Com a forte onda de crimes, violência e feminicídio que atinge o Brasil nos últimos anos, a solução que muitas pessoas encontram para tentar diminuir as mortes de brasileiras é garantir que elas tenham armas de fogo em casa para que possam se defender. Este argumento, contudo, pode se tornar muito duvidoso se formos analisar o que realmente poderia acontecer com uma mulher se existisse uma arma em sua residência. Afinal, o buraco de toda essa violência é certamente bem mais em baixo.
No final do ano passado, a ONU (Organização das Nações Unidas) apresentou um relatório sobre feminicídio que trouxe um dado muito relevante para essa discussão: a maioria das vítimas é morta por homens próximos, sejam eles atuais parceiros, ex-companheiros ou familiares. Ou seja, o “lar doce lar” é um dos lugares mais perigosos para as mulheres.
De acordo com o The Nation, um levantamento sobre o assassinato de mulheres nos Estados Unidos, as vítimas de algum tipo de violência contra a mulher têm 100x mais chances de serem mortas pelo agressor com aquela arma de fogo que supostamente deveriam usar para defesa pessoal. O estudo foi realizado pelo The Violence Policy Center com base em arquivos do FBI de 2015. Dos 328 homicídios, apenas 16 foram cometidos por uma mulher que usou a arma contra um homem em legítima defesa. 93% das vítimas foram assassinadas por um cara que conheciam, sendo que 64% delas eram esposas dos respectivos homens que as mataram.
Na última semana, uma mulher foi espancada durante quatro horas por um homem em um primeiro encontro. Com a repercussão do caso, teve quem dissesse que, se ela tivesse uma arma de fogo em casa, provavelmente não teria passado por essa situação cruel e traumatizante. Foi o caso de Carlos Bolsonaro, filho do Presidente da República, que usou o Twitter para se posicionar sobre o assunto: “uma arma de fogo legal resolveria justamente este absurdo”, escreveu. A questão é: baseando-se nas estatísticas, resolveria para quem? Vale lembrar que a paisagista agredida estava dormindo quando foi surpreendida pelo agressor. Teria ela tido tempo de pegar a arma para se defender? E se o criminoso tivesse encontrado o revólver antes?
Essa discussão sobre os riscos de se ter uma arma em casa é mais antiga do que parece. Em 1997, um estudo do Archives of Internal Medicine constatou que os fatores de risco da morte violenta das mulheres em casa triplicou quando uma arma estava na residência. Outro ponto importante é destacar que, além das mulheres, crianças também podem se tornar vítimas de acidentes com revólveres. Quantos tiroteios em escolas iniciados por uma criança que tinha uma arma em casa você já não ouviu falar? Principalmente nos EUA, onde a indústria armamentista é enorme e legal em muitos Estados.
Quando a gente fala que o buraco é bem mais em baixo, é porque as coisas não são tão simples quanto parecem, principalmente quando o tema em questão é a violência contra a mulher. Dizer que ter uma arma de fogo em casa é a solução é ignorar todos esses estudos e todos os pormenores que englobam o gravíssimo problema do feminicídio no Brasil e no mundo. A violência doméstica “têm que ser prioridade urgente” mas não pode ser tratada como um “simples” caso de violência urbana, porque está longe de ser.