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Eleições 2022 abriram a porteira e a fiel boiada de Ricardo Salles passou

Não bastou a bancada pró-meio ambiente na Câmara encolher 20%; Ricardo Salles teve que ser o 5º deputado federal mais votado do país

Por Isabella Otto Atualizado em 8 out 2022, 10h15 - Publicado em 8 out 2022, 10h10

Investigado por esquema de exportação ilegal de madeira, a favor da caça, flagrado em reunião ministerial sugerindo usar o coronavírus e as vítimas da pandemia como cortina de fumaça para alterar na surdina regras de proteção ambiental, exonerado do Ministério do Meio Ambiente e considerado por muitos o pior ministro da pasta. Ricardo Salles deixou um rastro de violação ambiental durante sua passagem pelo governo de Jair Bolsonaro e acabou recebendo em troca o posto de 5º deputado federal mais votado nas Eleições 2022.

Foto de Jair Bolsonaro rindo ao lado de Ricardo Salles. À esquerda, uma porteira segura um boi dentro do pasto, enquanto ele pega fogo
Fabio Vieira/FotoRua/NurPhoto/GettyImages/CAPRICHO

Este foi o golpe mais baixo que tomei este ano – e olha que não foram poucos. Como conservacionista, que há pouco tempo conheceu a Amazônia de perto e, em 2021, foi para o Pantanal sozinha, na cara e coragem, ver como estava uma das regiões mais afetadas pelas queimadas no ano anterior, fiquei me perguntando os motivos que levaram as pessoas a votarem em Salles.

Depois de fazer uma breve pesquisa de campo, encontrei algumas possíveis razões: a Jovem Pan, o fato de “Ricardo Salles falar bonito”, as fake news políticas, e o negacionista ambiental e climático.

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Entre 2019 e 2021, anos em que o político esteve a frente do Ministério do Meio Ambiente, o Brasil registrou queimadas históricas, com áreas e áreas sendo desmatadas.

A fiscalização ambiental diminuiu e o garimpo ilegal em áreas protegidas aumentou. Em 2021, o crescimento foi de 46% em comparação ao ano anterior – que já não registrou um número baixo.

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Entre 2019 e 2020, estima-se que 100 toneladas de mercúrio tenham sido utilizadas para extrair ouro ilegalmente na Amazônia. O levantamento foi divulgado pelo próprio Ministério Público Federal, que informou também que 4 em cada 10 crianças Yanomami com menos de 5 anos já estão contaminadas com o metal neurotóxico.

Impossível também não salientar que, pelo 13º ano consecutivo, o Brasil permaneceu no topo do ranking de países que mais matam ativistas ambientais. Nos últimos anos, o país tem se tornado cada vez mais perigoso para aqueles que lutam em prol do meio ambiente e contra ilegalidades. Foi durante o governo Bolsonaro que Dom e Bruno foram assassinados na Amazônia, onde estavam trabalhando em um livro sobre o garimpo ilegal em terras indígenas.

Tudo está interligado. Fenômenos naturais, como o próprio nome diz, são naturais. A questão é que as mudanças climáticas têm acelerado e intensificado esses fenômenos, que afetam a parcela mais pobre da população.

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+Nós sabemos que o mundo é complexo de entender, ainda mais em ano eleitoral. Vem com a gente no CH na Eleição.

O sequestro e estupro de importantes áreas ambientais, em especial daquelas que, em teoria, são protegidas, contribuem com o desmatamento, que contribui com o efeito estufa, que contribui com as mudanças climáticas, que contribuem com as queimadas (inclusive com aquelas de origem criminosa), que contribuem com as desigualdades sociais. É um ciclo simples de entender, mas que algumas pessoas se esforçam para não assimilar.

Se você hoje reclama da sua conta de luz/energia ou já escutou alguém da sua família reclamando, saiba que isso também tem tudo a ver com o que falamos até aqui – fora o fato de, em 2021, o Brasil ter contratado 16 usinas termelétricas, que emitem 1,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano e encarecem os boletos.

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E sabe quem mais sofre novamente? A parcela mais pobre da população. Desmatamento não traz desenvolvimento, agronegócio não planta comida. Mas sabe quem apoiou em 100% a campanha de Ricardo Salles? Justamente os financiadores da Bancada Ruralista.

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O agronegócio é importante para a economia do Brasil, mas o agronegócio não bota diretamente comida no prato dos brasileiros. A pecuária é importante para a economia e gera renda, mas ela é também a principal responsável pela devastação da Amazônia.

O Brasil, neste ano, voltou para o Mapa da Fome da ONU. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, são mais de 60 milhões de brasileiros vivendo em situação de insegurança alimentar. A taxa de desemprego caiu no último trimeste do ano, mas segue alta. Fazer mercado está caro, botar gasolina no carro está caro, pagar as contas está praticamente impossível, e para sustentar uma família é preciso ter superpoderes. Mas a extrema direita elegeu a maior bancana conservadora da História da Casa Legislativa, defende com unhas e dentes um presidente que diz que não existe “fome pra valer” no Brasil e garantiu a Ricardo Salles o posto de 5º deputado federal mais bem votado de 2022, porque acha que o país pode virar uma Venezuela, quando, na realidade, o atual presidente da República foi aquele que mais governou aos moldes de Hugo Chávez durante o período democrático recente. Não sou eu falando; são especialistas em política latino-americana que deram o recado em entrevista a BBC News Brasil. Mas deixa eu adivinhar: eles provavelmente são todos comunistas, certo? Mais confiável mesmo é acreditar naqueles conteúdos que você recebe por WhatsApp e seguir acreditando que a saída para um Brasil mais justo e igualitário é limitar orçamentos do Ministério da Educação, investir desenfreadamente no agronecócio e na mineração, e acreditar em discursos de líderes que justificam suas falas violentas usando o nome de Deus.

Para encerrar, quero dividir com vocês duas frases de filósofos que eu desconfio que vocês possam achar interessantes. A primeira é de Pitágoras e trecho dela diz assim: “Aquele que semeia a morte e o sofrimento não pode colher a alegria e o amor”. A segunda é de Umberto Eco e diz que “justificar tragédias como ‘vontade divina’ tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas”.

Acho que vale a reflexão – e que ela se torne ação! E se depois de tudo isso você optar permanecer do outra lado da porteira, ou continuar meio que segurando ela entreaberta, pelo menos a escolha democrática foi feita com convicção e não em cima de uma possível falta de conhecimento.

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