O ano já começou com um trágico caso de assassinato no Brasil. Na chamada Chacina de Campinas, Sidnei Ramis de Araújo, de 46 anos, matou sua ex-mulher, Isamara Filier, seu filho de 8 anos, João Victor, e mais 10 pessoas que estavam no local, sendo que oito delas eram mulheres. Em cartas deixadas por ele, fica claro que o ódio pelas mulheres foi o que o levou a fazer isso. Ele praticou o que chamamos de feminicídio. Mas, afinal, o que é isso? Nesta matéria, esclarecemos essa dúvida e também explica como funciona essa questão em outros países, e, principalmente, o que podemos fazer para evitar.
1. O que pode ser considerado feminicídio?
A palavra feminicídio se resume, basicamente, ao assassinato de uma ou várias mulheres por questões de gênero, ou seja, por serem simplesmente mulheres. Isso não indica, no entanto, que toda garota assassinada é vítima de feminicídio. A motivação do crime precisa estar relacionada ao fato de a vítima ser do sexo feminino – o que geralmente acontece em crimes envolvendo ex-namorados, por exemplo.
As motivações mais comuns envolvem “sentimento de posse sobre a mulher; controle sobre seu corpo, desejo e autonomia; limitação da sua emancipação profissional, econômica, social ou intelectual; tratamento da mulher como objeto sexual; e manifestações de desprezo e ódio pela mulher e por sua condição de gênero”, de acordo com as Nações Unidas. Em muitos casos, os agressores, antes do homicídio ou até depois, torturam, abusam sexualmente e fazem agressões físicas às vítimas.
2. Mas a lei fala alguma coisa sobre isso?
Só em alguns países. No Brasil, por exemplo, desde 2015, o feminicídio é considerado crime hediondo em lei (nº 13.104). Ele é considerado repulsivo e tratado pelas autoridades de forma mais severa. Isso o diferencia, inclusive, dos homicídios simples. Se o assassinato envolver “violência doméstica e familiar; e menosprezo ou discriminação à condição de mulher”, para a legislação, o feminicídio aconteceu, pois a mulher foi morta pelo fato de ser do sexo feminino.
A lei determina, ainda, três situações que fazem com que a pena seja 1/3 maior que a original, que é de 12 a 30 anos: se a vítima tiver menos de 14 anos, mais de 60 ou qualquer deficiência; se o crime for praticado durante a gestação ou até três meses depois do nascimento do bebê; se o assassinato acontecer na frente de familiares(pais e/ou filhos da mulher.
3. O que acontece nos outros países?
Essa é uma questão complicada, porque o assassinato de mulheres infelizmente está intrínseco à cultura de alguns lugares, principalmente no Oriente Médio. Na América Latina, cujos índices de feminicídio são os maiores do mundo, outros países além do Brasil já incluíram essa questão em suas legislações. Alguns deles, inclusive, preveem penas ainda maiores do que as aplicadas por aqui. Na Argentina, esse crime pode resultar em prisão perpétua, como aconteceu em um julgamento em julho de 2016, condenando dois homens que roubaram e espancaram uma transexual em 2014.
4. Como está a situação do feminicídio no Brasil hoje?
O Brasil é o quinto país com mais casos de feminicídio no mundo. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam uma taxa de 4,8 para cada 100 mil mulheres. Outro dado alarmante é que em 10 anos (de 2003 a 2013), o número de assassinato a mulheres negras aumentou 54%. É importante lembrar, no entanto, que o feminicídio só ficou previsto na lei em 2015, tipificando o crime, então as estatísticas de tudo o que ocorreu antes disso provavelmente não são suficientes para se ter uma real dimensão do quadro no Brasil.
Outro fato que merece ser destacado é que, de acordo com o Mapa da Violência 2015, a maior parte dos homicídios a mulheres acontece com armas de fogo. As vias públicas ficam em primeiro lugar quando se pensa no local da agressão, mas logo em seguida vem o domicílio – ou seja, muitas mulheres são mortas dentro da própria casa.
Além disso, enquanto em muitos países o crime é praticado por desconhecidos ou gangues, por aqui, em grande parte dos casos, quem comete o feminicídio é algum familiar, na maioria parceiros ou ex-parceiros da mulher.
5. O que podemos fazer?
Em primeiro lugar, saiba que se você sofrer qualquer tipo de violência e se sentir (ou de fato) for ameaçada, denuncie. Isso pode ser feito em qualquer delegacia, onde você regista um boletim de ocorrência, ou por telefone, discando 180, que funciona 24 horas e recebe denúncias anônimas. Depois do registo do B.O., é possível que a mulher tenha a segurança de que o agressor seja obrigado a se manter longe dela – para isso é preciso entrar com uma entre com uma medida protetiva sob a Lei Maria da Penha, que age em casos de violência doméstica/familiar.
Por enquanto, infelizmente, no que diz respeito a questões legais, isso é tudo o que podemos fazer para evitar que alguns casos acabem desencadeando um feminicídio. No dia a dia, no entanto, podemos (e devemos) nos manter longe de relacionamentos abusivos, pedir ajuda sem medo, estar atenta às nossas amigas e às desconhecidas também e, principalmente, não parar de lutar nunca pelos nossos direitos de liberdade e segurança.
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