIZ?
Um montão de coisas! Primeiro, que ele incomoda e dá muito pano pra manga porque reporta um comportamento ainda aceitável em nossa sociedade: o homem tem que ser o machão da relação, cercar a presa, e a mulher tem que se render, mesmo que não queira, por costume, medo ou pura inércia. Também percebemos que o relato da fotógrafa divide tantas opiniões porque está presente no dia a dia de cada um de nós. “O dilema aqui é que Aziz Ansari é um ‘cara legal’. Ele se diz feminista e critica o comportamento masculino predatório em seus shows de stand up. Ele está fora dos padrões, é indiano, inteligente, engraçado, de risada solta e grandes olhos cativantes. Ele é um cara ‘bonzinho’, de quem você não sente tanto medo de aceitar uma carona. Não é o vilão dos filmes, nem o estereótipo do galã. É o melhor amigo, com quem a garota fica no final do filme indie, ao perceber que o amor estava ao seu lado o tempo todo. E é muito difícil pra uma mulher admitir para si mesma que um cara desses passou do limite e desrespeitou seu corpo”, opina a jornalista Micheli Nunes. Por último, mas não menos importante, o Caso Aziz abre margens para debates que podem deslegitimar casos de assédio justamente em uma época importantíssima. Classificando-o ou não como um date desagradável, você deve sempre saber que não é obrigada a nada – e que falar N-Ã-O com todas as letras evita muitos “encontros ruins”. Exponha seus limites, deixe claro o que deseja, não pense que o homem, só porque é homem, tem que ditar as regras do jogo. E, acima de tudo, nunca culpe a vítima. “Se os caras pararem de assediar, não haverá mais assédio nem a quantidade absurda de 130 mulheres estupradas diariamente no Brasil. Se os caras pararem de estuprar, o estupro acaba. Simples assim”, finaliza Sheylli.

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