“Parece uma tábua para bater carne”. Eu escutei essa frase quando eu tinha uns 14 anos, durante a aula de Educação Física no colégio. Eu tinha prendido o cabelo para jogar e minha amiga, o que nem de longe deixou o comentário menos doído, falou isso sobre minha testa, que eu vivia tentando esconder.
A franja esteve presente em minha vida durante boa parte da adolescência e eu só consegui me desapegar dela na faculdade – embora hoje eu tenha voltado a usar franja por livre e espontânea vontade, não por uma tentativa de esconder o que para mim soava como uma imperfeição. Como meu cabelo é cacheado, eu acordava mais cedo todo dia só para passar chapinha antes de ir para a escola. E eu alisava todo ele, porque, ao meu ver, era estranho ter a franja lisa e o cabelo mais enrolado. Eu achava um saco, mas, no fim das contas, os minutos a menos de sono valiam a pena quando eu percebia que meu cabelo estava igual ao das meninas tidas como bonitas pelos meninos da classe. No auge dos anos 2000, todas elas tinham o cabelo liso. Várias eram refém da escova progressiva.
Joguei vôlei durante uma parte considerável da minha juventude. Foram sete anos em quadra e sete anos tentando fazer minha testa parecer menor quando eu prendia meu cabelo num rabo de cavalo para jogar. Quanto menos fios na cara, melhor. Enquanto as outras meninas do time tacavam gel e puxavam o cabelo para trás com a ajuda de um pente fino, eu usava esse mesmo pente para trazer os baby hair para frente, truque que eu constantemente usava para esconder minhas entradinhas. Meu cabelo é claro, o que as fazem parecer ainda maior. Isso quando não deixava dois pedaços de cabelo soltos nas laterais do rosto para não ter que puxar tudo para trás.
Em uma das muitas vezes em que fui na cabeleireira do bairro para cortar a franja, ela disse que, quando eu crescesse, nem ia mais ligar para o tamanho da minha testa. Na época, como toda adolescente que vive o momento intensamente, fiquei brava com a profissional. Poxa, eu queria não me importar com minha testa naquele momento! Mas o tempo passou e cá estou eu escrevendo este texto para a CAPRICHO para contar que, sim, a cabeleireira estava certa: eu não ligo mais para o tamanho da minha testa, embora, vez ou outra, ainda fique insegura com ela. Inevitável. Durante a adolescência, contudo, ela foi um grande problema para mim, muitas vezes um difícil demais de lidar, que me fazia chorar e ficar triste por eu não ter nascido com a testinha da minha mãe, tão pequena e bonita, como na época eu dizia.
Comentários como o da minha amiga nunca saíram da minha cabeça, e talvez por isso eu ainda tenha meus momentos de insegurança. É também por isso que, quando me deparo com alguma “piadinha” sobre o tamanho da testa da Thaís do BBB21 na internet, me sinta extremamente incomodada. Alguns diriam que são gatilhos, outros que eu estou levando a coisa muito a sério. Mas eu já estive aonde a sister ainda está hoje: nervosa com o fato de repararem na minha “testica fofita” caso ela fique à mostra e evitando o tempo todo colocá-la pra jogo. Mergulhar na piscina e sair dela com o cabelo lambido para trás? Isso é uma realidade em minha vida apenas hoje. Antes, eu calculava milimetricamente meus movimentos para fazer meus fios ficarem lambidos para os lados, nunca para trás.
Quando foi que começamos a nos importar tanto com a testa dos outros? Desde quando os padrões de beleza começaram a ditar as regras e a testa grande deixou de ser algo cultuado, como era durante o Renascimento, no século XIV. Ou seja, traços da aparência alheia sempre foram pauta. Existe até um procedimento estético para diminuir o tamanho da testa, chamado frontoplastia. Ficar refém de um padrão é chato e doído, e por mais que a gente se liberte dele em algum momento da vida, a insegurança nunca deixa de existir porque a gente sabe que a qualquer momento pode ser alvo de comentários jocosos.
Não é sobre ser politicamente correto, mas é sobre não compactuar com uma cultura que cada dia mais impõe padrões estéticos, especialmente para as mulheres, e ferra a saúde mental de todas nós. Em níveis diferentes, todas somos afetadas. Sem contar que a gente nunca sabe os traumas e as vivência do outro, e um comentário que para você parece uma “brincadeira”, para o outro pode reabrir uma ferida interna ou fazer uma nova. “Ah, mas é só entrar na onda e rir da coisa”, dizem tantos por aí. Tá legal, hoje eu entendo isso e até mesmo brinco com o fato de ser testuda (apesar de nem achar mais minha testa tão grande assim), mas as pessoas têm tempos diferentes e talvez aquele outro indivíduo não tenha chegado lá ainda nem nunca chegue. O Brasil já tem tanto motivo que serve de inspiração para piadas, para que continuar preso à 5ª série e pautar seu humor na aparência de alguém? Depois ainda vem pedir empatia e falar sobre saúde mental… Enfim, mais uma hipocrisia para a lista.