Apps que produzem imagens com IA não substituem o trabalho de artistas
Conversamos com ilustradores na CCXP22 para entender o quanto virais e correntes deste tipo afetam o seu trabalho
Em 2001, o filme A.I. – Inteligência Artificial foi lançado e ainda hoje considerado um clássico do gênero Sci-fi. Protagonizado por Haley Joel Osment e Jude Law, o longa envelheceu bem e fez uma boa prospecção de futuro.
Nesta semana, por exemplo, o Lensa App bombou nas redes sociais. Bastava entrar em alguma plataforma, em especial no Instagram, para se deparar com feeds lotados de ilustrações criadas por um robô.
Rapidamente, viralizou online um protesto de artistas contrários a aplicativos do tipo. “Porra de inteligência artificial! Contrate artista”, foi o tema da campanha, que teve a adesão de André Inácio, quadrinista e ilustrador do Studio MPUP, especializado em criações LGBTQIA+, que exibiu pela primeira vez seu trabalho na CCXP.
— magdiel (@137Magdiel) December 1, 2022
Em entrevista para a CAPRICHO, o mineiro de Uberlândia explicou o seu posicionamento. “Eu entendo toda essa animação do público. Afinal, quem não gosta de se ver desenhado? Mas, para isso, existem muitos artistas com traços múltiplos, que estudam e ganham a vida com a arte, e que podem fazer melhor do que algo bonitinho, que mais parece um filtro.”
Para André, há artistas diversos no mercado, que apostam em diferentes estilos e têm os mais variados preços. Logo, é muito mais legal você investir em uma arte exclusiva e acompanhar todo o processo de criação dela do que pagar para um sistema te entregar avatares mais avulsos.
A escritora, jornalista e pesquisadora Flávia Gasi, que esteva no Artists’ Valley expondo suas obras – entre elas, o premiado livro Não ligue, isso é coisa de mulher!, feito em conjunto com outras artistas -, aderiu ao viral do Lensa, mas entende a problemática por trás do debate. “Tecnologia é uma coisa que não dá para ser parada, mas eu acho necessário que a gente dê mais visibilidade para artistas, para pessoas que trabalham nesse processo”, opinou.
A pesquisadora aproveita para ressaltar outra questão que tem tudo a ver com a discussão: o apagamento de pessoas essenciais para que sistemas, inclusive aqueles que usam Inteligência Artificial, funcionem.
“Até mesmo em Hollywood, tem muita gente que vai trabalhar com finalização, com efeitos especiais, que não aparece ali nos créditos. Então, está mais do que na hora da gente começar a dar visibilidade para as pessoas que estão por trás de tudo isso, né? Porque a Inteligência Artifical age em cima de algo, e esse algo é um valor humano. Então, o problema, para mim, não é necessariamente a tecnologia, mas o uso que é feito dela, que para mim é perverso, no sentido do apagamento de pessoas. E a gente tem que relembrar essas pessoas e trazê-las para frente”, afirma.
Quem também conversou com a CH foi a artista Alice Pereira, a mente por trás de HQs como A Travessia e Pequenas Felicidades Trans. “É claro que é sempre importante as pessoas pagarem pela arte dos artistas, principalmente os independentes, mas nós artistas não podemos ignorar que a IA chegou para ficar e não adianta lutar contra ela“, disse.
Alice acredita que melhor do que ir contra essas ferramentas, é aprender a usá-las a seu favor. “Elas podem ser muito úteis para gerar referências para um trabalho, e até mesmo podem ser usadas integralmente por um artista. Eu poderia gerar uma HQ inteira em IA“, exemplifica.
Assim como Flávia Gasi, a artista ressalta que toda Inteligência Artificial precisa de uma inteligência humana por trás. “É importante observar que a IA depende da interferência humana para produzir seus resultados. Vejo muitas imagens geradas por IA por pessoas que não tem bagagem artística e o resultado não costuma ficar bom. Mas já vi também imagens geradas por IA com interferência de artistas que ficaram muito boas. Acho que a arte não vai acabar com o advento da IA, da mesma forma que a pintura não acabou quando surgiu a fotografia. Ela vai simplesmente se transformar“.
Hugo Canuto, ilustrador e autor de histórias em quadrinhos, tem a mesma opinião. Para ele, essas experimentações são importantes e necessárias. “Foi a mesma coisa quando chegou o computador. Existia uma discussão de que se arte digital era considerada uma arte, e isso é parte do processo de evolução. Eu trabalho com pincel, com aquarela, com meu tablet… São técnicas. E talvez agora surja você programar arte, sabe? É o caminho. É a própria essência da arte você experimentar e, se você tentar podar e enquadrar as coisas, você só estará indo contra o próprio processo orgânico da arte”, conclui.