Para além das questões financeiras e jurídicas envolvidas, o caso da Larissa Manoela, que dominou os noticiários nesta semana, dá abertura para discussões importantes sobre a relação entre pais e filhos. Quando o controle se torna excessivo? Quando é preciso romper com os próprios pais? Essa complexidade das relações familiares é objeto de estudo no mundo todo. E vale ser pensada com muita cautela e de diferentes perspectivas. Vamos lá?
O rompimento intencional entre pais e filhos vem crescendo nos países ocidentais, segundo psicólogos e sociólogos que estudam o estrangement (expressão inglesa que pode ser traduzida como distanciamento e é aplicada nesses casos de separação de um grupo social).
Um deles é Karl Andrew Pillemer, professor de desenvolvimento humano da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, e autor do livro Fault Lines: Fractured Families and How to Mend Them (“Falhas tectônicas: famílias fragmentadas e como reuni-las”, em tradução livre). De acordo com sua pesquisa, publicada em 2020, um dos principais motivos do afastamento familiar decorre da “experiências com pais severos”. Além disso, ele cita outros gatilhos como o divórcio, diferenças de valores pessoais e disputas por conta de dinheiro, heranças e negócios.
A visão de família e as diferentes relações
Samarah Perszel de Freitas, psicóloga, especialista em Neuropsicologia, e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), chama atenção para uma perspectiva histórica. O conceito e funcionamento de família vem se transformando ao longo das gerações, destaca a especialista. Nas famílias romanas antigas, por exemplo, o pai detinha o controle da vida do filho para o resto da vida, em uma relação marcada pelo abuso de poder. Durante muito tempo, as crianças sentaram em mesa separadas dos adultos na hora da refeição.
Nas últimas gerações, o cenário passou a mudar. Hoje, os filhos, desde a infância, são mais ouvidos e têm suas opiniões mais respeitadas pelos pais. Muitas famílias funcionam de um jeito mais aberto. No entanto, outras ainda mantém o modelo mais tradicional. “E aí existe um choque entre a cultura entre as gerações”, observa Samarah, em entrevista à CAPRICHO.
A psicóloga explica que a hierarquia e os limites na relação dos adultos com as crianças e adolescentes são necessários, mas a diferença está na maneira que elas são aplicadas. “Existe um modelo em que os responsáveis são autoritários”, diz Samarah. Nesse caso, os pais proíbem os filhos de fazerem algo, por exemplo, não porque é perigoso ou ruim, mas para alimentar uma disputa de poder. Ou fazem brincadeiras pejorativas para diminuir a criança ou jovem, além de expor ou fazer comparações injustas.
Outra realidade muito destrutiva são os pais narcisistas, que colocam sempre seus interesses acima das necessidades dos filhos.
“Em uma relação saudável, em contrapartida, os pais treinam os filhos para terem autonomia e para serem pessoas responsáveis quando crescerem e estiverem longe deles, dando suporte e afeto”, explica a psicóloga, que destaca que o papel da família, no cenário ideal, é ser uma rede de apoio, em que todos os membros crescem e aprendem juntos.
Mas como se proteger de pais autoritários?
Samarah explica que quando o jovem percebe que os pais têm atitudes tóxicas, eles podem encontrar formas de não ficarem tão vulneráveis. O primeiro passo é buscar uma rede de apoio, pedindo ajuda para outros familiares, amigos e psicólogos.
Por meio do autocohecimento, é importante olhar para os efeitos que esse tipo de relação pode trazer para os filhos, como problemas de baixa autoestima e a ansiedade, evitando que esses padrões familiares não se repitam no futuro.
Dependendo da situação, conversar e falar como se sente, pode mostrar aos pais que eles estão tendo atitudes negativas. Mas em casos de abuso constante, quando o diálogo não funciona, o rompimento se torna, praticamente, inevitável e necessário para proteger a saúde mental, quando o jovem ganha autonomia.