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Governo X ONGs: entenda o que está acontecendo em Alter do Chão, no Pará

Enquanto governo acusa ONGs de colocarem fogo na Amazônia em troca de benefício próprio, mãe de um dos brigadistas presos garante: "é uma prisão política".

Por Isabella Otto Atualizado em 29 nov 2019, 11h23 - Publicado em 27 nov 2019, 14h24

Na última terça-feira, 26, a Polícia Civil do Pará prendeu quatro brigadistas que trabalhavam voluntariamente na Brigada de Alter, grupo independente que atua na proteção à Floresta Amazônica e às pessoas de Alter do Chão e da região do Eixo Forte, em Santarém. Segundo as autoridades, a prisão foi uma medida preventiva, já que uma investigação sobre a origem dos incêndios na Amazônia está rolando há algum tempo.

Postagem publicada na página da Brigada no Facebook. Reprodução/Reprodução

Em agosto, em meio ao caos das queimadas na região Norte do Brasil, Jair Bolsonaro, Presidente da República, insinuou que o fogo poderia ser fruto de ações criminosas de ONGs ambientais na tentativa de incriminá-lo. “Pelo que tudo indica, foi para lá o pessoal para filmar e tocaram fogo. Esse que é o meu sentimento(…) Pode estar havendo, pode, não estou afirmando, ação criminosa desses ‘ongeiros’ pra chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil”, declarou Bolsonaro, cujo governo cortou o repasse de dinheiro a órgãos públicos.

 

Desde então, investigações estão sendo feitas para solucionar o caso. A questão é que a prisão dos brigadistas se deu baseada em um inquérito que não traz evidências de crime por parte dos brigadistas ou de ONGs, segundo advogados. “Os brigadistas voluntários foram levados para presídio e tiveram seus cabelos raspados, quando, pela lei, deveriam ser detidos na delegacia e ter sua integridade mantida”, esclareceu a Brigada de Alter do Chão em nota oficial divulgada nesta quarta-feira, 27.

A Brigada ainda deixou claro que “todos os documentos contábeis da organização estão atualizados e em dia, não havendo discrepâncias nos valores recebidos – valores estes que incluem doações de outras organizações não governamentais e de um elevado número de pessoas físicas, tanto do Brasil quanto do exterior” e que “fez a devida declaração de doações no final do mês de setembro. Doações recebidas após esta data estão ainda sendo consolidadas em relatório e serão declaradas apropriadamente. Quanto ao valor destinado pela organização WWF-Brasil, ao contrário das informações veiculadas, trata-se não de uma doação, e sim de uma parceria firmada com o Instituto Aquífero Alter do Chão visando à aquisição de equipamentos para a Brigada“.

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Esses posicionamentos vão contra as alegações usadas pela polícia para a prisão, que diz que os voluntários estariam plantando fogo e usando as doações para benefício próprio. Sobre os vídeos que mostram possíveis “ongeiros” atando fogo na mata, a Brigada diz o seguinte: “à respeito da menção a vídeos publicados na plataforma YouTube em que voluntários da Brigada de Alter do Chão supostamente apareceriam ateando fogo em matas, a Brigada não teve acesso a tais vídeos. Por desconhecer seu teor, a Brigada pode desenvolver duas hipóteses. Uma hipótese é de que as imagens sejam de treinamento de voluntários da Brigada, em que focos de fogo controlados são criados para exercícios práticos. Esse tipo de exercício, praxe no treinamento de combate a incêndios, é realizado pela Brigada de Alter do Chão com a participação do Corpo de Bombeiros local e com o respaldo de licenças emitidas pelos órgãos competentes. A outra hipótese é de que os vídeos mencionados mostrem a ação conjunta de brigadistas e bombeiros utilizando a tática conhecida como ‘fogo contra fogo’, realizada regularmente pelo Corpo de Bombeiros no combate de incêndios. Cabe ressaltar que a Brigada de Alter do Chão aplica a tática de fogo contra fogo exclusivamente com a presença e o apoio do Corpo de Bombeiros”.

A CAPRICHO conversou com Pati Romano, professora de dança e mãe de João, um dos brigadistas presos, que acompanha o trabalho do filho e dos outros voluntários, e já viu a Brigada em ação. “Logo que ele chegou em Alter, teve um incêndio próximo à casa dele, e ele apagou. Desde então, ele pegou essa coisa de combater os incêndios pra si. Então, ele fez o curso de brigadista junto com o Dani, que é um dos meninos que está preso também, e com os Bombeiros de Belterra, e assim começou a Brigada. No começo, eles não tinham material nenhum. Teve até uma vez que, no combate ao fogo, entrou um galho no olho dele, super perigoso, mas, para ele, era uma questão de preservar a floresta. Eu estava lá quando eles começaram com essa ideia de formar mais brigadistas, e precisavam de doação. Coincidentemente, logo depois, começaram as queimadas em toda a Amazônia. E eu lembro que, na época, as pessoas começaram a perguntar nas redes sociais como poderiam ajudar. E a gente compartilhou a campanha da Brigada, porque tinha a ver, e as doações acabaram chegando. E foi aí que eles conseguiram comprar materiais para fazer o curso e depois para comprar mais equipamentos”, conta.

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João à direita, de verde, ao lado de membros da Brigada. Reprodução/Reprodução

João Romano tem 27 anos e mora em Alter do Chão com a esposa e duas filhas, de 10 meses e 7 anos de idade. Ele decidiu deixar a cidade grande e se mudar para Alter, no Pará, há alguns anos, em busca de valores que não encontrava no caos urbano. “O João mora numa maloca. A casa dele não tem parede, não tem móveis, não tem geladeira. É por que ele não tem dinheiro? Não, é porque ele não quer. É uma opção de vida. É uma opção de vida de ter duas bermudas que bastam. É uma opção de vida de menos consumo e mais proteção. Então, quando a gente vê essas pessoas que estão fazendo isso, estão ali, preservando, cuidando, serem injustiçadas, isso dá uma dor muito grande, não só porque é meu filho, porque, se ele estivesse errado, eu não ia passar a mão na cabeça, nunca fiz isso”, garante a mãe, que se manifesta sobre o que está rolando: “é óbvio que é uma prisão política. Eu espero que a verdade prevaleça, ainda que a gente tenha muito medo dessa verdade ser manipulada como está sendo pela mídia“.

Confira abaixo o comunicado oficial publicado pela Brigada de Alter após a prisão, para muitos ativistas injusta e criminosa, de quatro de seus membros:

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Na última terça, 27, o Ministério Público Federal do Pará questionou a prisão dos quatro brigadistas e solicitou que a Polícia Civil mande cópia do inquérito para análise, já que, desde 2015, as investigações envolvendo a degradação da área em questão citavam “assédio de grileiros, ocupação desordenada e especulação imobiliária como causas da degradação ambiental em Alter”.

Na tarde desta quinta, 28, o juiz Alexandre Rizzi, titular da vara criminal de Santarém, que havia anteriormente negado a soltura dos brigadistas, voltou atrás. Eles agora vão responder ao processo em liberdade e, uma vez por mês, precisarão comparecer à comarca e entregar seus passaportes para análise. A decisão veio porque o juiz entendeu que o status prisional não condiz com a complexidade das investigações, “não podendo os indigitados ficarem recolhidos em cárcere à mercê da análise de vasto material apreendido”.

No final da tarde de quinta, 28, os quatro brigadistas foram soltos e recebidos na porta da penitenciária em que estavam, no Pará, pelos amigos e familiares. Foi concluído que faltavam evidências concertas no inquérito para a prisão dos voluntários da Brigada de Alter na operação “Fogo do Sairé”. O Ministério Público do Pará também solicitou que o delegado que estava à frente do caso fosse substituído. A soltura se deu após campanhas online pela libertação dos brigadistas, que haviam sido presos e tido seus cabelos e barbas raspados mesmo ainda estando apenas sob medida provisória, o que é inconstitucional. Jair Bolsonaro, que havia comemorado a prisão no Twitter, ainda não se manifestou sobre a soltura dos quatro homens. A operação “Fogo do Sairé” continua, mas os principais suspeitos pelas queimadas na região amazônica voltam a ser os garimpeiros, os ruralistas e a especulação imobiliária em regiões de proteção ambiental. 

 

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