- Indico fazer a leitura escutando Trem do Pantanal, do Almir Sater, uma das minhas músicas favoritas a respeito desse bioma riquíssimo, que a ganância de homens em posição de poder insiste em destruir.
Esta matéria é a primeira denúncia da coluna. Gostaria que também fosse a última, mas vivemos no Brasil, país que mais mata ativistas ambientais no globo terrestre e destrói seus biomas em nome da ganância do homem. Ou, melhor dizendo, da ganância dos homens ricos, pois aqueles que mais precisam não são favorecidos por esse jogo de poder.
Não é de hoje que os impactos negativos que as hidrelétricas geram nas Áreas Úmidas do Pantanal preocupam. Justamente por isso, o Projeto de Lei nº 957/2019, aprovado em maio deste ano pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso, foi tão comemorado.
De autoria do Deputado Estadual Wilson Santos, um dos seus principais objetivos era barrar a construção de um complexo de seis pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) encabeçados pelas empresas Maturati Participações S.A. e Meta Serviços e Projetos LTDA. na extenção do Rio Cuiabá, maior responsável pelo abastecimento de água do Pantanal.
A comemoração durou pouco. Menos de dois meses depois, Mauro Mendes (União Brasil-MT), governador do Mato Grosso e aliado de Jair Bolsonaro nas Eleições 2022, vetou o PL, conforme decisão publicada no Diário Oficial do Estado. “Deputados Estaduais do Mato Grosso propuseram um projeto de lei que impede a criação de barragens e pequena centrais hidrelétricas ao longo do Rio Cuaibá, e essa lei foi votada e aprovada. Foi um marco incrível! A gente nem esperava que fosse acontecer, porque todo mundo está destruindo o tempo inteiro, e conseguir uma lei que impede isso foi muito importante. Só que daí o governador vetou a lei baseado em uma falácia jurídica, dizendo que não é o Estado que faz isso. Mas é sim! É o Estado que emite licença ambiental, é o Estado que legisla sobre impactos ambientais“, garante Gustavo Figueirôa, biólogo, conservacionista e diretor na SOS Pantanal, em entrevista para a Ecos da Terra.
A falácia citada pelo biólogo e utilizada pelo político é o Art. 22, IV da Constituição Federal, que diz que “interfere na competência privativa da União para legislar sobre águas, bem como, na competência material para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão aproveitamento energético dos cursos de água; instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso”. Logo, segundo justificativa publicada no Diário da União, o PL constituía uma violação da lei.
Não é verdade. Conforme consta no documento Procedimentos de Licencamento Ambiental do Mato Grosso, “no estado, a Secretaria do Meio Ambiente (Sema/MT) é o órgão responsável pelo licenciamento ambiental. No nível de decisão colegiada há o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema/MT) e o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (Cehidro)”. A Secretaria do Meio Ambiente é uma secretaria do Estado, e a do Mato Grosso é comandada por Marcos Machado, promotor de justiça.
“Nossa estratégia é tentar reverter isso na própria câmara e derrubar o veto direto na Assembleia Legislativa. Esse veto [do governador Mauro Mendes] imapcta diretamente na biodiversidade pantaneira, porque a instalação de barragens por si só diminui o fluxo de água que desce para o Pantanal. Então, isso vai aumentar a seca na região e aumentar o número de incêndios. O veto também afeta as populações que dependem dos peixes, porque as barragens impactam na procriação de diversas espécies, que precisam subir o rio para desovar. Ou seja, vai afetar diretamente o tursimo de pesca e a saúde alimentar de populações ribeirinhas e tradicionais“, alerta o conservacionista.
Aqui, cabe ainda mais dois adendos: as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) são responsáveis por cerca de apenas 1% da energia produzida no Brasil. Fora isso, Cuiabá é a capital nacional com maior produção de energia fotovoltaica [solar]! Pressumir que o veto aconteceu pensando no bem-estar socioeconômico do povo é pura hipocrisia. “Cuiabá tem um potencial gigantesco para produzir energia proveniente da luz solar. A geração de energia dessas pequenas barragens e hidrelétricas é ínfima, muito baixa. Então, não faz sentido liberar essas usinas com a desculpa de produzir energia“, explica Figueirôa.
No último dia 4, Mauro Mendes (União Brasil-MT) tomou outra decisão polêmica. Ele flexibilizou a Lei nº 8.830/2008, conhecida como Lei do Pantanal. A alteração “permite a criação de gado e restauração de pastagem nativa em reserva legal e áreas de preservação permanente (APPs), e ecoturismo e turismo rural em áreas de conservação permanente”, conforme relata reportagem do jornalista Michael Esquer, publicada no site O Eco.
No dia 24 de agosto, acontece na Assembleia Legislativa a sessão que vota a derrubada do veto do governador. Você pode contribuir ecoando esta matéria, ou seja, fazendo barulho nas redes sociais usando a hashtag #BarragensTolerânciaZero, e enviando o texto DESTE LINK para o e-mail e o WhatsApp de cada deputado, cobrando que ele vote para derrubar o veto da lei. O contato dos parlamentares se encontra no mesmo link.
Isto também é sobre mudanças climáticas. Afinal, elas sempre existiram, mas ações humanas estão acelerando esse processo e contribuindo para um planeta cada dia mais desregulado, inseguro, inabitável e injusto, especialmente para comunidades tradicionais e periféricas – e não coincidentemente esses causadores da desordem são as mesmas pessoas que, quando as queimadas batem recordes, vêm dizer que as causas são naturais.
Naturalmente causadas por homens em posição de poder, só se for! Pra cima da gente, não.