No 1º episódio da 4ª temporada de The Big Bang Theory, o personagem Howard Wolowitz constrói uma mão robótica e acaba usando ela para fins sexuais. Além do micão de ir parar no hospital por causa disso, a sitcom, como muitas séries de comédia, usa do absurdo para fazer uma crítica e arrancar risos nervosos do público. De uma forma talvez nem tão perceptível para todos, TBBT escancara a masculinidade tóxica presente no mundo nerd. Pode até ser engraçado ver o Howard com uma mão robótica presa em seu órgão sexual (e é, não dá para negar), mas é também deprimente e um retrato da objetificação feminina. Afinal, quantas vezes o próprio personagem não cogita satisfazer seus desejos sexuais sem precisar de uma mulher de verdade para isso?
Diariamente, nossa sociedade compactua com a cultura da objetificação feminina. O que dizer das bonecas sexuais que, além de reforçarem um padrão de beleza, pois são na maioria das vezes brancas, loiras, magras, com seios e bunda grandes, objetificam a mulher da maneira mais arcaica possível? Hoje, aplicativos como o OnlyFans também contribuem para a cultura da objetificação, que muito explica o fato de até mesmo Inteligências Virtuais estarem sofrendo com o machismo e o sexismo.
O absurdo chegou a um nível tão grande que o Bradesco lançou uma campanha, intitulada #AliadosPeloRespeito, contra mensagens de assédio que a BIA, atendente virtual do banco, estava recebendo. A Lu, assistente virtual da Magazine Luiza, e a Alexa, da Amazon, também denunciaram casos de machismo contra mulheres-robô. Rapidamente, a campanha se tornou motivo de piada na internet, com pessoas inventando o termo “robôfobia”, falando que “quem lacra não lucra” e que o banco “militou errado”. Talvez a sacada do Bradesco não tenha sido lá das melhores mesmo, e até um bocado oportunista, mas quando a gente faz um rápido levantamento online e percebe que a maioria dos vídeos e comentários tirando sarro da situação é feita por homens, muito do hater em cima da publicidade é justificado.
É evidente que não dá para comprar o assédio sofrido por uma Inteligência Artificial ao sofrida por uma mulher de carne e osso no dia a dia, mas o fato de as assistentes digitais receberem mensagens escrotas diz muito sobre a sociedade e a cultura da objetificação. Estima-se que só em 2017, no Japão, cerca de duas mil unidades de bonecas de silicone, com cabeça e vagina desmontáveis, tenham sido vendidas. O número só cresce. Em 2019, na cidade de Nagoya, também no Japão, foi aberto um bordel robótico comandado pela LumiDolls, que tem filiais na Espanha, na Rússia e na Itália. Mas a empresa também produz bonecas por encomenda por valores milionários! No site, é possível escolher entre as categorias: “Loira”, “Negra”, “Colegial”, “Japonesa”, “Europeia”, “Morena”, “Milf” (termo sexual usado para se referir a mulheres mais velhas que já têm filhos) e “Peitudas”. Tem até uma categoria “Premium”, com elfas à disposição dos Wolowitz da vida real. “Experimente o feitiço africano”, diz um dos slogans. Um usuário chamado Jonathan elogia a experiência no site da marca: “Eu não esperava ficar tão excitado com as bonecas. Os seios e a boca são muito naturais. É uma nova dimensão no sexo”.
Em cenários mais assustadores, alguns homens não se dão nem ao trabalho de pagar por uma boneca e fazer com ela o que quer que seja entre quatro paredes. Em 2019, por exemplo, um funcionário foi demitido do Instituto Médico Legal de Manaus, no Amazonas, por suspeita de necropsia. Ou seja, sexo com cadáveres. Neste ano, foi a vez de um enfermeiro ser afastado do Hospital Regional de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, após denúncias de estupro. “Fazia a festa na UTI”, relatou uma das vítimas. Corpos, e apenas corpos. Ou representações deles.
Construiu-se ao longo da História essa ideia de que as mulheres devem satisfazer os desejos carnais dos homens, que não devem se envergonhar deles. Por muito tempo, o papel da mulher era procriar, ser esposa e mãe, ou satisfazer os homens, no casos das prostitutas. Ainda hoje, muitas religiões pregam essa ideia da mulher como serva do homem e à sua disposição, desencorajando-a a buscar sua liberdade sexual, tratando assuntos como a masturbação como tabus e reforçando comportamento machistas de homens, como se a necessidade sexual deles fosse maior do que qualquer coisa e justificasse muitos atos. Uma coisa meio: “Ah, mas é coisa de homem, né? Eles não conseguem conter o prazer. Pensam com a cabeça de baixo“.
Não dá para ignorar o fato de que, quando falamos sobre objetificação feminina, esbarramos na prostituição. Enquanto alguns entendem que a profissão trata corpos como mercadoria e é uma saída cruel para pessoas que são marginalizadas pela sociedade, outros defendem a prostituição como possibilidade de escolha. É o caso da filósofa alemã Ilan Stephani, que em 2017 lançou um livro em que explica que, em condições específicas, é melhor alugar o próprio corpo que tê-lo aprisionado pelo patriarcado.
De filmes a comerciais de bebidas alcoólicas, passando por jogos de videogame e histórias em quadrinho, a objetificação feminina é um desserviço para todos. Ela dificuldade a luta por igualdade de gênero, reforça padrões de beleza e comportamentais, destrói a autoestima feminina, incentiva a indústria da beleza e das cirurgias plásticas, dá palco para a indústria pornográfica, reforça mitos relacionados às mulheres no sexo, compactua com o machismo, com a cultura do estupro e, consequentemente, faz vítimas reais. E você pode até ter achado a campanha antiassédio do Bradesco questionável, mas não é preciso ter uma inteligência artificial para traçar os paralelos entre ficção e realidade.