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As principais desculpas esfarrapadas usadas pelos acusados de abuso sexual

Com frases padronizadas, eles criticam o passado das vítimas, julgam suas roupas e seus comportamentos, e dizem ser machistas em desconstrução

Por Gabriela Junqueira 9 dez 2020, 15h45
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CAPRICHO/Sestini/Divulgação

O humorista e ex-diretor Marcius Melhem, de 48 anos, disse em uma entrevista publicada no último sábado, 5, concedida para os jornalistas Mauricio Stycer e Dolores Orosco, do UOL, que entraria com uma ação judicial contra Dani Calabresa, que o denunciou por abuso sexual, e Mayra Motta, a advogada da atriz de outras vítimas do humorista. Na sequência, em entrevista ao Domingo Espetacular, Motta comentou que o discurso de Melhem e sua tentativa de desvalorizar as denúncias, dizendo que nada é novidade: “Eu recebo isso de uma maneira triste, mas não surpresa. É a tática mais antiga entre os assediadores, de tentar desacreditar, reduzir, diminuir a dor das vítimas“, disse. 

De Melhem a Biel

Uma semana depois daquela festa, que eu teria feito aquilo, aquele absurdo, a Dani me convida para ir à Disney, eu e minhas filhas(…) Uma pessoa que sofreu aquilo [abuso sexual] uma semana antes vai me mandar um áudio, uma semana depois, no privado, para dizer que queria ir para a Disney comigo e minhas filhas?”, indagou Melhem durante entrevista para a UOL, questionando a denúncia de Dani Calabresa.

Assim como o ator, Biel, um dos favoritos de A Fazenda 12, usou uma justificativa parecida ao negar que teria assediado uma repórter durante uma entrevista que aconteceu em maio de 2016. “Abismado com a intimação, sendo que a entrevista toda foi em clima descontraído e em nenhum momento ela [a repórter] se mostrou decepcionada com algo”, declarou o cantor na época.

Na ocasião, Biel ainda acrescentou: “Machista?! Nem homem me considero ainda para ser prepotente ao ponto. Sou um menino, menino que brinca, menino sem papas na língua, menino que sorri”. Negar ser machista, ou se dizer um machista em desconstrução, e ironizar o movimento feminista são outras falas bastante recorrentes nos discursos dados por homens acusados de assédio.

Quatro anos se passaram desde a entrevista polêmica e Biel, na Fazenda, decidiu jogar a culpa do episódio de assédio em outra mulher. Segundo o cantor, o “problema com a repórter” teria sido resultado de uma falha da assessora dele, que não estava o supervisionando no momento.

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De Melhem a Robinho

O jogador Robinho, condenado a nove anos de prisão na Itália, em 2017, por violência sexual, disse neste ano, em entrevista ao UOL, que tem figuras feminais na sua vida, logo não seria um assediador – um tipo de postura muito adotada por homens acusados de violência contra a mulher. “Eu tenho três mulheres na minha casa, então eu nunca faltei com respeito a uma mulher”, afirmou. Além disso, o atleta também atacou o feminismo. “Infelizmente, existe o movimento feminista e muitas mulheres não são nem mulheres, para falar o português claro”, declarou com ironia.

Algo parecido ocorreu com o ator global José Mayer, acusado de assediar em 2017 a figurinista Susllem Tonani. O homem, hoje com 71 anos, teve uma reação similar à tida pelo jogador Robinho: a de negar tal ato e dizer que respeita muito as mulheres, pois está rodeado delas na família. Em 2019, a Globo encerrou o contrato com Mayer, após mais de 35 anos de casa. Recentemente, em entrevista para o programa A Tarde é Sua, da RedeTV!, o ator disse não ter mais interesse pela vida pública. A história ainda segue gerando revolta, inclusive entre colegas de trabalho de Mayer. “Há diferenças entre assédio e cantadas”, disse Reynaldo Gianecchini na época em que a bomba estourou. Susllem Tonani decidiu não seguir com a denúncia contra Mayer, em 2018, pois, segundo ela, foi inibida por um delegado. “Esse cara jogou esse oficio na mídia que foi distorcendo, distorcendo e mudando o foco da história”, disse na época.

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De Melhem a João de Deus, passando por André Camargo Aranha

Depois das vítimas reunirem coragem para quebrar o silêncio e denunciar, ainda encaram o julgamento e são tratadas como culpadas pelo assédio. João Teixeira de Faria, médium conhecido como João de Deus, foi acusado por 330 mulheres de crimes como assédio sexual. A primeira denúncia foi feita em maio de 2018, pela coreógrafa holandesa Zahira Leeneke Maus, que incentivou outras vítimas a se pronunciarem sobre o caso. O advogado de defesa do médium tentou atacar a imagem de Zahira e jogar a culpa do estupro para cima dela – algo que, infelizmente, acontece com frequência: “Era uma prostituta e tinha um passado de extorsão”, acusou o advogado.

Em novembro deste ano, durante julgamento do caso André Camargo Aranha, acusado por Mariana Ferrer de tê-la estuprado em 2018, no Cafe de La Musique, famoso beach club da Santa Catarina, a vítima foi submetida a uma série de humilhações proferidas pelo advogado do réu, Claudio Gastão da Rosa Filho. Fotos antigas de Mariana, que haviam sido manipuladas pela defesa, conforme alega a jovem, foram mostradas para questionar sua denúncia e seu choro é chamado de dissimulado (“lágrimas de crocodilo”, diz o advogado de André Aranha). “Em nenhum momento a vítima pode ser re-vitimizada e culpabilizada como ela foi(…) Com uso de generalizações espúrias e apelos para estereótipos morais de gênero”, garantiu a advogada Evelyn Massetti em entrevista para a CAPRICHO.

De Melhem a Roger Abdelmassih

Condenado a mais de 100 anos de prisão, por abusar sexualmente de 39 pacientes, o ex-médico Roger Abdelmassih jogou a culpa dos crimes nas vítimas durante uma conversa telefônica com um psiquiatra. “A mulher jogava o milho, eu ia comer e aí eu levei o ferro… Quer dizer, então você sabe que mulher é um bicho desgraçado mesmo”, declarou

Assim como o ex-médico condenado por estupro, outros abusadores colocam a culpa na roupa que as vítimas estavam usando quando o crime ocorreu, no comportamento delas, no local em que estavam, no movimento feminista, no machismo, em outras mulheres… E tais justificativas são viciosas. Atacar a imagem da mulher para enfraquecer sua denúncia e tentar usar uma série de desculpas para justificar o que não tem justificativa, buscando uma isenção da culpa, são atitudes corriqueiras tidas pelos suspeitos acusados de abuso sexual e violência contra a mulher. Na maioria das vezes, eles são aconselhados pelos próprios advogados de defesa, que sabem como o machismo é estrutural em nossa sociedade e que a Justiça ainda é bastante falha com as vítimas desses tipos de crimes.

Quer denunciar um estupro, uma agressão ou um caso de violência sexual? Nessa matéria explicamos como essas denúncias podem ser feitas.

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