Como cuidar da saúde mental dos jovens no tão incerto mundo pós-pandemia?
As perguntas são muitas e as respostas são poucas, mas uma coisa é certa: precisamos hoje olhar com ainda mais cuidado e carinho pra saúde mental dos jovens
Quando um adulto diz que ser adolescente é moleza, parece até que ele não foi adolescente um dia. Ou talvez ele tenha se esquecido de que ser jovem é uma dureza! É claro que tem muitos bônus, mas os ônus não são bolinho, não! Principalmente aqueles relacionados às mudanças mentais de viver em um mundo de descobertas, impulsionadas por questões químicas. E quando esse mundo está caótico, as coisas ficam ainda mais complexas.
Por exemplo, se você está na escola ou se formou no colégio recentemente, já parou para pensar que você está de parabéns por ter enfrentado uma pandemia durante essa fase da vida, longe dos amigos, trancada em casa com pais e familiares, muitas vezes com condições precárias de ensino? Uma internet que não comporta o EAD – ou nenhuma internet -, um notebook que só trava – ou nenhum notebook -, falta de materias escolares, vista cansada de ficar o dia todo conectada, falta de interação social… Pode ter sido mais cômodo para algumas pessoas, mas dizer que foi fácil, isto, definitivamente, não foi. Pra ninguém.
Nos últimos seis meses, 6 a cada 10 jovens brasileiros passaram ou vêm passando por ansiedade, de acordo com dados da 3ª edição da pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus, realizada pelo Atlas das Juventudes. Foram ouvidos 16.326 jovens entre 15 e 29 anos. A maioria disse que ainda está lidando com alguma questão emocional intensificada pela pandemia. 50% sente cansaço e exaustão frequentes, 44% não sentem motivação para atividades cotidianas, e 4 a cada 10 se preocupam com a possibilidade de outras pandemias acometerem a sociedade e de enfrentarem novamente dificuldades financeiras por causa delas.
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Os cenários são muitos, os jovens são tantos, mas uma coisa é certa: é preciso enxergar o mundo pós-pandêmico para o qual estamos caminhando com outros olhos, mais atentos e gentis, especialmente quando falamos de saúde mental e adolescência. “Não podemos tratar os adolescentes sem compreender os estímulos aos quais eles estão inseridos e como vamos orientar os próprios jovens, seus pais e cuidadores com relação a essas novas tecnologias”, explica o psicólogo clínico infantojuvenil Miguel Bunge para a CAPRICHO.
O especialista, formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, autor do livro Criação Consciente e sócio-fundador da Comportalmente, conta que o primeiro passo para entender esse novo mundo é lembrar que três fatores auxiliam no bem-estar psicológico: vida social de qualidade, sono adequado e atividade física regular.
Durante a pandemia, houve uma quebra de todos esses fatores. Essa quebra interferiu diretamente na saúde mental dos jovens, que estão até hoje lidando com consequências desse período, como a pesquisa apresentada anteriormente mostra. “Além desses aspectos, que, por si só, são péssimos para a saúde mental, devemos adicionar o estresse crônico ao que passamos: notícias ruins, familiares adoecidos, o medo do adoecimento e a possível perda de conhecidos, o luto… Todos esses ingredientes combinados deterioraram a saúde mental* de maneira alarmante“, pontua o médico.
Outro fator que merece atenção extra é o uso excessivo de eletrônicos e da internet, que foi intensificado durante a pandemia, por causa do cenário de isolamento social, mas que é constante e contínuo na Era Digital em que vivemos. “O uso excessivo de redes sociais pode levar a quadros de ansiedade e depressão. Estudos apontam que, quanto maior o tempo de uso, mais destrutivos são seus efeitos. Vale destacar que todas essas redes sociais são construídas de modo a gerar vício. Elas ganham dinheiro com propagadas e, para tal, interessa a elas que os jovens passem a maior parte do tempo possível consumindo seus conteúdos”, esclarece Bunge, que destaca ainda os padrões estéticos que ainda hoje são promovidos pelas redes: “Se para adultos, que têm uma leitura crítica mais desenvolvida, isso já é um desafio para a autoestima, imagina para jovens, que têm menos recursos e experiências, o quanto isso os afeta de uma forma ainda mais profunda?!”, questiona.
Se a saída para os profissionais de saúde é estar em constante atualização sobre as novas tendências do universo digital, seus possíveis benefícios e malefícios, e o mundo pós-pandêmico, a recomendação para os pais é, além de se manter sempre atualiazdos, não ignorar sintomas, não considerá-los “frescuras de aborrecentes” nem dispensar ajuda profissional. Ser presente também é de extrema importância, por mais que o adolescente busque um isolamento ou mantenha algum tipo de resistência à aproximação. “Todo tratamento começa com o diagnóstico correto. Assim que o mesmo é realizado, o tratamento psicológico irá se atentar as causas e razões que perpetuam a depressão e/ou ansiedade para buscar maneiras eficientes de modificar esse quadro clínico, trazendo maior bem-estar para o paciente e seus familiares”, explica o psicólogo.
Falar sobre distúrbios mentais de maneira descomplicada também é de extrema importância, pois só assim é possível minimizar tabus a respeito do tema: “O tratamento precoce é um grande fator que pode salvar inúmeras vidas. Muitos pais ainda acreditam que a adolescência é um período prioritariamente feliz. Sabemos, infelizmente, com dados estatísticos e confiáveis, que isso não é necessariamente verdadeiro. Por isso, colocar esse assunto em destaque é fundamental para que menos adolescentes precisem sofrer por longos períodos com ansiedade e depressão. Acredito que podemos salvar muitas vidas dessa forma!“, garante.
A incerteza do cenário também é motivo de atenção. O que nos espera? As coisas vão melhorar? Alguém realmente já sabe como será o tal mundo pós-pandemia? Ele já está acontecendo? As coisas vão mudar? Tudo vai continuar igual? Os questionamentos são muitos e as respostas são poucas. Se durante a juventude tudo já é mais intenso, essas perguntas podem trazer uma angústia ainda mais acentuada. Uma angústia que pode ser alimentada por outros componentes externos, não necessariamente ligados ao coronavírus, como a ecoansiedade, os conflitos armados que ocorrem no mundo, a polarização política, as dúvidas relacionadas ao futuro profissional, a pressão de tirar notas boas no colégio, em passar no vestibular, retomar a rotina pausada dos últimos anos, voltar a ter interações sociais, lidar com a nova agenda de tarefas, a nova velha rotina… A adolescência já é cheia de incertezas, e viver em uma realidade tão incerta causa uma lacuna de pertencimento enorme, que reflete em questionamentos sobre a vida, que desencadeia ou agrava quadros de depressão e ansiedade, os famosos males da adolescência.
Ei, mas, calma, que nosso intuito com esta matéria não é deixar um cenário ruim ainda pior ou escancarar uma existência caótica! Tão importante quanto o diagnóstico precoce é a prevenção. Quando falamos de saúde mental, o cuidado diário com a sua “casinha” é a melhor maneira de fazer a manutenção dela: limpar pensamentos negativos, ter momentos de relaxamento e prazer, investir em terapia, trazer-se sempre para a realidade quando um mundo imaginário nocivo te puxar para dentro dele e ter a consciência de que vivemos em coletividade, que de alguma maneira estamos juntos, que esse futuro, pelo menos, não depende só de você, e que você não está sozinho, por mais angustiante que seja o cenário e o processo. E sabemos bem que esse aperto no peito pode ser tão grande em certos momentos que fica impossível acreditar que ele vai e pode melhorar! Mas essa resposta, pelo menos, é uma que temos na ponta da língua: vai e pode.
*Prefere desabafar de forma anônima? O CVV (Centro de Valorização da Vida) funciona em todo o território nacional, 24 horas, todos os dias, de forma gratuita. Ligue 188, mande um e-mail ou converse pelo chat online.