Babi Dewet conta como descobriu que poderia ser quem ela quisesse
A autora é autora da trilogia de livros Sábado à Noite nunca quis ser uma princesa
Eu era uma criança que brincava de carrinho, mas também de escolinha. Que, no teatro entre os amiguinhos, interpretava homens e mulheres (e alguns monstros também) e eu nunca tive problema com isso, na minha casa sempre houve espaço para a criatividade. Minhas amigas só queriam ser princesas, mas eu acreditava que todo mundo tinha o direito de escolher o que quisesse ser – embora tenha obrigado minha irmã a ser coadjuvante mais do que ela merecia. Até então, ser menino ou menina era uma questão praticamente física e nada sociológica. Eu não fazia distinção.
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Foi quando comecei a usar roupas mais largas e querer ser o Taylor Hanson (fui uma criança dos anos 90) que percebi que o mundo não era como eu tinha imaginado. E admito que isso me assustou. As pessoas olhavam torto com julgamentos e familiares não entendiam por que “uma garota tão bonita usava roupas inadequadas e masculinas”. Eram as minhas roupas, oras! Com doze anos eu só queria estar confortável comigo mesma, e não precisar me preocupar em parecer mais ou menos feminina, uma mocinha comportada e elegante.
Acho que foi aí que compreendi que eu era uma garota. Quando eu não podia mais ser o Taylor Hanson, ou quem mais eu quisesse ser, porque precisava ser uma princesa. E eu não queria. Nada contra, aliás. Mas eu nunca fiquei tão bem nos vestidos rodados e encantados de Rainha da Primavera, como a minha irmã por exemplo. E estava tudo bem. Eu era feliz assim. Eu sou feliz assim.
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Eu deixei de querer ser o Taylor Hanson de forma natural e acabei me vendo como escritora. Isso foi um pouco antes de eu começar a ser o Axl Rose, mas é apenas um detalhe. Eu entrei no mundo de Harry Potter e, junto com ele, comecei a escrever e ler fanfics, e lá eu realmente poderia ser quem eu quisesse. Ninguém julgava, ninguém apontava o dedo e nem dizia que voar em vassouras era esporte de meninos.
A liberdade de poder escolher quem eu queria ser me fez aprender que não importa a roupa que eu estiver vestindo ou quem a inspiração da minha vida seja, eu sou o que eu faço de bom, sou alguém de acordo com o meu caráter. E eu aprendi que isso também é ser garota. Eu sou escritora de livros juvenis e sou mulher e, infelizmente, preciso me defender todas as vezes que isso entra em discussão. Perdi o número de vezes que escutei que mulheres só sabem escrever romances de péssima qualidade e não são capazes de criar personagens fortes e bem desenvolvidas. Quando se escreve para jovens então as críticas (na maioria das vezes nada construtivas) nos taxa como algo inferior, longe de ser chamado de literatura. Pessoas tentando, o tempo todo, destruir e desconstruir quem a gente é. Mas, a minha liberdade quando criança, me ensinou que se eu quiser ser mulher e escritora, eu vou ser. E que pode não ser fácil, mas que preciso acreditar em mim mesma.
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Enquanto eu atravessava a adolescência com meus cabelos tingidos de vermelho e meus coturnos pretos pesados, as pessoas que mais apontavam o dedo para o meu comportamento eram do sexo feminino. Meninas, garotas e mulheres que com certeza já passaram por momentos de autoafirmação e precisaram se defender apenas por serem meninas, garotas e mulheres. E que estavam reproduzindo aquele preconceito com outras. Nunca vou me esquecer disso e foi por isso que prometi não ser assim, e não sou. Nós mulheres precisamos ter empatia uma com as outras, e praticar a sororidade. Quando escrevo e reescrevo tanto a minha história quanto a dos meus personagens, só quero deixar a mensagem de que nós temos a liberdade de ser. Apenas ser, independente de qualquer julgamento. Todo mundo deveria ter essa liberdade.
BABI DEWET nasceu no Rio de Janeiro e formou-se em Cinema. Sempre quis ser uma rockstar, mas acabou escrevendo textos e livros recheados de música.
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