O Dia dos Pais é uma daquelas datas do calendário que, por muito tempo, reforçou a ideia de “família tradicional brasileira”, pautada em cima de um grupo que respeita o padrão heteronormativo e, por anos e anos, protagonizou comerciais felizes de margarina. Não há nenhum problema em pertencer a este grupo. O perigo está em invisibilizar outras existências e, consequentemente, outros tipos de famílias, que precisam ser normalizadas.
Por exemplo, é comum que escolas organizem eventos para comemorar datas comemorativas. No Dia dos Pais, eles convidam todos os pais. No Dia das Mães, todas as mães. E quando algum aluno quebra o padrão, porque não tem um pai presente, porque o pai já faleceu ou então porque tem dois pais ao invés de um, vira o centro das atenções. Às vezes, a família até mesmo escolhe não participar de tais celebrações para evitar olhares tortos, falatório, bullying… É por isso que precisamos falar urgentemente sobre paternidades!
“Paternidade pra mim é aquela sensação de estar no colo do pai, e se sentir amada e protegida”, diz Laisa Ruiz, de 17 anos, uma das integrantes da Galera CAPRICHO entrevistas para esta matéria. Ela perdeu o pai quando tinha sete anos e confessa que a data era bem difícil durante a época escolar. “Quando eu era mais nova, durante uns cinco ou seis anos depois da morte dele, eu simplesmente surtava. Ver as outras pessoas abraçando os pais na minha frente me dilacerava por dentro. Hoje em dia ainda machuca, mas não tanto. Todo segundo domingo de agosto, minha mãe e eu sentamos, choramos (na maioria das vezes) e lembramos o quanto ele foi bom e isso é algo que me conforta”.
Rebeca Rodrigues, de 17 anos, entende a paternidade de outra forma. É sobre se sentir acolhida e segura, mas nem tanto sobre uma figura masculina no papel. “Pai pra mim não é quem gera, é quem cuida. Ao longo da minha vida, tive quatro pessoas maravilhosas que cuidaram de mim: minha mãe, que é mãe e pai, meu avô, que infelizmente já se foi, minha avó e minha tia”, conta.
Para a estudante, essa visão pré-concebida de “família tradicional de comercial de margarina” pode ser maléfica, especialmente durante a infância e adolescência: “Falta representatividade, falta mostrar a realidade de muitas famílias”. Aos 17, Alicia Rodrigues tem uma visão parecida. Ela viu o pai apenas umas três vezes e confessa que em todas achava que ele ia mudar ou começar a ser mais presente. Não foi o que aconteceu. “Ele me iludiu e isso é muito abusivo, principalmente com uma criança”, afirma a jovem, que vê na mãe o conceito de pai: “Não sei como é ter um pai, mas sei como é ter uma mãe incrível!”.
De acordo com o IGBE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil tem mais de 11 milhões de mães solo, uma realidade que não pode ser romantizada. Essas mães acabam ficando sobrecarregadas, na maioria das vezes, por uma figura masculina que escolheu não estar presente nem arcar financeiramente com suas responsabilidades. Também segundo o IGBE, 63% das casas brasileiras chefiadas por mulheres estão abaixo da linha da pobreza. Para o(a) filho(a), saber que poderia ter um pai e não tem porque este escolheu não ser/estar presente pode ser uma ferida eterna. “O Dia dos Pais costuma ser uma época delicada, porque em algumas vezes eu cheguei a pensar que era ingrata por ficar triste, sendo que tenho uma mãe incrível ao meu lado. A realidade é que os sentimentos existem e eu fico chateada por saber que ele [o pai] não me quer por perto. Lembro-me de uma comemoração na escola em que eu tinha que escrever: ‘Eu te amo papai’; e eu não sabia o que aquilo significava. Só depois de alguns anos que eu passei a entender e sentir decepção e frustração por momentos como aquele“, relata a estudante.
Beca perdeu seu avô, uma das suas figuras paternas, há seis anos e lembra que, naquele ano em específico, o Dia dos Pais foi bem complicado. Mas, no geral, a data não a afeta tanto, porque ela sabe que tem pessoas cuidando dela e assumindo a lacuna deixada por um pai ausente. “Quero agradecer meu avô, onde quer que ele esteja, por ter cuidado de mim tão bem durante 11 anos, e minha mãe. Além de fazer o papel de pai, ela agora faz o papel que era do meu avô fez. Então, ela supre toda a dor. Eu não sei o que seria da minha vida sem ela”, dá o recado, assim como Alicia: “Mãe, eu sou grata por tudo que você passou por mim e sinto muito orgulho da mulher maravilhosa que você é”, declara.
Laisa aproveita o gancho para também mandar uma mensagem, mas para você que está lendo este texto e, eventualmente, se identifica com a história dela: “Eu sei que dói perder um pai, ainda mais tão cedo. Machuca, dá vontade de gritar para o mundo e desistir. Mas eu também sei que não é isso que o seu pai gostaria. Ele desejaria te ver crescer, alcançar seus sonhos e ser feliz. Não tem problema chorar e sentir saudade, mas isso não pode te prender ao passado“.
+: Estas histórias provam que o único “pai padrão” é o que se faz presente
Falar sobre isso na CAPRICHO é garantir que o Dia dos Pais possa ser celebrado em conjunto, de uma forma que a data abrace todo mundo e deixe de ser traumatizante para algumas pessoas. Existem muitas vivências, muitas identidades, muitas composições familiares, e tem que haver muita liberdade para que o amor seja celebrado e também para que lembremos que paternidade é sobre assumir responsabilidades, mesmo que com erros e acertos, e se fazer presente, não simplesmente sobre o que diz os dicionários: que paternidade significa “qualidade ou condição de pai” e “vínculo sanguíneo que liga pai e filho(s)”. Vai muito além!