Você deve conhecer alguém que passou por um câncer e hoje está muito bem. Com o avanço da ciência, o número de pessoas que sobrevive à doença tem aumentado significativamente. Acontece que, para além do diagnóstico ou tratamento, o tema ainda é muito pouco discutido, e a nossa sociedade não está preparada para lidar com quem passa por essa experiência difícil.
A jornalista, escritora e influenciadora cearense Duda Riedel descreve o “pós-câncer” como uma espécie de renascimento. “Sabe quando um parente morre e as pessoas não sabem muito bem lidar ou falar sobre o assunto, ficam cheias de dedos? Acontece algo semelhante com nós, sobreviventes da doença”, explica durante o papo com a CAPRICHO.
Duda foi diagnosticada com leucemia mieloide aguda, em maio de 2019, quando tinha 24 anos. Ela procurou um médico ao sentir a persistência de alguns sintomas estranhos, como perda de apetite, fortes hematomas e uma sinusite que não curava. Logo após o diagnóstico, fez um tratamento com quimioterapia durante nove meses.
Em novembro do mesmo ano, Duda encontrou um doador 100% compatível e realizou o transplante de medula. O procedimento deu muito certo. “Mas o tratamento não acaba quando termina”, relembra uma frase que o seu oncologista sempre falava. “Eu continuei fazendo acompanhamento médico, indo ao hospital, tomando medicação”, conta.
Durante todo esse processo, Duda, que é apaixonada por moda, usou as redes sociais para mostrar como enfrentava os dias difíceis – entre pijamas mais estilosos, diferentes amarrações de lenços, maquiagens, desabafos e mensagens para outras garotas que estavam passando por situações semelhantes, a sua rede foi crescendo.
“Eu fazia maquiagem para me sentir mais bonita e ficar pronta para as batalhas da vida que eram as quimioterapias”
Além disso, a jovem também usou a escrita, sempre tão presente na sua vida, para colocar para fora o turbilhão de emoções que enfrentava naquele momento, dentro do hospital. Ela já tem quatro obras publicadas, entre elas: os romances De onde nascem as rosas e Uma chance ao Amor*. E deu um spoiler à CH que, no fim deste ano, lançará mais um livro – no qual a história une todas as dores que já enfrentou e a moda, como arte e ferramenta de ajuda.
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E depois da cura?
O tratamento e recuperação de Duda acabou emendando com a pandemia e a necessidade de se manter isolada. “Passei basicamente do início de 2019 até o final de 2021 completamente imersa no meu mundinho oncológico”, conta. Só após a terceira dose da vacina contra a Covid-19, e com a crise sanitária mais controlada, que ela começou a sair novamente e tentar socializar.
“Foi aí que eu comecei a perceber o quanto a sociedade está despreparada para receber pacientes que passaram por tratamentos oncológicos”, observa Duda. Uma pesquisa pioneira do Instituto Nacional de Câncer (INCA) sobre o forma como os sobreviventes lidam com as consequências da doença, publicada em 2019, mostrou exatamente isso.
Segundo o estudo, depressão, problemas financeiros, dificuldade de reinserção no mercado de trabalho e o medo da recorrência da doença são desafios que acompanham o paciente depois do fim do tratamento. Também foi percebida grande demanda de suporte emocional por parte dos sobreviventes e, principalmente, das famílias e cuidadores, que não contam com atendimento psicológico.
“Durante o tratamento, o único foco é sobreviver, não pensamos no depois. Mas, quando acaba, falta diálogo e políticas públicas sobre o tema.”
Na sua experiência pessoal, Duda conta que a socialização não foi fácil. “Quando comecei a sair, depois que tinha acabado o tratamento, ou as pessoas achavam que não podiam nem citar o assunto ou tratavam como se nunca tivesse acontecido. Nunca era com naturalidade”, conta.
A influenciadora reforça que não dá para ignorar o fato de que sobreviventes, como ela, viveram esses traumas e precisam lidar com as consequências tanto físicas como emocionais – principalmente as mulheres. Duda, por exemplo, entrou na menopausa precoce com 24 anos por conta da doença. “Não trata-se apenas da dificuldade em engravidar, a menopausa mexeu com a minha libido, causando falta de lubrificação, por exemplo”.
Ela também conta que os hormônios interferem muito no emocional, resultando em ansiedade e insônia. “Muitas mulheres que passam pelo tratamento oncológico adquirem alopecia depois. Eu sou cheia de falhas no cabelo e isso mexe um pouco com a minha autoestima”, completa.
Ensinar, viver e ser feliz
Com o tempo, a doença vai se distanciando e tudo vai se ajeitando, conta Duda. Agora, aos 28 anos, ela está morando sozinha em São Paulo, vivendo as delícias e dores da vida de adulta. Sempre com um toque de humor, motivação e estilo, ela continua trabalhando com a internet, compartilhando com os seus seguidores o dia a dia.
O que ela não esperava era que isso fosse “incomodar” algumas pessoas. “Existe um estranhamento porque boa parte do público me conheceu por conta do câncer e me acompanhavam no âmbito hospitalar, comemorando bons resultados de exames. Mas hoje eu sou uma mulher de 28 anos que voltou a normalidade, que está viajando, saindo para beber com as amigas, tendo dates”, diz.
“É pegar um limão e transformar em uma torta de limão bem gostosa e docinha.”
Duda conta, com lamento, que recentemente recebeu mensagens de seguidoras reclamando que o conteúdo dela não é mais o mesmo e que “agora que está curada se tornou uma pessoa fútil”.
“Eu acho cancelamento uma mera babaquice da internet, mas existe e eu posso dizer que fui cancelada por estar viva, bem e por ser uma sobrevivente”, afirma. “O olhar da sociedade é muito cruel e não está preparado para lidar com os sobreviventes. Mas eu prefiro levar essa surra e educar”, completa.
Para garotas que estão passando ou já passaram pelo câncer, Duda aconselha: “Tome o seu tempo e não se cobre tanto para estar bem, mas quando estiver, desfrute a sua felicidade e não se sinta em dívida com a doença. Depois a vida real acontece, sim, e que bom que você pode sofrer porque o cara não te ligou no dia seguinte, ou qualquer outra futilidade.”
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