A escrita me salvou várias vezes e de muitas maneiras diferentes
Para a nossa colunista Gabie Fernandes, o Dia do Escritor é também o dia de todo mundo
Demorei um tempo pra contar pra todas as pessoas da minha família que eu tinha largado a faculdade de Engenharia para me dedicar às artes cênicas. Fiquei bem nervosa, com o estômago embrulhado e um leve medinho de decepcionar as pessoas que eu amo.
Tive umas caras fechadas no meio do processo, mas, por sorte, quem realmente importava, me apoiou.
Vovó foi uma delas! Sorriu, começou a chorar e me abraçou, gritando: “Até que enfim uma artista na família!”.
Por mais que a reação da Dona Valda tenha sido a coisa mais fofa do mundo, ela não foi muito verdade. Isso porque minha família é cheia das artes!
Vovó cantava – no rádio, inclusive -, mas esse dom ninguém herdou. Palavra cantada nunca foi nosso forte, mas na escrita a minha turma se garante.
Minha mãe escreve coisas lindas, extremamente potentes e umas tantas coisas secretas também. Diz que só vai nos deixar ler em determinado momento da vida, e esse mistério me diverte, me dá a sensação de que somos todos personagens de uma grande ficcão. Seria minha mãe a autora cruel de uma série policial!? Ou então uma romântica incansável!? Ou ainda seria uma autobiografia cheia de plot twists, proibida para os filhos por agora?! Não sei dizer, mas aguardo pacientemente.
Minha mãe também escreve receitas. Diz que vai fazer um livro personalizado com as melhores delas para mim. Ainda não vi projeto desse livro, mas, ei, não quero pressionar a autora como as editoras fazem. Então, eu só deixo o tempo correr na esperança de um dia adquirir os ingredientes secretos dela.
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Minha Tia Silvana é poeta. Além de cronista, escreve sobre o cotidiano e sobre si mesma num processo terapêutico bonito de ver. Tem facilidade com as palavras e costuma deixar bonito as ideias mais simples.
Tem uma prima que escreveu um livro, um outro que virou professor e uma tia, muito invejada por mim, que é dona de uma biblioteca.
Minha família é uma família de escritores! Nossa herança não é um pudim diferente, uma casa de praia ou uma jóia dos anos 20. Nossa herança é saber dizer aquilo que pensamos e sentimos com clareza para quem quer que seja. Nossa herança é o amor pela palavra.
A escrita me salvou muitas vezes e de muitas maneiras diferentes, mas não é esssa sua única característica. Minha escrita perpetua a fala de todos que vieram antes de mim.
Ancestralidade é minha maneira favorita de contar para o mundo quem sou eu.