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Newt Scamander e o impacto de um protagonista autista em uma grande saga

Após Eddie Redmayne dizer que o personagem de Animais Fantásticos está no espectro autista, falamos com um fã que tem autismo sobre representatividade.

Por Amanda Oliveira Atualizado em 16 dez 2018, 19h45 - Publicado em 16 dez 2018, 10h02

Quantos personagens autistas do cinema ou da televisão você conhece? E quantos deles são protagonistas? Nos últimos anos, essa representatividade tem crescido um pouco mais em séries, mas ainda é um número muito pequeno quando destacamos a importância de ter o autismo na mídia – para representar as pessoas com o transtorno, é claro, mas também para esclarecer sobre o que é o autismo, visto que muita gente ainda desconhece o tema ou segue estereótipos.

É justamente por não saber muito sobre o autismo que, às vezes, personagens autistas podem passar despercebidos pelo público se o tema não for abordado diretamente. É o caso do Newt Scamander, da franquia Animais Fantásticos. Logo após o lançamento do segundo filme, Os Crimes de Grindelwaldo ator Eddie Redmayne disse, em entrevista ao Digital Spy, que o personagem está dentro do espectro autista. Acontece que a declaração não é surpresa nenhuma para quem observar com atenção os sinais no comportamento do bruxo…

Newt Scamander é o primeiro e único personagem autista do universo de Harry Potter. Universal Pictures/Divulgação

A CAPRICHO conversou com o Isaac Silva, de 24 anos, estudante de licenciatura em Ciências Biológicas na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em Recife. Além de ser um grande fã da saga Harry Potter, o Isaac também tem autismo de grau leve. “Descobri bastante tarde, com 18 anos, depois de uma vida inteira com a minha família achando que eu tinha algum atraso cognitivo em relação as outras crianças”, diz. Isaac conta que sempre se isolou das pessoas, mas isso passou despercebido porque ele não teve dificuldades de aprendizado – característica comum em quem tem autismo em grau leve.

Isaac também confessa que não sabia se ia gostar da nova história do universo J.K. Rowling quando o primeiro, Animais Fantásticos e Onde Habitam, saiu, mas logo nas primeiras cenas olhou para o Newt e pensou: “nossa, ele é como eu!”. A experiência de ver o segundo longa da saga foi ainda mais interessante: “meu irmão, que também é autista, foi comigo e ele se identificou imediatamente com o Newt. A gente não parava de comentar todas as características que a gente reparava nele“, lembra.

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De acordo com a definição da OMS (Organização Mundial da Saúde), o Transtorno do Espectro Autista (TEA) está relacionado a “uma série de condições caracterizadas por algum grau de comprometimento no comportamento social, na comunicação e na linguagem”. Ou seja, um dos traços desse transtorno é uma dificuldade maior em se comunicar com outras pessoas – e não, isso não tem nada a ver com timidez.

Segundo o Dr. Drauzio Varella, o autismo engloba três principais características que se manifestam em conjunto ou isoladamente. “São elas: dificuldade de comunicação por deficiência no domínio da linguagem e no uso da imaginação para lidar com jogos simbólicos, dificuldade de socialização e padrão de comportamento restritivo e repetitivo“, explica. Ele esclarece que o transtorno pode ser classificado em três níveis: o autismo clássico, o autismo de alto desempenho (antes chamado de Síndrome de Asperger) e distúrbio global do desenvolvimento sem outra especificação.

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Para Isaac, ter essa representatividade e diversidade dentro do universo de Harry Potter, que ele sempre acompanhou por anos, é poder assistir e não dizer mais “eu quero ser como ele”, mas sim: “eu sou como ele!”. “Reconheci muitas características minhas nele: o jeito que ele anda meio curvado, a forma como ele evita olhar nos olhos, aquele olhar meio atravessado dele, a dificuldade e o desconforto de lidar com as pessoas“, diz. O estudante potterhead também se identificou e reconheceu a sensação de quando Newt disse que as pessoas não costumavam gostar dele – algo que ele já admite ter sofrido.

“Tem também a questão do hiperfoco. Ou seja, o foco exagerado em um determinado tema, que é bastante comum em autistas”, comenta. No caso de Newt, o hiperfoco dele seria o cuidado e carinho com as criaturas mágicas. “Ele se especializou nisto, mas você vê que ele não é só um especialista, o mundo dele gira em torno disto. Aquilo tem um valor para ele que não tem para outras pessoas e é assim que eu me sinto em relação aos números e as aeronaves”, explica.

Isaac concorda que o autismo tem ganhado mais espaço na mídia, mas ainda existe muito o que ser mudado. “Ainda aparecem erros, exageros e estereótipos. Sinto falta também de algo que explore o espectro em si, pois nenhum autista é igual ao outro. Cada um tem suas características e limitações, mesmo que estejam no mesmo grau, por isso a palavra ‘espectro'”, opina. Séries como The Good Doctor, Atypical e The A Word são conhecidas por trazerem personagens autistas, mas na opinião de Isaac, a trama fica melhor quando o autismo em si não é o foco da narrativa, como é o caso do Newt. Em Animais Fantásticos e Onde Habitam, por exemplo, o autismo ainda nem havia sido identificado pela medicina na época em que a história se passa.

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Cena da série ‘The Good Doctor’. Giphy/Reprodução

A representatividade, seja ela qual for, é indispensável em qualquer meio midiático para reforçar o que deveria ser óbvio: isso existe, é natural e deve ser tratado desta forma. “Quando algo é mostrado com frequência acaba se tornando natural, então nada melhor do que mostrar um homem adulto com traços autistas, dono de sua própria vida, tendo autonomia, sendo ativo”, Isaac afirma. Segundo ele, a possibilidade de se reconhecer dentro de um personagem, principalmente em um que você admira, também ajuda a melhorar uma baixa autoestima.

Outro ponto importante abordado por Isaac é a desconstrução de estereótipos, já que muitas pessoas ainda não têm noção de que o autismo possui graus diferentes. “Para elas, é como se todos os autistas vivessem no seu próprio mundo sem se comunicar”, diz.

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Giphy/Reprodução

Atualmente, Isaac leva uma vida absolutamente normal (da mesma forma que o Newt levaria se vivesse no mundo trouxa). Ele faz faculdade e está se preparando para transferir seu curso para licenciatura em Matemática. “Minha maior dificuldade é lidar com as pessoas, desenvolver um diálogo fora da minha área de interesse. Muitas vezes sei o que falar, mas as palavras parecem estar embaralhadas na minha cabeça e preciso de mais tempo para organizar e dizer“, explica. Outras características é o incômodo devido a hipersensibilidade sensorial, como o excesso de barulhos, luzes e cheiros. A necessidade de ter uma rotina e não saber lidar muito bem com mudanças de planos são outros traços de Isaac.

O último relatório da OMS afirma que existem cerca de 2 milhões de pessoas autistas no Brasil. No mundo, a estimativa é de que o espectro autista afete 1 a cada 160 crianças. Que sorte ter alguém tão incrível quanto Newt Scamander representando essas pessoas no mundo do bruxo!

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