egros precisam se envergonhar de escutar Taylor Swift? É, parece uma pergunta bem estranha, mas pasmem: esse é um assunto que, vira e mexe, circula no mundinho pop. Antes de mais nada, caso a resposta não seja tão clara por aí, nós adiantamos: não, ninguém é menos negro por escutar o som da loirinha. Na verdade, a questão deveria ser outra… Afinal, por que pessoas negras não poderiam ser fãs da cantora? É sobre isso que vamos refletir hoje.
A CAPRICHO escutou dois swifties que foram alvos de questionamentos e hate: o analista de Segurança da Informação Will Ramalho, de 24 anos, e a escritora de comédias românticas LGBTQIA+ de 22 anos, Arquelana. Ambos são negros, fanzassos da loirinha e, infelizmente, já tiveram sua negritude colocada em pauta por causa de seus gostos musicais.
“Por incrível que pareça, eu nunca pensei que fosse ouvir isso, mas já recebi muitas respostas atravessadas e julgamento real de pessoas negras quando descobrem que sou fã da Taylor”, conta a autora do livro ‘Realidade Paralela’.
‘Black’ Taylor Swift stans logging out of twitter pic.twitter.com/92YUZO5LSz
— Luti (@lutibot) 28 de abril de 2023
Além do Twitter (atual ‘X’), onde acontece muito desse tipo de julgamento, Arquelana conta que pessoas do seu ambiente de trabalho e de coletivos negros dos quais ela participava começaram a fazer piadas sobre o tema. “Eu sempre levei na boa, porque eram só brincadeiras mesmo, mas começou a passar do limite quando uma pessoa disse muito seriamente que eu estava sofrendo lavagem cerebral, que não fazia sentido ser negro e gostar da Taylor, porque ela é ‘elitista’ e ‘o suprassumo da branquitude'”, relembra.
Will passou por situações semelhantes. “Já escutei que eu queria ser branco e escuto essas músicas para ser aceito em um meio branco”, desabafou o jovem.
É impossível se identificar com a Taylor se você é negro?
Até é compreensível que muitos dos questionamentos partam do princípio de identificação. Afinal, como que Arquelana, uma mulher negra, escritora de romances afrocentrados, e Will, um homem negro periférico, conseguem ser fãs de alguém tão diferente deles? Só que, por mais surpreendente que possa ser para alguns, é mais que possível.
Will Ramalho relata que, como homem, já sofre muita pressão desde muito novo sobre demonstrar seus sentimentos, e por ser negro e LGBTQ+, isso aumenta mais ainda. “Sempre escutei estereótipos do tipo ‘você tem que ser forte, não pode chorar’, mas eu nunca me identifiquei com essa imposição”, conta.
Para ele, as músicas da Taylor conseguem transcrever exatamente o que ele sente internamente e que, muitas vezes, as pessoas insistem em tentar silenciar.
A Taylor traz um conforto para mim de ser uma pessoa fantasiosa, dramática. Coisas que eu, como um homem negro, pela sociedade não teria direito de ser.
Will Ramalho
O fã ainda devolve o questionamento para quem o julga: “por que eu não posso escutar músicas sobre sentimentos? Por mais que ela seja uma mulher branca e rica e eu um preto periférico, tenho uma visão sobre o amor muito parecida com a dela, então suas músicas me trazem um conforto. Conforto que parece que não tenho direito de ter“, diz.
Além disso, quando a Taylor canta sobre autoestima, sobre solidão e sobre a mania de buscar o amor de outras pessoas, quando você pode encontrar em você, representa muita gente que também não se sente visto. “Ela é dramática como eu”, brincou o entrevistado.
@arquelana ser negra e fã da tswift é uma experiência 🙌🏾 #taylorswift #tswift #swiftie #swifties ♬ som original – arquelana
Para Arquelana, as letras são mais que especiais pois marcaram e a abraçaram em diversos momentos de sua vida. E mesmo que Taylor não cante sobre as dores em ser uma mulher negra, sua arte já ajudou ela em muitos momentos. “Ela estava lá quando eu me descobri bissexual e lançou Shake it off, ou quando eu me recuperei do meu primeiro coração partido com Clean e Come back… Be here, quando eu entrei na faculdade e fui morar sozinha com New Romantics“, conta.
A fã também usa como exemplo a música “The Man”, que é sua faixa mais escutada do ano, porque em sua visão, além de Beyoncé, ela representa como é ser uma mulher em um mundo tão machista.
Ao mesmo tempo, ela diz que entende de onde vem a busca do movimento negro por identificação e por preservar nossa essência: “A gente foi ignorado e negligenciado pela mídia por muito tempo”. Mas ela discorda que isso seja justificativa para questionarem seu gosto musical.
Não faz sentido jogar nas minhas costas, uma mulher jovem que ama música, o fardo de não ser negra o suficiente porque ouço música de certa artista que, por sinal, tem a voz ativa para amplificar vozes silenciadas, como em raças e etnias marginalizadas e a comunidade LGBTQIAP+.
Arquelana
É só com a Taylor?
Para os fãs, é explicito que a implicância da internet é com a Taylor, porque se você é preto e é fã de outros artistas brancos não vai ser tão questionado. Assim como sua colega de fandom, Will acredita que isso tenha ligação com a situação envolvendo o rapper Kayne West.
No VMA (Pemiação MTV Video Music Awards) de 2009, Taylor havia acabado de consolidar sua carreira musical e levou um dos prêmios mais aguardados, o de ‘Melhor Vídeo Feminino’. Kayne invadiu o palco e tirou o microfone de sua mão, alegando que Beyoncé merecia mais. Eles supostamente se resolveram, mas anos depois apareceram trocando farpas em músicas. Na letra de ‘Famous’, West canta: “Eu sinto como se eu e Taylor ainda devíamos ter relações sexuais / Por quê? Eu fiz aquela vadia famosa”. Taylor se pronunciou extremante incomodada, até porque Kayne insistiu em dizer que a cantora havia aprovado a letra por meio de uma ligação, mas a conversa vazou completa e provou que não foi bem assim que aconteceu.
Cuidado para não reforçar estereótipos
Se você acredita que homens e mulheres negras não deveriam escutar Taylor, talvez seja bom repensar se você, na verdade, não está reforçando e caindo na armadilha dos estereótipos que pessoas pretas não são sentimentais.
Para Will, as pessoas precisam tomar cuidado com essa intriga. “Nessa de discurso de ódio de pessoas pretas para pessoas pretas, isso pode fazer com que pessoas brancas também se sintam no direito de serem racistas e me falarem que ‘tenho alma de branco’ ou que ‘quero me inserir em um lugar de branco'”, alerta.
“Essa problematização é a coisa mais sem noção que existe, mas eu não poderia ligar menos para o que essas pessoas dizem. No fim do dia, sou só eu com meu fone de ouvido, chorando enquanto ouço Seven ou berro The Story of Us a plenos pulmões. E nada disso me torna menos negra, só uma mulher jovem que ama uma cantora e a arte que ela produz”, finalizou Arquelana.