Nos últimos dias, até as pessoas que não usam redes sociais e se atualizam pelo rádio e pela televisão acabaram recebendo alguma informação sobre a separação de José Loreto e Débora Nascimento, motivada por uma traição do ator que acabou virando um espetáculo público. Muitos nomes famosos foram evolvidos, famílias expostas, rolou um oversharing de sentimentos e todos pareciam ter algo a dizer. Volta, não volta, perdoa, não perdoa, culpado, inocente. Lidar com uma traição é sempre complicado e não existe uma fórmula a ser seguida, mas uma coisa é certa: as redes sociais aliada à fama dos envolvidos no caso só tornaram as coisas ainda mais sofridas.
A M.R*., de 18 anos, foi traída no mês do seu aniversário. A data marcante serviu para deixar o episódio ainda mais cravado em seu peito. Apesar de sempre aconselhar as amigas a nunca perdoarem uma traição, quando aconteceu com ela, a jovem não conseguiu seguir o conselho à risca. “Ele falava para a outra menina que tínhamos um relacionamento aberto e que eu também ficava com outras pessoas, sendo que era mentira. A ferida fruto de uma traição nunca se fecha totalmente, sempre vai sobrar uma mágoa e você vai ficar com um pé atrás“, desabafa a adolescente, que acredita que o mais delicado mesmo é a saudade, que insiste em bater à porta mesmo quando você sabe que a outra pessoa fez besteira.
A J.F*., de 16 anos, descobriu que estava sendo traída pelo Facebook. O namorado deixou a rede social sem querer aberta no computador da jovem, que foi checar suas mensagens e, quando se deparou com recados esquisitos, percebeu que estava logada na conta do menino, com quem namorava há um ano. “Peguei ele conversando com uma menina sobre o dia em que eles ficaram. Fiquei muito mal, mas acabei perdoando, mesmo que a traição dele tenha abalado minha autoestima e segurança. Contudo, a relação não sobreviveu. Vira e mexe me culpava pelo que tinha acontecido. Minha autoestima caiu muito e eu ficava me perguntando o que ela tinha de diferente de mim“, conta.
Aos 15 anos, D.M*. também foi traída pelo namorado, que havia pedido ela em namoro um mês antes, com direito à aliança e tudo! Primeiro, ele negou, mas depois acabou confessando. “Um dia, acordei com um texto dele dizendo que sabia que tinha errado feio, que se arrependia muito, que não conseguia ficar longe de mim. Aceitei as desculpas e continuamos namorando. Apesar disso, o episódio da traição ainda é motivo de briga entre nós”, relata a adolescente. D.M. acredita que é possível superar uma traição, mas que a confiança no parceiro nunca retoma 100%. “Depois que acontece, é difícil saber até que ponto a outra pessoa está sendo totalmente sincera, porque sempre fica aquele pensamento de que, se fez uma vez, pode fazer de novo“.
A psicóloga e escritora Marilene Kehdi garante que é possível superar uma traição, mas quando o perdão é maior que a deslealdade sofrida. É preciso colocar os prós e os contras na balança, analisar o histórico do parceiro, entender minimamente o que pode tê-lo motivado a ser infiel e ser muito sincera consigo mesma, sem deixar que terceiros deem a palavra final por você. “Num relacionamento amoroso, é estabelecido pelo casal um contrato afetivo e regras de boa convivência, e espera-se que sejam cumpridos. Quando um dos parceiros rompe esse acordo, praticando a infidelidade (traição), o outro fica decepcionado, fragilizado, machucado emocionalmente, porque acreditava na fidelidade. A base de uma relação é a confiança e o respeito, e moralmente nunca se deve trair. Mas cada caso é um caso e alguns casais conseguem superar a traição, às vezes, com terapia de casal, outras, sem”, explica a especialista.
É importante também entender que as pessoas lidam e encaram a traição de maneiras diferentes. Algumas, por exemplo, acham que só a troca de mensagens com uma terceira pessoa já é uma forma de infidelidade. Outras acreditam que a traição só acontece de fato quando se dá algum tipo de vínculo sexual. A leitora J.F. acredita que existem dois tipos de traição: a carnal e a desleal. “A desleal é mais complexa. É, por exemplo, quando um cara te trai, conta vantagem pra todo mundo e ainda coloca a culpa da infidelidade em você, não demonstrando nenhum remorso. Eu perdoaria uma traição carnal, mas nunca uma desleal“, opina. A M.R. concorda, mas diz que, em ambos os casos, é importante que o traidor confesse seu “crime”. Apesar de a dor no coração continuar a mesma, a culpa é moralmente amenizada. A D.M., que foi traída, perdoou e ainda namora a pessoa, é positiva e acha que sempre dá para tirar algo de bom de uma situação ruim. “Você aprende a se amar mais e a ter consciência de que as pessoas podem te decepcionar, mas que você tem que saber lidar com isso e não depositar sua felicidade em terceiros”. Perdoar uma traição não te faz fraca ou menos empoderada. É preciso ser forte e corajosa para encarar os julgamentos alheios, porque, infelizmente, eles vão surgir.
Dizer que é possível perdoar uma traição e que esse pode ser um ato de coragem também não dá nenhuma espécie de aval para classificar casos de infidelidade como corriqueiros ou aceitáveis, pois eles definitivamente não são. “Numa relação amorosa, é preciso existir amor, diálogo e cumplicidade para não sobrar nenhum espaço para traições (físicas ou virtuais). Entretanto, existem casos de haver tudo isso numa relação e, mesmo assim, ocorrer a traição. E pior: uma traição com alguém que o casal tem amizade e certa intimidade! Neste caso, será mais difícil perdoar o infiel. Num relacionamento amoroso, o casal deve estar atento um ao outro e atento também àquilo que a relação pede para ser preservada, sem deixar obviamente de viver suas próprias individualidades. Ser traído machuca, faz sofrer, decepciona, abre feridas emocionais e rompe o acordo estabelecido no começo da relação. Pense nisso. Se não quer mais manter um relacionamento, que o parceiro seja o primeiro a saber. Se a relação não está boa, pensem juntos numa forma de melhora- lá. Sem traições”, salienta a psicóloga Marilene Kehdi, deixando claro que não existem justificativas para um caso de infidelidade. Ele pode se dar por inúmeras razões, mas não há desculpas. O melhor é assumir o erro e pedir perdão, mas sem tentar se justificar ou culpar terceiros.
Aliás, é muito comum que mulheres sejam mais constantemente apontadas como pivôs de separações que homens, como se elas sempre fossem as culpadas pela traição. “Enfeitiçou o homem”, “não teve sororidade”, “não se dá ao respeito” e “é uma assanhada” são comentários recorrentes. Mesmo em casos em que o homem é comprometido e a mulher envolvida na traição é solteira, a culpa recai mais fortemente em cima da “outra”, da “oferecida”. Mais uma vez, atitudes como essas podem ser justificadas pela sociedade patriarcal em que vivemos. “Na Idade Média, o adultério da mulher era encarado socialmente como inaceitável e passível de punições severas tendo em vista que a mulher era concebida como uma propriedade sexual masculina, logo o adultério poderia ser punido até com a pena de morte. Já o adultério masculino não era nem visto como adultério, isto é, como infidelidade, já que ao homem era permitido/liberado ter relações extraconjugais, logo eles não recebiam punições nem julgamentos morais, pois eles eram vistos de forma legal e socialmente como seres superiores, ideia legitimada culturalmente pelo patriarcalismo”, explicam textos publicados por Maria de Fátima Araújo e Jane Palmeira Cavalcanti, respectivamente, nos trabalhos de pesquisa “Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações. Psicologia, Ciência e profissão” e “Reações a cenários de infidelidade conjugal: são o amor e o ciúme explicações?”.
Levando em conta esse mesmo pensamento, é por isso que ouvimos com tanta frequência aquela história de que “é da natureza do homem trair”. Biologicamente falando, o fato de os homens produzirem espermatozoides novos e saudáveis por muitos anos e a mulher nascer com um numero limitado de óvulos pode ser usado como argumento, mas a psicóloga Marilene Kehdi não acredita nisso. “Usa-se de vários argumentos para explicar uma traição, mas de forma alguma justifica. Entre eles: o homem é movido pelo instinto sexual (quando, na verdade, ele deveria ter controle sobre esse instinto, pois esta num relacionamento serio), homem é muito visual, ou quem trai, pula a cerca buscando parceiros(as) ideais, ou alegam que a relação que já entrou na rotina, ou necessidade fugaz de satisfazer o ego, auto-afirmação do homem ou da mulher, vingança, abandono sexual de um dos parceiros, imaturidade, ou dizem até que trair faz parte da natureza humana. Lembrando que esses impulsos são totalmente controláveis e devem ser, principalmente quando se é comprometido com alguém“. Muitos vão querer opinar, o circo pode pegar fogo, mas a decisão final de até que ponto vale a pena perdoar uma traição é sempre sua. Só não caia na cilada de dar chances extras a quem não merece (mais) esse sopro de confiança.
*Todas as leitoras entrevistadas para esta matéria preferiram manter a identidade preservada. Ser traída não é uma vergonha. O parceiro é quem deveria se envergonhar do que vez.